Banco bom, banco mau

Tenho escrito bastante sobre o BES e o Novo Banco, sobre o que, na minha opinião, aconteceu naquela instituição. Mas, com a recente “dança de cadeiras”, fiquei surpreendido e um pouco confuso.

Vamos sintetizar: o Banco de Portugal (BdP) achou que a situação no banco (o prejuízo apresentado) era grave demais e decidiu separar o BES em dois, ficando o “BES mau” com a maioria dos prejuizos e activos tóxicos (sobre a responsabilidade dos accionistas, entre eles a família Espirito Santo) e o “BES bom”, mais tarde renomeado “Novo Banco” com os clientes, depósitos, activos em geral. Colocou o “Novo Banco” sobre a alçada de um fundo liderado pelo próprio BdP, do qual fazem parte todos os bancos nacionais, ao qual o Estado emprestou 4.9 mil milhões de euros, provenientes da reserva que a Troika obrigou a fazer para ajudar os bancos. O BdP deixou que permanecesse no Novo Banco a mesma administração que transitava do BES, tendo instruído a mesma a  estabilizar o banco, torná-lo apetecível aos investidores, de forma a vendê-lo mais tarde e recuperar os 4.9 mil milhões de euros emprestados. Se o banco fosse vendido por mais, o remanescente seria para o “BES mau”, se fosse por menos, quem pagaria o restante ao Estado seriam todos os outros bancos nacionais, através do referido fundo.

Eu disse na altura que me pareceu bastante bem elaborado este plano. Pareceu-me. Agora já tenho as minhas dúvidas. E porquê? Por duas razões: porque vi em vários jornais que a dívida do BES Angola, ainda que de divida se tratasse, estava protegida por um fundo de garantia bancária do governo de Luanda e o BdP decidiu coloca-lo no “BES mau”; e porque o Governo e o BdP fizeram uma travagem a fundo, esqueceram a ideia de “estabilizar e tornar o banco apetecível aos investidores” e querem vender o Novo Banco o mais rapidamente possível.

Quando à primeira razão, por tudo o que li, o BES Angola, estando protegido pelo governo angolano, deixa de ser “tóxico” (embora não deixe de ser dívida), para ser um activo, pois pode continuar a existir e, eventualmente, recuperar. E está afecto ao “BES mau” e não ao Novo Banco.

Tenho mais dificuldade em perceber a segunda razão. Governo, BdP e o vice presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) dizem que é preciso vender o banco o mais depressa possível. Mas Fernando Ulrich,  presidente da comissão executiva do BPI, diz que o Novo Banco não vale, neste momento, 4.9 mil milhões de euros. Então, será benéfico vender já? O que acontece se venderem já? Ulrich dá a resposta. Diz que serão os bancos nacionais a arcar com a factura e que, no caso do BPI, não os levará à falência mas será muito duro. Para além disso, com toda esta confusão, os clientes estão a fugir do Novo Banco para os outros bancos nacionais, com receio (legítimo) de perder as suas poupanças, o que leva à redução de valor do mesmo.
Voltando à questão principal: porquê vender agora? Qual o interesse da CGD, BdP e Governo em vender já? Da CGD posso imaginar que, vendo o banco a perder valor, o interesse seja minorar o prejuízo já previsível. Mas e do Governo e BdP? Li (e ouvi na tv) várias explicações, mas a que me parece mais plausível é a do presidente da comissão de trabalhadores do (ex-BES, agora) Novo Banco: há eleições para o ano e este Governo quer alegar em campanha “eles nacionalizaram o BPN e criaram um problema para o Estado, nós vimo-nos livres rapidamente do BES”. Porque se Ulrich e outros analistas que partilham da mesma visão tiverem razão, o Novo Banco até pode ser vendido mas a um valor muito mais baixo, que vai deixar a banca portuguesa em mau estado. E nós queremos a banca em mau estado? Quem é que vai financiar a economia portuguesa se os bancos nacionais estiverem em mau estado? Ninguém. E sem investimento, a economia não progride, não evolui.

A comunicação social divulgou há pouco tempo que o presidente do conselho de administração do BPI, Artur Santos Silva, não excluiu a compra do Novo Banco por parte do BPI. Ulrich disse que não se podia excluir essa possibilidade, mas que estava para já fora dos planos do banco. Pegando nesta resposta e no que disse antes, era benéfico para os clientes do Novo Banco que o BPI comprasse a instituição, mas a banca portuguesa ficaria com o prejuízo na mesma, pois Ulrich já disse que o banco não vale aquele valor.

Enquanto não se souber toda a verdade, muitas dúvidas permanecerão no ar. Mas, ao que se sabe neste momento, parece-me que seria melhor estabilizar o banco, criar condições para que, no futuro, quando o banco fosse mais valioso, vendê-lo. Agora, pelo que se diz, seria um tiro no pé da economia portuguesa.

Crónica de João Cerveira