Anormalidades de Emigra

    Esta semana optei por fazer um 2 em 1. Por um lado, em modo de celebração pois faz hoje 1 ano que tenho comigo a minha família nesta nova vida de emigra e por outro lado, para festejar a minha anormalidade pura desde que emigrei.

     Já aqui me assumi como uma pessoa com algumas (a)normalidades mas, na crónica do cocó de hoje, assumirei com total frontalidade, verdadeiras Anormalidades das quais me dou conta desde que saí de Portugal.

     Isto de ser emigra pode ser um verdadeiro cocó. A língua é outra, algumas coisas processam-se de forma completamente diferente, e depois existem aquelas coisas que são exatamente iguais mas a malta que é emigra (leia-se eu!) assume que têm de ser diferentes.

     Hoje vou falar do tubarão barcelonês…ou “espanholês”… provavelmente é uma espécie nacional. Espanha está cheia de tubarões fora de água. Eles andam aí a bater de porta em porta e às vezes atacam pelo telefone.

     Devo dizer que, em Portugal, era muito despachada e ninguém me enganava. Quando algum comercial tocava à campainha, geralmente nem abria a porta… levava logo com um belíssimo “não estou interessada, obrigado” (porém, gabo-lhes a paciência pois durante um mês tive uma certa operadora de internet que lá ia tocar todos os dias…). Confesso que houve algumas vezes em que até lhes dei trela só para lhes poder dar baile e no fim dizer, “está a ver, eu disse-lhe que não conseguia propor-me uma oferta mais económica”. Já telefonicamente, em Portugal também há uma espécie de tubarão melga que ataca furiosamente mas esses levavam com um “estou a trabalhar” ou um “estou desempregada” (mentira) ou então dizia à cara podre que já tinha todos os serviços e mais alguns.

     Porém, chegando a Espanha, parece que o Tico e o Teco foram severamente afetados pelo grau de humidade, fuso horário… sei lá o que afetou esses dois preguiçosos… a sério… estou “GRRR” de irritada comigo mesma.

     Os serviços contratam-se diretamente nas lojas, telefonicamente ou online. Se puder ser online, melhor ainda, é como eu gosto. Aqui, tenho ido diretamente à loja, quando fazê-lo online não é possível, dado que por telefone, metade das coisas não consigo explicar bem. Não é que não os entenda, porque desenrasco-me a percebê-los (desde que não falem catalão….aí está o caldo entornado), eu é que não me consigo expressar como quero… Sai-me um “portunhol” ferranho que até eu fico confusa. E agora está melhor. Quando cheguei aqui, não sei por que carga de água, comecei a disparar frases e palavras em italiano! Eu nem sei falar esta língua… onde raio fui buscar o italiano?

     Bom, mas não me quero perder. Voltando ao assunto. Estou em Barcelona há quase 2 anos e já contratei, sem querer efetivamente contratar, um seguro de acidentes pessoais, um serviço de sociedade para o Euromilhões e… mudei de operadora de eletricidade… por duas vezes! Como é possível cair no mesmo erro 2 vezes?… Estes gajos são uns verdadeiros tubarões… nunca vi nada assim. É que nem dão hipótese de “ah e tal, não quero, obrigado”… Felizmente para mim, existe aquela cláusula que me permite renunciar nos 15 dias seguintes, o que me faz depois andar feita louca a cancelar e a desistir do que contratei…sou uma tonhó pá. O que eles se devem rir à minha conta.

     O seguro de acidentes pessoais nem era mau, mas mesmo eu dizendo “só aceito depois de ler os papéis com calma” e tal, nem me deu hipótese… é aceita e depois se quiser cancela… e eu tenrinha… aceitei. Por acaso até teria ficado com esse seguro, caso considerasse a minha cara-metade. O valor era reduzido, mas, como não vivemos assumidamente em união de facto (no papel, portanto), acabei por cancelar. Menos mal, lá consegui cancelar sem problemas de maior.

     Depois foi a primeira aventura do contrato da Luz… só não me enganaram também no gás porque a casa tinha gás de botija senão… também tinha marchado. Tocam à porta, era uma senhora muito simpática com o “ah e tal blá blá… porque não aplicamos o desconto, preciso só me que mostre a fatura e assine aqui e coiso e tal”… quando percebi já era tarde de mais… lá vejo o nome de outro fornecedor no topo da página e pensei “bolas, já foste… és mesmo totó”. Escusado será dizer que a senhora foi embora, peguei no portátil, e enviei e-mail para o dito fornecedor a cancelar a contratação com a referência xpto… tranquilo. Também ficou logo sem efeito.

     Noutra ocasião, foi um contacto telefónico que recebi. Eu que nunca jogo no Euromilhões, ligou-me uma senhora também com uma grande conversa de sociedade que só pagava x e se não ganhasse nada nesse mês restituíam o dinheiro e se ganhasse o prémio era transferido para conta blá blá… tentei… juro que tentei dizer “não” e que tinha de ler primeiro tudo muito bem porque não jogava nessas coisas, mas não… mais um barrete. Claro está que, depois cancelei o serviço. Ainda me andaram a ligar incessantemente de volta mas nunca mais lhes atendi o telefone.

     A última… Estava eu pacatamente a fazer a minha siesta no sofá, quando tocam à porta. Era um moço jovem com a conversa do “ah, somos da operadora X (com quem eu por acaso tenho o contrato da luz) e como em 2014 não aplicámos os descontos estamos agora a contactar os clientes para ajustar as faturas” e mais blá blá “e só precisamos do código do contador da luz e do gás”. E eu, ingénua, “ah, mas o gás não tenho convosco, é com outro fornecedor”, e ele “ah sim, mas isso não importa, somos todos a mesma entidade geral” e mais um tanto de blá blá… O moço até tinha um Tablet com a aplicação do fornecedor e tudo.

     Os cães trancados na sala, e nós na entrada. Depois, de repente, chega o colega dele que era uma bisarma de quase 2 metros, forte… aí comecei a ficar com medo… só pensava para comigo, estou aqui sozinha, se estes marmanjos me fazem algo, não tenho hipótese (isto é o que dá ver todos os dias antes de dormir, documentários de crimes do vizinho do lado ou coisas macabras… a minha imaginação voa).

     Bom, pediram para entrar no hall para conseguirem escrever as coisas no Tablet. Depois pediram se podíamos passar para a sala porque era mais simples explicarem tudo. Aí já disse que não porque os cães ficavam nervosos e tal. Eu bem estranhei o facto da vizinha de cima não lhes abrir a porta…Bom, lá se processou tudo no hall… Conclusão, dei faturas da luz, do gás, assinei, depois contataram-me logo na hora através do telefone para validar os dados todos, incluía contratos de manutenção e afins… Caro leitor… estava de tal forma irritada com a minha lerdice que, mal fechei a porta vim logo escrever estas palavras que está agora a ler… mais uma vez, a emigra Sofia cai no engano e do nada faz um contrato para mudar de fornecedor de luz e gás e contratar algo que nem sabe o que é… conclusão, amanhã lá irei à loja fazer uso dos 15 dias de cancelamento…

     Quando a minha cara-metade chegou fui logo contar-lhe “opa, não é que caí outra vez na boca destes tubarões?”. Ele só me disse “então, mas em Portugal eras do pior que havia, nem davas hipóteses!”… “Exato!!!!!!!!” digo eu… pois… o que se passa? Bom, está provadíssimo que aqui é como em Portugal, portanto criei dois mandamentos (o segundo é pura redundância caso o primeiro falhe).

     Mandamento do emigra: Não abrirás a porta a estranhos, exceto ao senhor dos correios que já te conhece e que é muito simpático.

     Mandamento redundante do emigra: Se estiveres distraída e abrires a porta, diz que os contratos não estão em teu nome, tu não és a Sofia!