Ângela

De rosto angelical, Ângela encarnava a imagem do anjo por intermédio do qual a mãe pedia aos Santos que intercedessem a seu favor, dando-lhe proteção e encaminhando-a bem na vida.

Aos trinta e dois anos incompletos, não supunha quem a visse de pele irrepreensível, como se as marcas da passagem dos anos, ela as lavasse de manhã no chuveiro, que tinha mais de vinte e cinco ou vinte e seis anos, nem que diante do que ela já vivera, o normal seria que lhe dessem o dobro da idade.

Nascida no seio de uma família modesta, cedo em si despertou o interesse pelos livros, que para mais longe a levavam do que os reinos longínquos de onde eram oriundas as estranhas personagens das histórias que narravam.

Teve uma infância feliz, como se dos sonhos que acalentasse, ainda mais do que no caso dela, dependesse a felicidade da mãe, que a toda a gente falava da filha com um orgulho desmesurado que valia por quatro ou cinco.

Tornou-se numa adolescente tímida, à medida que dela se aproximavam com segundas intenções os namorados das amigas, de quem só tinha ouvido dizer que eram apenas fiéis aos seus propósitos.

Primeiro namorou com um colega da mesma Turma. Engraçou-se por um rapaz da idade dela, que tinha perninhas de alicate e a quem davam um ar de avestruz as calças de fato-de-treino de algodão listadas que não dispensava nas aulas de educação física. A jovem, apreciava sobretudo o bom humor dele, que vinha acompanhado da dose de paciência necessária para ele ouvi-la frequentemente queixar-se de não ter ainda idade para mudar de escola e assim parar de ouvir a chacota de que o rapaz era alvo.

Essa e outras mudanças ocorreram mais tarde, antecedidas ou precedidas de outras que se revelaram importantes na sua vida. Uma delas deu-se quando, como excelente aluna que era, entrou na Faculdade em Guimarães para tirar um curso de Gestão de Empresas, o qual abandonou ao início, a meio de uma profunda desilusão com a frieza dos discursos economicistas, porque nas aulas de matemática que frequentara desde o Ciclo, jamais ouvira falar de quaisquer fórmulas que aplicadas ao quotidiano das pessoas as pudessem converter em números ou vice-versa.

Para não ficar em casa sem ter nada para fazer, optou então por tirar um curso técnico de Secretariado, e como nunca foi capaz de se fixar em nenhum, saltitando de emprego em emprego, é que assentou as ideias e percebeu que, de canudo na mão, pelo menos quando estivesse desempregada, receberia mais de subsídio do Estado porque o vencimento sobre o qual descontaria seria superior ao de funcionária de loja de conveniência.

Ainda antes de volvido o tempo que a mãe levaria a resignar-se por vê-la numa situação de trabalho precário, resolveu voltar à Universidade e matricular-se para frequentar à noite, um curso de História que era em tudo diferente dos anteriores, numa altura em que a par dos primeiros passos na profissão que dava quem tinha entrado no curso de Gestão depois de si, já daria passos de gigante nas empresas por onde passasse, quem o tinha concluído na altura em que decidiu virar-lhe as costas.

Formou-se com grau de distinção elevado e mereceu dos professores um louvor idêntico aos que da mãe escutava quando, entrando em casa alegre, lhe anunciava risonha que passava de ano, mas prevalece-lhe no rosto o sorriso de quando, de uma forma ou de outra, a mãe ficava igualmente contente mesmo que ela não entrasse em casa com notas tão boas.

Sorriso que flui cristalino como a água de um regato que, aos poucos, a outros se vai juntando, ajudando a formar o caudal de um grande rio e é radioso como num dia de sol é o mar, quando se acredita que dele possa sair uma linda mulher como ela, para nos seduzir com o seu canto de sereia.