A arte de ser incomodada – Bárbara Borralho

Antes de começarem a ler este artigo, percam uns segundos a olhar para a minha fotografia. Sim, está estranha e estava a usar um barrete em plena primavera. Mas olhem bem para a minha cara. Tenho ar de quem gosta de ser incomodada? Nem por isso, não é? Pois bem, parece que nem toda a gente tem essa ideia de mim.

Estou cansada. Sinto-me insegura para qualquer lado que vá. Ora aparece uma testemunha de Jeová ao virar de uma esquina, ora atropelo um vendedor da cabo. Estou destinada a estes encontros “casuais” e nunca me consigo safar deles. Não gosto de discussões, zaragatas, confusões… Chamem-lhe o que preferirem.  E depois tenho um grave problema: não sei dizer “não”. Estou a falar a sério! Já mudei de religião três vezes, já tenho contas em mais de três bancos e tenho mais canais do que é humanamente possível visualizar num dia.

Comecemos pelas testemunhas. São quase sempre senhoras de idade. Vêm ter connosco a perguntar algo tão trivial como: “que horas são, menina?”. Eu sou simpática, não uso relógio mas vou buscar apressadamente o telemóvel só para responder à senhora. Depois disso começa a conversa. “A menina já ouviu falar de Jeová?” Tento não revirar os olhos e manter-me simpática. A senhora continua a falar, entrega-me uma espécie de revista e diz-me para lê-la atentamente assim que puder. Eu já peço tudo para conseguir escapar-me àquilo: chuva, aulas ou até um pequeno terramoto. Mas é impossível! E é por ficar a ouvir tudo até ao fim que já fui católica, jeová, budista e hindu.

O meu outro grande problema são os senhores da Meo, Zon e afins. Os políticos, antes de enveredarem definitivamente por essa área, devem estagiar numa empresa de comunicações para aprenderem a lábia. Chegam de colete, prancheta e uma caneta. Tocam à campainha e não desandam até que alguém lhes abra a porta. E eu, que estou de pijama a ver televisão, apresso-me a vestir um fato de treino, a ajeitar o cabelo e a ir abrir a porta porque já não aguento ouvir a campainha. A ladainha é sempre igual independentemente da empresa. Prometem mais de 70 canais, uma internet extremamente rápida e chamadas ilimitadas para sítios onde Judas perdeu as botas e onde não mais voltou para as procurar. Por enquanto é simples livrar-me deles: “a minha mãe é que trata disso, depois falo com ela”. E eles acenam e vão embora. Que vão com Deus, com Jeová ou com qualquer entidade religiosa em quem acreditem.

Este ano tem sido tão pesado que até pensei em increver-me na Casa dos Segredos. Lá não apareciam testemunhas de Jeová nem pessoal das comunicações. Em contrapartida, teria de aturar a Teresa Guilherme, o que seria incomparavelmente mais complicado. Estou condenada a isto, a ser incomodada diariamente com coisas que não me interessam. Como não sei dizer “não”, um dia pedem-me a chave do carro e eu dou-a. Mas voltem lá a olhar para a minha fotografia. Tenho cara de quem gosta de ser incomodada? Se calhar até tenho e não sei.

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Riso sem siso