Uma Aventura…na Primark!

Todo o ser humano tem a sua quota-parte de ingenuidade e eu, como é óbvio, não sou excepção. E embora tenha perdido umas quantas doses com o passar dos anos (nomeadamente na adolescência, que é para mim onde elas devem de ser perdidas), guardo sempre alguma em stock, para polvilhar alguns pensamentos, actos e palavras do quotidiano. E sinto que gastei umas quantas toneladas desse stock de reserva quando, no passado dia 26 de Dezembro, pensei que eu e a minha namorada conseguiríamos ir à Primark e sair de lá com vida, e com toda a nossa dignidade. Bom, lá vivo estou, mas a dignidade deve ter ficado para os lados da Secção de Pijama de Senhora. O primeiro “Desnecessariamente Complicado” de 2016 é um relato (quase 100% real) daquilo que era suposto ser uma simples ida às compras no fim-de-semana após o Natal.

Antes de mais algumas notas prévias. Primeiro: um bom ano estimados leitores! Desejo, de forma sincera (dado que fazer figas enquanto escrevo é algo que ainda não está ao meu alcance) que este seja um ano repleto de saúde, sorte, sucesso pessoal e profissional e muitas visitas, comentários e partilhas do nosso Mais Opinião. Espero também que tenham comemorado efusivamente a Passagem de Ano! Porquê? Porque se não o fizeram certamente que já se arrependeram. E não há pior forma de começar um novo ano do que com arrependimentos, não é verdade? Segundo: o episódio que vos trago esta semana aconteceu mesmo. É um relato real do pior lado da humanidade: o lado que fica cego quando lê uma simples palavra….S A L D O S! Terceiro: nada tenho contra a Primark (aliás, já lá fiz variadíssimas compras). O objectivo desta crónica é parodiar a espécie humana, em particular essa raridade que são “os tugas”, e não prejudicar ou difamar a marca em si.

Bastava ser fim-de-semana para a Primark estar a abarrotar de gente. Contudo, naquele dia em particular, havia o Jackpot: Fim-de-semana + Natal ter sido há dois dias. Ora, com esta combinação deslocarmo-nos à Primark era como desafiar a própria Morte. Contudo, obviamente que isso não nos incomodou. Havia uma lista de compras para seguir e sair de lá de mãos a abanar não era uma hipótese!

O primeiro sinal do apocalipse foi a enchente que avistámos de longe. Ainda faltavam algumas centenas de metros para chegarmos à porta da loja e já era visível o caos que estava instalado. De fora da loja, tal como na guerra, ficaram os inválidos: idosos, crianças e homens um pouco de todas as idades. Sim, porque isto de ir às compras não é para todos. A maior parte dos homens não possuem arcaboiço, e paciência, suficiente para a árdua tarefa que é ir às compras. Porque aquilo que se procura não é “apenas” comprar!

O objectivo é conseguir o melhor negócio possível! E todo o mundo sabe que o homem não compara preços: agarra numa peça de que gosta ligeiramente mais que as restantes, coloca no cesto, e paga-a na caixa. As senhoras não: adquirir seja o que for sem dar, pelo menos, cinquenta voltas completas à loja não é sequer admissível. Isto para não referir os longos minutos de reflexão, tentando perceber se aquela peça fica bem com tudo o resto que está no armário de casa. Daí ser tão fastidioso para os homens ir às compras com as mulheres: custa-nos a perceber a necessidade de gastar tanto tempo a fazer algo quando meros segundos bastavam.

Mas regressemos à Primark. Embora a confusão à porta nos tivesse preparado para o pior, nada fazia antever tamanha desordem. Pessoas corriam freneticamente de um lado para o outro. Crianças gritavam e choravam, fazendo birras de proporções bíblicas. Mulheres desapareciam no meio de pilhas de roupa em busca “daquele” artigo. Homens acumulavam-se na fila das trocas, esperando poder trocar os presentes intragáveis que receberam há dois dias.

E perante um cenário destes confesso que quase sucumbi. Olhei, de esguelha, para aqueles homens que estavam tranquilamente sentados á porta e pensei: “Bolas, aqueles sofás devem de ser extremamente confortáveis. E há Wi-Fi grátis….se calhar fico por aqui a relaxar um pouco…”. Até que um arrepio me percorreu a espinha e um pensamento me fez mudar de ideias e partir à aventura: “Não posso deixar a minha “M” ir sozinha lá para dentro! Quem é que a vai ajudar a escavar por entre as t-shirts em busca de um “S”? Quem é que vai lutar com uma reformada desdentada do Barreiro tentando resgatar da prateleira aquele par de meias fofinhas e quentinhas, que nos aquecem os pés no rigoroso inverno? Por Deus, quem é que guardará lugar na fila das caixas?”. Era o destino a chamar-me. E nunca se desliga uma chamada do destino, diz que dá azar.

Tal como nas mais duras guerras o primeiro passo é o reconhecimento. Os primeiros minutos foram apenas para perceber onde ficava cada secção, tentando criar um mapa mental da loja. De seguida foi necessário estabelecer prioridades: onde vamos primeiro? Claramente aos pijamas. Era onde havia mais oferta, mas também mais procura. Várias bancas possuíam montanhas de roupa quase tão altas quanto a própria Serra da Estrela. Vistos os vários modelos existentes, e escolhidos quais os mais baratos e bonitos, tinha chegado o momento mais difícil: encontrar o tamanho certo.

Seria de esperar que por entre tanta quantidade fosse relativamente simples encontrar qualquer tamanho, certo? Depende. Acima de tudo depende do tamanho que procuremos. Se for um dos mais pequenos desejo-vos sorte (muita sorte mesmo), caso contrário sairão de lá de mãos a abanar (e de espírito destruído, porque ver escapar por entre os dedos um pijama do Mickey a 7€ agasta qualquer um).

Nos primeiros minutos o nosso espírito está inabalável! Sentimo-nos poderosos e cheios de energia! E embora as nossas mãos pareçam apenas atrair “L’s” e “XL’s”, não esmorecemos. Até achamos aquele exercício uma boa forma de expulsarmos todo o stress acumulado no Natal. Mas os minutos vão passando e os “XL’s” sucedem-se uns atrás dos outros. Parece que apenas existem pijamas para as “Simaras” desta vida. Nada contra, todos temos direito a ter pijamas, mas talvez fosse benéfico ter mais tamanhos pequenos (não sei, digo eu, mas também não percebo muito disto). Quando damos por nós apercebemo-nos de que escavamos melhor do que muitas máquinas industriais que por aí andam. Acabamos por desenvolver uma técnica só nossa (que é tão válida quanto todas as outras) que achamos convictamente que não nos vai deixar ficar mal.

Lembram-se daquelas pessoas que tanto nos chocaram quando entrámos na Primark? Aquelas que corriam que nem loucas? Aquelas que desbravavam caminho como se de mato se tratasse? Aquelas que pareciam dispostas a tudo por uma mera peça de roupa? Pois, exactamente: bastaram alguns minutos para nos tornarmos numa dessas pessoas. O consumismo tem este poder: traz ao de cima o pior lado da raça humana esbatendo classes sociais, raças, credos, valores ou convicções. Até porque nada disso interessa quando a Primark tem à venda um top roxo florescente por apenas 7,99€!

Por entre todos aqueles pijamas tivemos a sorte de encontrar exactamente o tamanho que queríamos. Ou melhor, chamar sorte ao acto de encontrar o único “S” entre largos milhares de exemplares não me parece apropriado. Permitam-me que refaça a frase: “(…) por milagre encontrámos aquele que parecia ser o único “S” num raio de vários quilómetros!”. Assim sim, faço justiça à dificuldade da tarefa.

Felizmente a lista era pequena, e as restantes compras exigiram muito menos sangue, suor e lágrimas da nossa parte. Contudo, mesmo assim foi preciso mais de uma hora para poder riscar todos os elementos da lista!

Mas atenção, “riscar todos os elementos da lista” não significa “estar despachado”. E a fila para pagar? Ah pois, estavam a esquecer-se desse pequeno “detalhe” não é? Claramente não foram talhados para a arte de ir às compras! A fila era tão grande, e tão confusa, que eram necessários dois empregados só para assinalar o seu fim! Sim, estou a ser literal: duas pobres almas estiveram horas, em pé, com uma placa na mão que dizia “Fim de Fila”! Nós passámos tanto tempo na fila que consegui colocar o sono em dia (sim, que o Natal cansa imenso como toda a gente sabe), li quatro enciclopédias sobre a história mundial, decorei parte considerável da Bíblia e ainda tive tempo suficiente para fazer amizade com um simpático idoso de A-dos-Cunhados. “Oh, só podes estar a exagerar! E onde tinhas tu as enciclopédias e a Bíblia?”. Mau, mas vocês vieram para ler ou para fazer perguntas? Acreditem na minha palavra sff (senão começo a despejar tudo o que decorei da Bíblia, e vocês não querem isso pois não? Logo vi que não…)!

Feito o pagamento foi, finalmente, hora de abandonar o local. Meia dúzia de sacos em cada mão não espelhavam a dor e o sofrimento por que passámos lá dentro. Ao nos cruzarmos com os idosos, as crianças e os homens que estavam à porta era visível o seu sorriso rasgado (claramente de gozo para connosco, parvos, que optámos por entrar em vez de aproveitar a internet grátis refastelados nos já citados sofás).

Tendo nascido no épico ano de 1990 posso gabar-me de ter escapado ao serviço militar obrigatório (o termo é mesmo “gabar” acreditem). Ou melhor, podia…até ao dia 26 de Dezembro de 2015. Sim, porque aquela ida à Primark exigiu tanto de mim a nível físico, psicológico e estratégico que é como se tivesse ido à tropa! Ainda hoje acordo com suores frios a meio da noite, tendo pesadelos com os gritos de uma senhora coxa para o marido na secção da roupa interior.

Parece que a estou a ouvir: “OH JOAQUIIIM! ANDA CÁ JOAQUIIIM, FILHO! SIM, TU, QUEM É QUE HAVIA DE SER? TU JÁ VISTE ISTO? CLARO QUE NÃO VISTE, TU NUNCA VÊS NADA! AS CUECAS CUSTAVAM 10€ E AGORA CUSTAM APENAS 8,99€! PREPARA AÍ O CESTO PORQUE VAMOS LEVAR PELO MENOS UNS DEZ PARES! SIM, DEZ PARES, PORQUÊ? CUECAS É COMO O SEXO: NUNCA É DEMAIS!”. Tenho para mim que o Caps Lock foi inventado única e exclusivamente para esta situação.

Dito isto deixo à vossa consideração qual a parte que é real, e qual a parte que é ficção. Só vos digo uma coisa: a percentagem dos factos que é ficcionada é, felizmente ou infelizmente, muito mais baixa do que vocês pensam.

Para mim era pegar neste episódio, desenvolver um pouco mais, e publicar como uma versão moderna dos clássicos livros “Uma Aventura”. A juventude não se deixa conquistar pelos moinhos, faróis e casas assombradas como antigamente. Contudo, se a aventura for passada na Primark a conversa já é outra…

Boa semana.
Boas leituras.
E já agora…BOM ANO!