Anna Maria Luísa – a última descendente dos Médicis e o seu legado em Florença

Para os estudiosos da História e para os amantes desta área, Florença é e será sempre uma referência inconfundível, por vários motivos. É a cidade natal de Dante, o autor de um marco da literatura, a Divina Comédia. É considerada o berço do Renascimento, com cenários construídos por artistas tão conhecidos como Leonardo da Vinci, Michelangelo, Sandro Botticelli, Rafael e Donatello. Foi governada durante quase três séculos por uma das mais influentes famílias da História, os Médicis, conhecidos como uma das mais poderosas dinastias de banqueiros da Idade Moderna. E é sobre os Médicis que vos pretendo falar, tendo como ponto de partida a minha viagem até Florença que decorreu no final do mês de Junho.

Antes de mais, Florença passou a estar na minha lista de cidades europeias para conhecer, desde o meu primeiro ano da licenciatura. Por essa altura havia uma disciplina designada de “História da Europa Moderna” em que a abordagem se centrava no período de expansão do continente europeu, por via dos Descobrimentos Portugueses, da mundialização das trocas comerciais e da efervescência cultural, onde claro está, Florença não poderia ficar de fora. Digamos que essa temática foi um pequeno rastilho que acentuou a vontade de ir a Florença pelo menos uma vez na vida. Digo-vos que vale muito a pena. É tão ou mais do que as nossas expectativas possam idealizar. Tirando a parte da gastronomia, pela qual não fiquei especialmente apaixonada, à excepção de dois locais que irei deixar como referência no final desta crónica.

Florença está rodeada de montanhas e é uma cidade preenchida por pontes, são sete no máximo, sendo a principal a Ponte Vecchio. O pôr-do-sol que ainda mantém a sua intensidade às 20h de verão, banha o rio Arno e cobre a cidade, ficando semelhante a uma paisagem de postal. A Catedral Santa Maria dei Fiori é majestosa e, apesar de não ter visitado o seu interior,  junto dela somos arrebatados pela sua imponência. Em cada esquina podemos encontrar estátuas da mitologia romana, de governadores e imperadores, de artistas e patronos das artes. O Palazzo Vecchio, outrora residência dos Médicis é constituído por várias divisões sem mobiliário e cheio de detalhes artísticos nos tectos. Durante esta visita, tivemos uma guia que nos relatou a história da poderosa família, relevando os elementos que mais contribuíram para a projeção do seu nome no mundo: Cosimo, Lorenzo e Anna Maria Luísa. De Cosimo e Lorenzo já conhecia os feitos como mecenas e conquistadores mas, sobre Ana Maria Luísa não me lembro de ouvir nenhuma referência. Talvez por ignorância minha ou porque o papel das mulheres sempre foi um pouco encoberto ao longo da História da Humanidade. Um facto é que esta “descoberta” apurou a minha curiosidade e vontade de trazer à luz do dia esta personagem.

Anna Maria Luísa foi a última descendente da dinastia que governou a capital da região da Toscana. Nascida em 1667, foi a segunda dos três filhos e única filha de Cosimo III e de Margarida Luísa de Órleans. Juntamente com os seus irmãos Ferdinando e Gian Gaston, cresceu na Villa Poggio Imperiale Medici, onde viveram com a avó Vitória della Rovere, uma católica fervorosa. Foi esta avó que criou Ana Maria Luísa uma vez que, a sua mãe havia partido para nunca mais voltar. A relação entre os pais da pequena duquesa era tempestiva e após várias tentativas de reconciliação, Margarida partiu para França, onde se refugiou no Convento de Montmartre, abdicando de todos os seus privilégios nobiliárquicos.

Em 1691, Anna Maria Luísa contraiu matrimónio com o príncipe austríaco João Guilherme de Dusseldorf, transferindo-se para a Áustria. Ambos amantes das artes, apoiaram e patrocinaram incontáveis pintores e músicos. De acordo com relatos históricos, tiveram um casamento harmonioso apesar de não terem gerado descendência. Uma das razões apontadas para tal, foi o facto de João Guilherme ter contraído sífilis e por consequência, infectado Anna Maria Luísa.

Em 1716, quando o seu marido faleceu, Anna Maria Luísa regressou à sua Florença onde se deparou com uma crise de sucessão. O seu irmão mais velho Ferdinando falecera em 1713 sem deixar herdeiros e o irmão mais novo, Gian Gaston, separara-se, igualmente sem descendência, demonstrando desinteresse pelos assuntos do Estado. O pai, Cosimo, preocupado e idoso, reconheceu, então, Ana Maria Luísa como sua legítima herdeira. No entanto, com a sua morte em 1723, Gian Gaston assumiu forçosamente o poder por direito de sucessão, visto que, as mulheres não podiam exercê-lo, excluindo a irmã da participação no governo. Ana Maria Luísa aceitou renegação sem resistência e, retirou-se para uma das propriedades da família, a Villa La Quite, na qual procedeu a inúmeras reformas arquitectónicas, durante os catorze anos em que lá residiu.

Em 1737, Gian Gaston faleceu e seguindo os acordos estabelecidos entre as grandes potências europeias à altura, o título passou para o duque de Lorena, membro de uma família poderosa italiana. Não obstante, a  Ana Maria Luísa foram entregues os bens de família acumulados durante três séculos: propriedades, obras de arte e jóias.

Última descendente da família Médicis, Ana Maria Luísa distinguiu-se pela sua extrema inteligência e equilíbrio. Devido ao seu amor pelas artes e à sua dinastia, estipulou um pacto com novos governantes da Casa Lorena designado de Pacto de Família, que contemplava a preservação de todo o património artístico da família. Assim, transferiu os seus bens sob a condição de que estes deveriam ser conservados, destinados ao ornamento do Estado e serviriam para utilidade pública e curiosidade dos forasteiros.

Ana Maria Luísa passou os seus últimos anos a residir numa ala do Palazzo Pitti sem atuar no governo e sem contato com a nova família reinante, mas com todas as pompas reservadas a uma Grã-Duquesa. Nos anos subsequentes à morte do irmão, dedicou-se a obras de caridade e à construção do mausoléu da família A Cappella dei Principe, que é hoje uma das principais salas da Capela dos Médicis, onde se encontra uma escultura de bronze da grã-duquesa, autoria do escultor Raffaello Salimbeni.

Em jeito de conclusão, os Médicis foram uma dinastia de figuras destacáveis, mas reitero aqueles que para mim, serão sempre nomes sonantes: Cosimo (1389-1464), fundador da dinastia, humanista com um profundo interesse pela cultura e conhecimento, tendo impulsionado o Renascimento e, um grande homem de negócios, expandindo os horizontes do banco familiar e gestor das finanças papais. Lorenzo (1449-1492), neto de Cosimo, líder político da cidade-estado durante vinte e três anos, guiando Florença num período de estabilidade e crescimento. Valeu-lhe o cognome de Magnífico. Por fim, Anna Maria Luísa (1667-1743), pois, se hoje em dia, Florença é um dos maiores polos turísticos do mundo, conhecido pelo seu imensurável património artístico é graças à última descendente desta linhagem, que com a sua visão extremamente moderna já imaginava a sua tão amada Florença invadida por forasteiros, que hoje chamamos de turistas e viajantes. Anualmente, o dia 18 de Fevereiro (dia da data da sua morte) é comemorado em forma de homenagem, com um cortejo histórico e com entrada gratuita nos museus.

Em relação à gastronomia, se forem a Florença, não se esqueçam de passar no “El Canto Del Ramerino”, um restaurante onde o proprietário, o Gian, um brasileiro residente há 23 anos em Florença, recebe-vos com grande hospitalidade e carinho na comida. Se quiserem umas boas piadinas, passem no “Il Rubaconte”, um espaço igualmente acolhedor, gerido pelo Davide, um simpático jovem que me disse estar desejoso de conhecer Portugal.