Anos de Superação: Viver com Hemiparesia Direita

Ao 25º dia do mês de Julho, do ano de 1995, no Hospital do Espírito Santo de Évora, o vai-vem de médicos, enfermeiros, auxiliares era de trabalho a um ritmo algo fora do normal num dia comum de urgência hospitalar. Algo inédito estava para acontecer naquele Hospital. Nunca antes tinham nascido gémeos de tão poucas semanas e tão baixo peso no Hospital de Évora. Decisões estavam a ser tomadas e que estariam no fio da vida e da morte. A Unidade de Neonatologia não dispunha dos meios necessários (ventiladores e outros) para receber e salvar os dois seres que estavam prestes a nascer com apenas 25 semanas de gestação.

A decisão estava a ser tomada, enviar a grávida para Lisboa, o que significaria que durante o percurso de 2h ocorreria o parto e os nados não teriam hipóteses de sobrevivência. Valeu nesse momento um sinal negativo com o dedo indicador, nas costas do médico responsável no serviço, para a grávida, feito pela Pediatra, à qual até hoje damos graças de tão importante gesto. A grávida, percebendo a gravidade da situação negou-se (obedecendo ao sinal) a ser transportada para Lisboa, assumindo a responsabilidade do que daí adviesse. Os bebés iriam nascer naquele Hospital de Évora e seriam imediatamente transportados, em ambulâncias com ventiladores que, entretanto, chegaram do Hospital S. Francisco Xavier de Lisboa.

 

E é aqui que começa a minha verdadeira aventura e uma luta diária pela vida.

Transportada do Hospital de Évora, pelo INEM, com 1h de vida, para a Unidade de Neonatologia do Hospital S. Francisco Xavier, onde estive internada 59 dias, com ventilação mecânica durante 12 dias. Entre exames, tratamentos (dopamina 8 dias, plasma, e outros suplementos), numa primeira análise, acidose metabólica, atelectasia, anemia multifactorial, displasia bronco-pulmonar…dilatação do ventrículo esquerdo e ventrículo direito dilatado ao nível do anterior.

Estavam passados 59 dias após o nascimento e os meus pais pedem a nossa transferência para o Hospital de Évora. O internamento em Unidade de Neonatologia seguiria, assim, neste Hospital mais próximo da área de residência. Verdadeira aventura e luta também para os meus pais, que todos os dias se deslocavam para ficarem próximos e nos acompanharem na nossa evolução e progressos. Em Évora, iniciam-se as ECO TF e demais exames que se exigem quando existe uma dilatação bilateral com evidências de Hidrocefalia. Em dezembro desse ano, passados 5 meses do nascimento, é contactada a Neurologista Pediátrica do Hospital Garcia de Orta em Almada (que me segue até ao presente). No dia 1 de março de 1996 (5 meses de idade corrigida), sou internada no HGO para a primeira colocação de derivação ventriculoperitoneal, tipo Codman Medos de média-alta pressão.

Desnecessário será dizer que, depois do internamento e alta hospitalar no HGO em Almada, as “visitas” e “passeios”, desde o Alentejo, a este hospital eram praticamente quinzenais! Já com suspeitas quanto à motricidade, Hemiparésia Direita, onde a parte afetada do cérebro é o lado esquerdo, sou enviada para fisioterapia para tentar minimizar os danos que se previam advir.

Em abril desse ano (1996) sou de novo internada, durante 36 dias por infecção do SNC (Sistema Nervoso Central). Esta infeção do SNC foi a causa de uma Meningite, uma infecção extremamente séria e, mais uma vez, a minha vida estava nas mãos da Ciência. A estadia no HGO durante os tratamentos e isolamento ficaram guardadas na minha Memória Inconsciente, acompanhada, 24 sobre 24 horas, pela minha mãe e com as visitas diárias do meu pai.

Será moroso, para os caríssimos leitores, uma descrição pormenorizada sobre o que foi o meu desenvolvimento nos meses e nos anos seguintes. Entre consultas de desenvolvimento, vigilância constante por parte de quem me era próximo (pais, avó, educadoras) acompanhamento pediátrico, fisioterapia e um sem fim de novas experiências para todos, o caminhar era agora o novo desafio! O meu irmão gémeo foi muito desembaraçado nesta aventura, pois com 10 meses dava os primeiros passos. Já eu….bem, a minha limitação motora nos membros inferiores não me permitiam tal façanha! No entanto, a primeira palavra que pronunciei foi com 9 meses e não julguem que foi “papá” ou “mamã”. Foi “Té”! Sérgio, melhor dito, o nome daquele gémeo que esteve sempre e continua a estar ao meu lado nos bons e maus momentos da vida. A fisioterapia de pouco me serviu para dar os primeiros passos, foi com uma enorme força de vontade e motivação que aos 23 meses passei, sem qualquer apoio, de uma cadeira para outra que serviam de apoio na cozinha. Foi um feito muito celebrado!

Tudo continuou até então e, a entrada no 1º ciclo dá-se com seis anos, idade em que começo a ser seguida no Centro de Reabilitação de Alcoitão e onde ainda continuo a ir com menos frequência. Começo a usar uma tala moldada no membro inferior direito, para me facilitar a deslocação e, com nove anos de idade, nova intervenção cirúrgica, no Hospital Ortopédico Sant’Ana em Parede: estiramento do tendão de Aquiles. O tendão de Aquiles é o mais forte do corpo humano, conseguindo suportar até 12,5 vezes o peso corporal. Localiza-se na região traseira do tornozelo e liga os músculos gémeos da perna ao osso do calcanhar. De todas as memórias que guardo, talvez seja esta a fase que recordo mais dor física e psicológica. Estava no 4º ano de escolaridade e, de repente, fico durante 4 meses numa cadeira de rodas. Não foi fácil, garanto! A fisioterapia que se seguiu foi dolorosa e tardava em poder manter-me em pé, quanto mais dar uns passos!

É nesta fase que início, nos membros superior e inferior direitos, em Alcoitão, as injecções de toxina Botulinica, que mantenho até hoje. O uso da toxina Botulinica, conhecida como botox, é actualmente a principal indicação para tratamento das distonias, contracturas dolorosas e mantidas em determinados músculos, assim como da espasticidade, ocorridos após acidentes vasculares cerebrais, traumatismos raquimedulares e casos de paralisia cerebral.

A partir desta idade, dentro do que era a minha “normalidade” e a minha diferença, os anos decorreram sem sobressaltos. A fase da cadeira de rodas tinha ficado para trás e continuavam as consultas em Alcoitão e Garcia de Orta. Aos 15 anos de idade nova intervenção cirúrgica, desta vez no Hospital da Luz em Lisboa, pela Neurocirurgiã que me seguia e segue desde bebé. Após a colocação do Shunt Derivação Ventrículo-Peritoneal (DVP), era necessário nesta idade e, tendo em conta o meu crescimento normal, acrescentar o Cateter Peritoneal, que tinha e tem a função fazer a drenagem do excesso de líquido cefalorraquidiano para a cavidade abdominal. Foi a última intervenção cirúrgica a que fui sujeita. Actualmente continuo a fazer TAC encéfalo craniano cada dois anos, continuo a ir “visitar” a mesma Neurocirurgiã.

Continuo a ser portadora do Shunt de Derivação, embora não existam mais vestígios de Hidrocefalia, este funciona como medida preventiva. Continuo a fazer as toxinas Botulinicas. Continuo a usar a minha tala moldada. Continuo sem ter preensão fina. Continuo com a preensão global comprometida. Sou destra por natureza, continuo com receio de descer escadas e cair, continuo com limitações em atividades que requeiram a utilização das duas mãos, embora a mão direita seja usada como auxiliar nalgumas tarefas. Continuo diferente e continuarei. Possuo um Atestado Médico de Incapacidade Permanente Multiuso, com um coeficiente de 60%. Continuo diferente, com 22 anos, com o apoio de verdadeiros amigos que me rodeiam, com o apoio do meu irmão gémeo e, hoje, sou consciente que o ambiente escolar/académico e familiar funciona e sempre funcionou como fatores facilitadores do meu desenvolvimento.

Quanto ao meu percurso escolar sempre foi muito estável desde o início. Sempre fui boa aluna. Sempre participei em concursos de leitura. Sempre participei em concursos literários, uns a nível escolar, outros a nível nacional. Fui reconhecida como aluna de mérito no Ensino Secundário e segui para o Ensino Superior. Aqui comecei por seguir Direito na Universidade Nova de Lisboa, o qual decidi colocar em “stand by” em 2015, e hoje sou aluna finalista de Serviço Social pelo ISCTE IUL.

Entre tantas coisas que posso fazer, ao ser suficientemente autónoma, escrever é apenas mais uma paixão.

Obrigada a todos!