“Armando Bernardo Cutileiro” – Vai uma aposta?

A ideia nasceu dum grupo de amigos que podia ser designado pelo «Dos que apostavam em que, através duma coleta, se conseguiria arranjar o dinheiro necessário à compra dos nossos três bilhetes de camioneta para Lisboa».

A muito que, a nós, a minha mãe se queixava com saudades do nosso pai, e que, às únicas pessoas que iam lá a casa, se lamentava de não poder juntar-se ao marido, visto serem caras as viagens e sem recursos adicionais, mal lhe chegar para subsistir a parca quantia que ele imprecisamente lhe mandava como se fosse algo longe de poder ser dado como certo.

Daí ter surgido a ideia de ajudá-la através dum peditório, mas num formato que não era o habitual, mas que poderia não ter resultado, não valesse o esforço de compreensão subjacente à ideia de que, a longo-prazo, devolveria em suaves prestações a cada um dos subscritores do projeto, uma soma acrescida de juros sobre o montante que lhe era cedido no imediato.

Não querendo encarecer o ónus da dívida, incapaz de ficar quieta, assegurou que procuraria trabalho mal chegasse a Lisboa, mas logo tentaram tranquilizá-la, acentuando que, mais do que com incumbências desse género, deveria preocupar-se em satisfazer o sonho de se juntar ao marido, um homem ausente, mas capaz de suscitar nela ainda um amor que, mais tarde ou mais cedo, a teria feito pôr-se connosco ao caminho nem que fosse a pé.

Inicialmente a proposta soou irrealista, não tendo merecido logo o seu aval, mas levadas as negociações a bom porto, a minha mãe acabou por aceitá-la, convencida de que, pelas condições impostas, um dia quando regressasse ao lugar, em face de ter melhorado de vida, disporia de uma situação financeira que permitiria, em sinal de agradecimento, oferecer a cada um dos beneméritos envolvidos, o que de momento mais falta pudesse estar a fazer.

Foi interessante, ver pela primeira vez alguém aproximar-se de nós por dinheiro, porém, no sentido inverso ao de quando alguém tenta aproveitar-se de algo, isto é, apenas procurando beneficiar em que quiséssemos receber o pouco que tinham para nos dar. Além disso, em função de algum dinheiro que sobrasse, ser-nos-ia permitido comprar umas roupitas de inverno, pois, principalmente, nem o meu irmão nem eu estávamos apetrechados pró caso de viajarmos com tempo frio e nos depararmos com tempo mais agreste, na região de Lisboa e vale do Tejo, do que por aquela altura na do vale de Santarém do qual geograficamente vivíamos mais próximos.

Sem saber se, em breve, o objetivo de arranjar o dinheiro necessário ia ser alcançado, a minha mãe ponderou informar mais tarde os patrões acerca da decisão de partir. A idade era o facto que mais os impedia de vir a ocupar o lugar dela, mais fácil seria tentar contratar quem se submetesse a trabalhar arduamente tantas horas, em troca de pagamento monetário equivalente, nos dias de hoje, ao de metade dum ordenado mínimo descontado de parcela cobrada à taxa máxima de IRS.

Um possível candidato era o Sr. João, de alcunha “O seca-adegas”, um velho astuto que ainda no tempo do meu pai, passava por casa e demorava com ele horas à conversa, apostado em provar que, dependendo do tema, muitos homens são mais tagarelas que todas as mulheres.

Vivia numa casa não muito distante, não mais espaçosa do que a nossa, porque, embora fosse maior, em todas as divisões a atafulhava com um vasto sortido de lixo que arrebanhava como se tivesse alguma espécie de valor. Talvez tivessem gostos em comum e por isso se dessem tão bem, tal e qual duas comadres a quem, nem depois de escalpelizarem a vida alheia, faltavam temas de conversa.

Foi um dos mais entusiastas da ideia do peditório, mesmo depois de firmado um acordo para contribuir durante uma semana, com dez por cento dos lucros obtidos nas partidas de dominó. Como se tivesse força de lei, esta medida aplicava-se também aos jogos de cartas e uma vez que houve até quem cozinhasse e vendesse fatias de bolo, rapidamente se atingiu a meta, que consistia em averbar o montante necessário e correr a comprar os bilhetes antes que o preço subisse. Motivado pela inflação, porque naquele tempo só se especulava quando o excelentíssimo senhor Presidente do Conselho falava ao país e se temia que fosse para anunciar a temida entrada de Portugal na guerra.

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