Anti-Vax: Foi um Mal que o Levou

Sarampo.

Vírus do Papiloma Humano.

Rubéola.

Coisas complicadas, abjectas, que incomodam. Palavrões. Na verdade, palavrões que matam.

Desde a descoberta da Penicilina por Louis Pasteur no século XIX, a ideia de ser injectado com algo para prevenir ou curar uma doença foi sempre algo que incomodava as pessoas, independentemente do género, classe social, latitudes e longitudes. A simples ideia de ter algo a perfurar o corpo só por si já criava repulsa. Até que alguém decretasse, instruísse, desse a conhecer os benefícios da administração de uma vacina, muito poucas eram as pessoas que voluntariamente se vacinassem. Outros tempos, outras mentalidades… será?

Nesses tempos, onde a população era maioritariamente analfabeta, iletrada, inculta, ignorante, a ideia de uma criança morrer de Papeira, Sarampo, Varicela, Varíola, Rubéola, era simplesmente, simples. “Morreu de um mal qualquer. Foram as febres. Foi um ar que lhe deu. Foi um mal que o levou. Foram as pestes. Foi o Demo. Deus nosso senhor guarde o coitadinho do pequeno”. Existiam estes e outros males, como a Febre-amarela, o Tifo (febre tifóide), Pólio (poliomielite), Cólera ou Escarlatina, que estavam no topo das pandemias do mundo moderno.

Nestes tempos, os médicos eram poucos, caros, e estavam longe, quer geograficamente entre si, quer entre os estratos sociais, bem como os boticários. Assim, as pessoas recorriam à chamada medicina tradicional, na grande generalidade, aos anciãos, aos curandeiros, ou se o desespero fosse muito, a toda a sorte de vigários com os seus elixires milagrosos (por sua conta e risco, ganhando mais facilmente uma nova enfermidade do que uma cura para a anterior). A medicina era caseira, e a administração da cura era religiosa.

Para aqueles que tinham um melhor racionalismo e bom senso, mas continuavam a temer a Deus, o combo resultava, eventualmente. Juntava-se a ciência do homem com a intervenção divina. Agradava a todos, especialmente se o enfermo sobrevivesse, caso contrário, era a ciência desacreditada, e a ausência de Deus explicada pela presença do Demo. Para os que viam na medicina e na ciência a cura, e a podiam pagar, esta chegava mais rápida e facilmente, pois também a administravam mais cedo, porque também tinham acesso a recursos. Para os demais, apenas a fé nos bons deuses, e na sabedoria dos velhos.

É de constatar que foi graças a grandes avanços científicos e médicos, campanhas sanitárias e de higienização por todo o hemisfério norte que, nos finais do século XIX, estas doenças começaram a ser controladas, se não mesmo erradicadas do mundo moderno durante o século XX.

Mas poderemos mesmo dizer “Erradicadas”? Rapidamente chego à conclusão que não. Tudo graças a um movimento “cívico” (e intencionalmente coloco aspas no cívico, devido aos diferentes pontos de vista existentes) Anti-Vax, que entre 2010 e 2015 ganhou forma devido a um estudo que alegava que determinadas vacinas eram a causa principal ou o principal potenciador do autismo em crianças.

A este movimento, juntam-se também casos de “Vegan’s” que, devido às vacinas terem como partes constituintes proteínas animais, recusam essa vacinação e como tal, não a administram aos seus filhos, pois querem cria-los e educa-los à “maneira Vegan, de forma saudável e equilibrada”. É exemplo disto a tatuadora, modelo, musica e celebridade Katherine von Drachenberg, publicamente conhecida como Kat Von D, que após ter adoptado uma cultura de alimentação Vegan, decidiu leva-la ao extremo, ao afirmar não querer vacinar o seu filho, e veio publicamente advogar as suas convicções e defender o seu ponto de vista.

Existe ainda um outro “grupo de estudo” sem nome ou denominação, mas a que vulgarmente poderíamos chamar de adeptos da teoria da conspiração, que advogam que as vacinas são um meio que os diferentes governos e agencias de segurança nacional e afins, têm para introduzir micro-ships e nanotecnologia militar nos nossos organismos para nos controlarem e espiarem as nossas vidas; enfim, toda uma miríade de teorias e possíveis especulações que, acredito, não passam disso mesmo.

Feliz ou infelizmente, em Portugal não se tem verificado nem grande afinidade a este movimento, ou a certas ideologias, nem grandes casos associados, muito graças à ignorância, credulidade e, de certa forma, avareza portuguesa. Há sempre, e haverá sempre, que lamentar a morte de uma jovem portuguesa de 17 anos, e de muitas outras vítimas da não imunização. Por muito assertivo que seja o sistema de imunização, existiram sempre casos em que tal não é possível, como por exemplo, casos de risco, alérgicos, prematuros, etc.

Estas capacidades, valiosas, dos portugueses, têm sido a razão pela qual não há praticamente fatalidades e casos de doenças que estavam até há pouco tempo “erradicadas”, ou melhor, controladas, pois o agente activo da doença não é eliminado.

O facto de, por um lado, o português comum não ter tempo, mais especialmente interesse, em ter conhecimento sobre o assunto, faz com que a sua credulidade nos médicos e farmacêuticos, e em suma, no Sistema Nacional de Saúde, o torne imune a estas doenças, e consequentemente, faça parte e potencie a imunidade de grupo.

E onde entra a avareza? Quando a ignorância ou a credulidade não são uma constante, o facto de existir um Plano Nacional de Vacinação, no qual a maioria das vacinas são gratuitas ou comparticipadas pelo Estado, a questão fica esclarecida.

Existe ainda outro factor. Uma simples questão de mentalidade. Por algum motivo, é considerado senso e prática comum indiscutível a vacinação das crianças em Portugal. Ao contrário dos grupos que têm sido supra referidos, existe uma consciencialização de que os benefícios são muito superiores ao desconforto das reacções às diversas vacinas.

Vejamos por partes: uma doença não é erradicável, mas sim controlável. Pode ser eliminada do corpo hospedeiro, mas não do meio ambiente envolvente, pelo menos não na sua totalidade. A partir do momento em que existe a consciência de que um grupo/sociedade imunizada, qualquer agente externo a esse grupo/sociedade que seja portador de doença não entrará em contacto com ninguém a quem a possa transmitir, portanto, não só o grupo se mantem imune, como os indivíduos de risco, pois não se podem imunizar, estão protegidos. A equação é simples: imunizar o grupo para proteger o individuo.

A questão que se prende com a não imunização de crianças pelos pais trata-se, precisamente, porque estes estão imunes. A ideia de que não se conhece ninguém que tenha tido doença X ou Y durante anos aparentemente dá direito a que se conclua que a imunização deixa de ser necessária, e portanto, dispensável. Se por um lado se diz erradamente que uma doença está erradicada, por outro assume-se que não é necessário proteger-se contra o que não existe. Nada podia ser mais errado.

Por outro lado, e suponho ter sido este o motivo original para o movimento, as vacinas provocavam autismo. Uma assunção igualmente errada. O autismo pode manifestar-se devido a vários factores e através de diversas formas, nenhuma delas exclusivamente associada à vacinação. Existe uma grande componente genética na questão. Ou melhor, a sua totalidade. Sendo um distúrbio mental, e ainda que as causas do autismo sejam maioritariamente desconhecidas, pode-se dizer com relativa certeza de que se trata de uma combinação de factores, e não exclusivamente um só. A hereditariedade detém 50% dos casos, sendo os outros 50% associados a factores externos. A poluição do ar, complicações durante a gestação do feto, infecções virais, contaminação por metais pesados e sensibilidade a vacinas são alguns dos factores identificados.

Sim, sensibilidade a vacinas. O bode expiatório da questão. Existia a crença de que um composto organometálico derivado do mercúrio com propriedades anti-sépticas e antifúngicas utilizado como conservante em vacinas, preparações de imunoglobulina, testes cutâneo-alérgicos, soros antiveneno, produtos oftálmicos e nasais, e tintas para tatuagens era a causa.

Devido a controvérsia em torno de seu uso como conservante em vacinas que gerou medo entre sectores da população, o Timerosal deixou de ser usado em vacinas infantis na União Europeia e em alguns outros países. O consenso científico actual é de que estes medos são infundados.

Então, o que é que fica de tudo isto? Podíamos dizer a todos aqueles que se identificam com o movimento Anti-Vax que podiam ser como os portugueses: acreditar no que os médicos dizem ao invés de celebridades ou opinion-makers, administrar as vacinas, e constatar que os benefícios são larga e substancialmente maiores que os riscos que acarretam, consciencializando-se de que a imunidade de grupo é necessária e que, não só se está a fomentar a protecção individual, como se está a potencializar a protecção do próximo, pondo de parte crenças ideológicas e teorias infundadas.