Avenida Q – Humor, sem Tabus

Está em cena no Teatro da Trindade até 2 de Abril, em Lisboa, um musical que tem de ir ver. Como assim tem de ir? É isso mesmo que leu: TEM DE IR! Sabe porquê? Porque não só estará a ajudar o teatro, e os intervenientes, como também porque é fantástico e vai fazê-lo gargalhar inesperadamente e esquecer, durante cerca de duas horas, os problemas que o atormentam diariamente.

Esta é a “Rua Sésamo para adultos”, é assim que se definem, e nós concordamos. Passamos a explicar. Este musical é uma adaptação de um espetáculo da Broadway, “Avenue Q”, em que a atração principal são bonecos articulados por humanos, como víamos nos Marretas. Só por isto acredito que muito boa gente tenha ficado curiosa. Confesso, isso foi uma das coisas que nos fez criar expectativas altas em relação ao espetáculo dado que somos fãs dos Marretas.

Em larga escala as expectativas que tínhamos foram ultrapassadas e o Teatro da Trindade revelou-se pequeno para todos quantos querem visitar a Avenida Q. No dia em que fomos assistir a sala esgotou. Foi a primeira vez que lá entrámos e…ficámos maravilhados! Aliás, ainda o espetáculo não tinha começado e já os nossos olhos brilhavam! Porquê? Porque o Teatro da Trindade é uma sala lindíssima, daquelas que parece ter a capacidade mágica de aumentar e encolher consoante o nosso ponto de vista.

Esta é a visão exterior do Teatro da Trindade

À entrada parece minúscula e faz-nos pensar em quantas dezenas de pessoas caberão lá dentro. Já sentados na cadeira, e perante os minutos de espera pelo início do musical, somos levados a pousar o nosso olhar nos detalhes que compõem a sala e aí…bolas, e aí sentimo-nos transportados para uma outra era. É irresistível puxar da máquina fotográfica e registar tamanha beleza! À medida que as gargalhadas se acumulam e irrompem pela sala é inevitável olharmos em nosso redor. E aí vamos pensar no quão grande, e sagrado, é aquele espaço cultural lisboeta. Parabéns à equipa e administração responsável pela conservação do Teatro da Trindade, é de espaços assim que precisa a nossa capital!

Mas vamos ao que realmente importa que por esta altura já está em pulgas para saber…

Não vamos contar tudo, porque queremos mesmo que vá até lá e que saia tão surpreendido quanto nós saímos. Mas para evitar surpresas desagradáveis é bom notar que este não é um espetáculo comum, aqui os moralismos, o pudor e a sisudez ficam à porta. Se arriscar entrar é bom que leve consigo uma boa dose de bom humor e que esteja preparado para a vertigem cómica que está prestes a atingi-lo!

Comecemos pelas vozes. Certamente escolhidas a dedo, encaixam perfeitamente em cada personagem e deixam-nos orgulhosos do talento que há em Portugal. O elenco entrega-se de corpo e alma à Avenida Q, algo que é percetível em cada movimento, em cada momento musical, do início ao fim. A simbiose é tanta que passados poucos minutos apostamos que quase que nem repara nos atores de tão colados que estão os seus olhos nos bonecos!

Temos na Avenida Q o retrato da atualidade e uma mensagem de compaixão e ao mesmo tempo de esperança. Racismo, pornografia, a frustração dos recém-licenciados que não encontram emprego na área de estudo, sonhos que ficam por cumprir e a homossexualidade, são temas basilares. Sabe quem mais está representado? O “pequeno” Saúl. Soltou uma gargalhada não foi? Nós compreendemos.

Os momentos musicais são deliciosos, teletransportam-nos para todo aquele universo e acredite, mereciam uma crónica por si só! As adaptações são fiéis q.b à versão original e todos os atores estão mais do que à altura do enorme desafio que é fazer parte de um musical.

Este é o cenário que vai encontrara se visitar a Avenida Q

Depois de sair da sala fomos imediatamente escutar as músicas originais e, confessamos, gostámos bem mais das letras portuguesas de Avenida Q. A diversidade do vocabulário, as constantes piadas sem nunca cair na graçola fácil e a constante surpresa para o espetador tornam cada música numa autêntica aventura! Avisamos desde já que, ainda que involuntariamente, vai abandonar o Teatro da Trindade com algumas destas melodias e letras cravadas na sua mente (o que deve ser encarado como o maior triunfo de um musical, convenhamos…).

Nota também…para os cenários. O cenário base está presente durante todo o espetáculo e é notável como a equipa técnica consegue usá-lo tanto, e tão bem, jogando com os diversos espaços, luzes e sombras. As pequenas mudanças e surpresas que vão surgindo podem até ser subtis mas denunciam o bom gosto e o talento presentes nesta produção.

Momentos dos quais não estamos à espera? Felizmente são mais que muitos. É, aliás, precisamente na quantidade de surpresas que reside um dos segredos deste musical. Nunca esperámos ver os atores, e respetivos bonecos, sair do palco e passar mesmo ao nosso lado, assim como nunca contámos ver a representação de sexo louco entre dois bonecos, ou até mesmo vê-los “nus”. Mas há mais… Caixas inofensivas de repente ganham vida nas mãos dos atores e o efeito visual, e coreográfico, é magnífico e deixa-nos a todos de boca aberta.

Este é o elenco que concretiza uma das peças que marcará o teatro português em 2017

Ficou curioso? Esperamos bem que sim, que esta não é uma oportunidade que deva ser desperdiçada! Aliás, Avenida Q é o espetáculo que vem responder às preces de muito boa gente em Portugal: tem atualidade, humor, bom gosto, um argumento brilhantemente urdido e onde se reconhece muito do Portugal de hoje; músicas e letras que se balanceiam sempre entre o hilariante e o impróprio, nunca esquecendo o bom e velho vernáculo, pois claro.

Não perca a oportunidade de rir a bom rir com Ana Cloe, Diogo Valsassina, Gabriela Barros, Inês Aires Pereira, Manuel Moreira, Rodrigo Saraiva, Rui Maria Pêgo, Samuel Alves, Artur Guimarães, Luís Neiva e André Galvão. E se tudo isto não chegou para o convencer temos um último argumento: pode até interagir com os bonecos da Avenida Q! Estão disponíveis alguns bilhetes VIP que permitem um Meet & Greet com os atores e bonecos que podem muito bem vir a ser seus!

Uma coisa é certa… nós repetíamos de bom grado!