Atributos e predicados – Aleixo, o princípio do fim.

   Foi como um verdadeiro castelo de cartas que ruiu, na passada sexta-feira, a Torre 5 do famoso Bairro do Aleixo. Ruiu, como quem diz! 150Kg de explosivos fizeram-na ruir.

  O tão esperado princípio do fim do Bairro do Aleixo, envolto em pompa e circunstância, teve direito a plateia ilustre! O Sr. Rui Rio, não assistiu de camarote, mas sim de barco, ao desmoronar da torre. Viu cumprir-se assim, a sua promessa eleitoral de reabilitar a habitação social no Porto e desestruturar aquele que é um dos pontos fulcrais de tráfico de droga da cidade. Curioso é, que esta sua preocupação jamais foi alargada ao igualmente famoso Bairro do Cerco. Mas mais curioso ainda, é o facto de que, a zona que começa agora a ser demolida e que apresenta uma vista privilegiadíssima sobre o Douro, dará lugar a um condomínio de luxo avaliado em 30 milhões de euros. Felizmente, ninguém ousa sequer pensar que o Sr. Rui Rio poderá lucrar o que quer que seja com este empreendimento. Felizmente.

   Contas redondas, residem no Bairro do Aleixo 1300 pessoas. Estima-se que 70% destas sobrevivam graças ao Rendimento Mínimo. Obviamente, estes números são simbólicos e quase chegam a traduzir a lógica de vida que ali acontece. Poderia facilmente idealizá-la aqui, neste mesmo parágrafo, se não tivesse já convivido tão de perto com aquela rotina.

  Durante aproximadamente seis meses, trabalhei numa empresa com vista digamos que privilegiada para as torres do Aleixo, mais concretamente para a Torre 1, onde o grande e mortal negócio acontece com mais força. E seis meses poderiam não parecer nada, se o Aleixo não funcionasse como uma espécie de frenesim automático que não abranda. Afirmo sem reservas que vi um pouco de tudo o que lá se vê. Recordo as rusgas levemente encenadas, as brigas feias entre grupos de mulheres, os berros de desespero e de aviso. Recordo as idas breves á janela, em que assistia ao desfile trágico de toxicodependentes, imaginando que enredo estaria por trás de cada rosto, de cada passa.

   Há no entanto, dezenas de histórias que não cabem aqui, com dezenas de pessoas que provavelmente não cabem na história do Bairro do Aleixo. Gente que trabalha, que luta por si, pela família e pela opção de não se envolver no tal frenesim de que falava acima.

   Acho importante referir aqui que jamais fui interpelada por alguém. Obviamente, quem trafica conhece todos os rostos, até os daqueles que se abstêm. E nós conhecemo-los a eles, como a polícia conheceria se assim quisesse. Mas tudo se mantém um pouco na sua zona de conforto, e é desta forma que conseguem conviver.

 Prevê-se que em 2013, altura em que termina o mandato do Sr. Rui Rio, a demolição do Aleixo esteja já concluída. Certamente, haverá sempre um barquinho, modesto com certeza, para o senhor ver as restantes quatro torres desmoronar!

 Há quem diga que em 1912, quando o célebre Titanic literalmente se partiu em dois, o comandante do navio pediu á banda residente que tocasse até este submergir. Quem sabe o Sr. Rui Rio não se lembra desta ideia e a próxima torre desmorona ao som do violino!

Crónica de Ana Rita Ventura
Atributos e Predicados