As fábulas dos famosos – Jorge Jesus e o leão medroso

Conta a lenda que havia em África um leão chamado Simba, conhecido por ser muito medroso. Tinha uma imensa juba e orelhas compridas com que conseguia cometer a proeza de ouvir o crepitar das chamas num incêndio a grande distância ou, no silêncio da noite, o estalido de um ramo quebrado, causado pela aproximação de um caçador incauto.

Os outros animais, dos mais pequenos aos de maior porte entreolhavam-se e, na falta de outro líder, olhavam-no com respeito e, talvez pelo seu tamanho e ar imponente, tratavam-no com uma deferência tal que, noutro leão menos humilde podia ter o efeito perverso de sentir em relação a eles um sentimento de posse.

Pelo seu caráter bonacheirão, era afável com todos e nem em sonhos se revia na pele de um monarca, muito menos, na vida real, na de rei da selva, como alguns dos seus conterrâneos gostavam de nomeá-lo, dando-lhe funções para as quais não se achava minimamente vocacionado.

Certo dia, um macaco seu vizinho gritou a notícia de que fora visto nas redondezas, um caçador armado com uma dupla espingarda, que era no seu jeito prático de falar, a maneira de dizer que tinha dois canos.

Um bando de macacos foi o primeiro grupo a avistá-lo, vinha já a poucas dezenas das árvores donde se tinham posto de tocaia, como estivessem eles prestes a capturá-lo. Eram árvores altas e frondosas de onde poderiam facilmente atingi-lo com uma saraivada de cocos em cheio na cabeça, para lembrá-lo da ineficácia do chapéu de lona que trazia, o qual só devia servir para protege-lo do sol.

Caminhava lentamente de rosto extenuado devido ao calor, analisando cuidadosamente onde punha os pés, como se, a cada passo, temesse cair num buraco fundo através do qual, a contragosto, regressaria rapidamente a casa.

Pouco depois, viu-o também Simba. Refugiara-se atrás de um par de arbustos altos e vislumbrou-lhe um penacho de cabelo grisalho, quando este descobriu a cabeça para, com um lenço que aparentava estar encardido, limpar da testa o suor que escolhia pelas têmporas como se fosse água de um banho de imersão que tivesse acabado de tomar.

Àquela hora do meio da tarde, estava uma temperatura suficientemente elevada para justificar ter besuntado as partes visíveis do corpo com uma loção que enxotasse as pragas de insetos que o envolviam, como uma nuvem a que era impossível ficar indiferente, sem soltar um sorriso pelo balanço ininterrupto dos braços, que se agitavam como se ele fosse uma marioneta comandada do alto por um daqueles animais selvagens.

O intrépido caçador estava prestes a começar a afastar-se daquele local, quando inesperadamente o pólen de flores arrastado pelo vento, atingiu as narinas de Simba, originando uma convulsão de espirros, revelando, simultaneamente a par de uma saúde precária, o lugar onde ele estava escondido.

Em pânico, devido a ter uma arma apontada à cabeça como se o acusassem de um crime, o pobre animal perguntou ao caçador quem ele era, ao que este respondeu que era português e se chamava Jorge Jesus. Disse-lhe depois que ele se preparasse porque ia levá-lo preso para ser vendido a um circo onde seria uma grande atração no meio de outras feras. E Simba só pôde dizer que era uma perda de tempo, porque quando soubessem, ninguém iria gastar dinheiro num bilhete para ir ver um leão medroso a atuar.

Julgando estar a ser vítima de um embuste, ou seja, que o leão de ar moribundo estivesse pura e simplesmente a enganá-lo para não ser apanhado, Jorge Jesus resolveu testar a bravura do animal. Para esse efeito, em primeiro lugar pôs-se-lhe a fazer umas caretas cómicas, mas estas unicamente serviram para fazê-lo sorrir. Depois, prosseguiu experimentando uma técnica diferente, tentando arrancar à força pelos à cauda do leão, e forma a que soltasse um rugido audível a grande distância que dissipasse todos os equívocos acerca de que fibra era feito.

Todavia, como viu que o animal era incapaz de reagir da forma que esperava, revelando-se cada vez mais amedrontado, Jesus pôs-se então a pensar e uma brilhante conclusão. Por a mais b, deduziu que o peso da arma que transportava era afinal mais sentido pelo leão do que por si, pois se só de imaginar o projétil a sair do cano disparado em direção em si, já as patas de Simba lhe tremiam que nem varas verdes, não custava então imaginar o estado de nervos em que ficaria se por distração o gatilho fosse premido acidentalmente e um tiro soasse nem que fosse disparado para o ar. Com a certeza de que devia ser espingarda apontada que mantinha o animal acabrunhado, impedindo-o de se sentir à vontade para se mostrar violento, sem receio de ser morto pelo caçador em legítima defesa, Jorge Jesus pousou a arma.

Colocou-a pausadamente aos seus pés, para ganhar a confiança do animal que olhava para ele espantado. E depois aconteceu o inevitável. Ainda não era decorrido meio minuto e já Simba, que recuara dando um salto brusco apoiado nas patas traseiras, começara a correr desalmadamente a correr no sentido contrário àquele em que o caçador se encontrava.

Sem ver se era seguido, o animal embrenhou-se no mato a uma altura superior a dois metros e desapareceu para sempre, relegando para segundo plano as advertências, feitas em tom de ameaça pelo caçador, no sentido de que interrompesse a fuga.

Desde esse dia, Simba, que aprendeu a lição de não ser excessivamente curioso, não tornou a interessar-se por espreitar qualquer ser-humano que aparecesse, nem que fosse para avisar dar aos animais a boa nova de que, por terem transformado aquela área em reserva natural doravante podiam todos parar de ter medo e dormir descansados.

FIM

Moral da história:

Não finjas ser quem não és. Sê tu mesmo. Acabas a ganhar, se fores genuinamente natural.