“Beautiful Trauma” de Pink – O Triunfo da Underdog

Menos irreverência, mais baladas e o mesmo coração de sempre: Beautiful Trauma é um testemunho da vitalidade e amadurecimento de Pink na indústria musical.

“What About Us” indicou e o resto do álbum confirma: Pink entrou num novo patamar da sua carreira. Ao preterir um enérgico e orelhudo single pop/rock de avanço – citemos “So What” ou “Blow Me (One Last Kiss)” – por um cartão de visita mais sóbrio e notoriamente politizado um pouco à semelhança do que “Chained to the Rhythm” representou para Katy Perry este ano, Pink estava não só a marcar uma tomada de posição face à América de Trump, mas também a assinalar uma mudança de prioridades regida pela seriedade e unificação em torno do seu som e da sua mensagem.

Aliás, era preciso ter passado incólume pelo magnífico “Just Give Me a Reason” do álbum anterior, para não compreender o efeito que o sucesso dessa canção teria nas investidas futuras de Pink. Levou-lhe uns bons cinco anos, mas da aventura folk com Dallas Green nos You+Me, passando pelo olá fugaz com “Just Like Fire” até à repetição da experiência da maternidade, Miss Moore tinha necessariamente que soar diferente da artista que se escutava em The Truth About Love (2012).

A Pink de Beautiful Trauma ainda é a intérprete aguerrida e com o coração na boca que aprendemos a adorar ao longo destes dezassete anos, mas agora refreia a irreverência e os hinos voltaicos repletos de atitude em prol de canções mais polidas, sérias e de cadência lenta onde aproveita para expor uma série de temores e anseios enquanto esposa, mãe e cidadã do mundo. Uma sobriedade que alguns fãs poderão ter mais dificuldade em encarar, mas que vai de encontro à credibilidade almejada pela artista.

A abertura com o tema-título é particularmente espantosa. Uma propulsiva produção synth-rock assinada pelo omnipresente Jack Antonoff – mais vale atribuir-lhe de uma vez por todas o Grammy de Produtor do Ano – que versa acerca de como a relação disfuncional que mantém com o marido é a cola que os une e dá alento à sua vida. Não só é o momento mais forte de todo o álbum como representa um momento glorioso na discografia de Pink. E sim, teria dado um melhor 1º single.

Whatever You Want também não lhe fica muito atrás. Desafiante prosa sobre não vergar perante as dificuldades do matrimónio e perseverar para ver o que de bom espreita à esquina, é entregue com uma certe verve alt rock que não destoaria do catálogo de Alanis Morissette. Quando a melodia quebra e Pink canta apenas acompanhada pela guitarra, há uma qualquer reacção nostálgica que é accionada – e esse é capaz de ser o momento mais belo do disco. Ensanduichado entre os dois encontra-se o anunciado 2º single do registo, “Revenge”, produzido à semelhança do tema anterior pela dupla Max Martin/Shellback e que encontra em Eminem o par perfeito para rimar de forma humorística sobre vingança conjugal. O refrão não é brilhante e a melodia parece reciclada de um qualquer beat de Macklemore & Ryan Lewis, mas a dinâmica lírica é interessante – é o único momento em que a Pink errática e destravada vem ao de cima.

O colaborador de longa data Greg Kurstin tece-lhe uma emotiva balada ao piano na figura de “But We Lost It”, acerca daquele momento em que a chama da paixão se extingue e restam apenas os remorsos – é a versão evolutiva e polida de baladas passadas como “Nobody Knows” ou “I Don’t Believe You“. Em “Barbies”, composição semi-folk de adorno pop, a cantora reflecte sobre a passagem veloz do tempo na mais triste das associações à infância despoletadas pela nostalgia que se escutaram em tempos recentes. “Where We Go” volta a questionar a condição marital depois de mais uma crise e fá-lo num casamento de folktronica entre Avicii e Of Monsters and Men.

“For Now”, outro dos momentos mais vívidos do disco, recorre aos préstimos líricos de Julia Michaels, cuja presença se sente bem para lá dos versos, e expressa o desejo de Pink de regressar aos dias áureos do seu relacionamento. “Secrets” versa sobre os segredos ocultos ao cônjuge suportado por um acorde de guitarra em loop e uma toada deep house num reflexo algo semelhante ao de “Déjà Vu” de Katy Perry. Já em “Better Life” Pink não consegue sacudir a sensação de que o marido sonha com uma vida melhor e com outra companheira: de novo Jack Antonoff a despejar os seus truques inventivos, ainda que as teclas pareçam emular uma vez mais o catálogo de Macklemore.

Impossível não bater o pé com a ginga folk de “I Am Here”: dividida entre ser uma canção dos The Lumineers ou um hino de estádio de Lady Gaga, questiona o que sucede depois da vida abandonar o nosso corpo, com Pink a afirmar que já viveu o pior deste mundo e estará preparada quando a sua hora chegar. Tudo na maior das euforias e clamores. E porque já tínhamos saudades de uma balada ao piano, aí está “Wild Hearts Can’t Be Broken”, hino sentido a todos aqueles que tentam resistir numa sociedade assolada por atentados à liberdade de expressão e pela tirania política.

No fim, como no início, o álbum fecha com um tema incrível. A apontar ao cancioneiro de Adele, Pink convoca Tobias Jesso Jr., o homem de “When We Were Young“, para a canção em que culminam todos os anseios, dúvidas e erros que foram surgindo ao longo do disco. You Get My Love é Pink no fio da navalha, a sós com o piano e a certeza de que por mais percalços que existam no caminho, o marido vai contar sempre com o seu amor incondicional. E esse é o maior dos testemunhos possíveis para encerrar o álbum.

Fica claro que se antes Pink pretendia atear fogos e incitar motins, agora deseja coleccionar Grammys. Beautiful Trauma ainda não é o disco da sua vida, mas é o perfeito exemplo de como uma artista de 38 anos consegue manter-se fiel a si própria, continuando a conquistar pelo caminho a aclamação crítica e um crescente interesse mediático. E não existem muitas contemporâneas suas que se possam gabar do mesmo – é verdade, os underdogs riem-se por último, e melhor.

Pink – Beautiful Trauma (2017)

Editora: RCA Records

Classificação: 7,7/10