A Bela e o Monstro (Review)

A história eterna de uma bela mulher com Síndrome de Estocolmo, que se apaixona por um encornado com pêlo na venta que, por acaso, até a fechou durante uns tempos numa jaula no seu palácio. Bom, no final do filme já ninguém quer saber disso…

Título Original: Beauty and the Beast

Ano: 2017

Realizador: Bill Condon

Cinematografia: Tobias A. Schliessler

Produção: David Hoberman, Todd Lieberman

Argumento: Stephen Chbosky, Evan Spiliotopoulos, Jeanne-Marie Leprince de Beaumont

Actores:   Emma Watson, Dan Stevens, Luke Evans, Josh Gad

Música: Alan Menken

Género: Fantasia, Musical

É estranho começar a análise de um filme com uma nota sobre a legendagem, mas há apontamentos que devem ser ditos com frontalidade. A legendagem portuguesa de A Bela e o Monstro é a pior de sempre, em qualquer filme da Disney que eu tenha memória. Sendo um filme para a família, é obviamente de bom gosto haver uma versão totalmente em português, mas o que de facto não pode ser feito é usar a tradução da dobragem e inseri-la, simplesmente, na legenda da versão original. Quer este facto seja uma questão de preguiça ou falta de fundos, é dispensável e imperdoável! É normal que, na conversão para dobragem seja necessário prestar grande atenção em manter a música cantável, e a própria métrica e o ritmo da canção, no entanto, isso não é necessário numa versão legendada. A tortura de ouvir o verso “Tale as old as time…”, e ler “Era uma vez…” em vez de “Uma história tão antiga quanto o tempo…” chega a ser desconcertante. As legendas não são para ser cantadas, havendo uma clara pausa a seguir ao verso, dá para proceder a uma tradução verossímil! Pronto, vou acalmar-me! Vamos então à análise…

Será estranho afirmar, que são os primeiros e os últimos minutos de filme que, realmente, despertam o maior interesse. Nos primeiros, porque estamos perante uma história familiar, que se desenrola através da maldição que todos aqueles que viram a sua versão animada entendem e que, certamente, fazem a nossa consciência pender contra o príncipe; e os últimos, pela realização de que há uma espécie de epílogo com as personagens livres da maldição, que no meio da felicidade se redescobrem. É, realmente, o espaço entre os primeiros e os últimos minutos que de facto, levanta a questão: Foi o filme bom o suficiente para reter, apenas, o início e o fim como pontos de referência? E é analisando esse mesmo intervalo que todos os problemas saltarão à vista.

Bela e o Monstro retém muitos dos aspectos do seu original animado, por vezes, para seu próprio mal. Manter a narrativa idêntica não é problemático, outras adaptações ligadas a clássicos animados optaram por alterar a história ao ponto de comprometer as personagens que criaram, e sim estou a falar maioritariamente de Maleficent (2014), mas é noutras dimensões que este filme tem os seus problemas mais assinaláveis. Algumas sequências tiradas directamente da animação para live-action não funcionam tão bem como seria expectável, especialmente, o número musical a meio do filme, protagonizado por Lumiére à mesa de jantar. Este é um dos grandes exemplos de um filme que tenta fazer a ponte, mas acaba por não atingir a coerência e o discernimento de se afastar quando necessário de algo que não funciona.

À luta entre o animado e o real junta-se também a luta entre reconhecer o filme como musical, ou como filme com peças musicais. Dois conceitos que são bastante diferentes. A direcção do filme parece querer optar por uma representação normal, sem grandes exageros associados ao género, optando por dar às suas personagens principais doses “reais” de diálogo menos cantados e, sobretudo, reforçando uma abordagem quase naturalista à sua representação. O resultado é uma Bela demasiado real, num mundo que se apresenta vibrante e cheio de peças de mobília armadas em tenores. Não é, no entanto, problema da actriz Emma Watson, mas sim uma escolha levada a cabo pela produção e que teve consequências para a personagem. A actriz, simplesmente, não tem espaço, nem a direcção lhe permite que brilhe, e o resultado é uma falta de foco nesta personagem, e principalmente uma falta de destacamento no meio do floreado de CGI.

A razão pela qual os primeiros e os últimos minutos mais se destacam é porque o filme desperta mais interesse sobre as personagens amaldiçoadas e animadas do que durante todo o filme à Bela e ao Monstro. A única personagem que realmente bebe da sua versão animada é Gaston (Luke Evans), e claro, LeFou (Josh Gad), e porquê? Porque vivem do exagero e de uma certa pomposidade que se destaca na ambiência que o filme elabora. Já agora…

Olá, seus homofóbicos!

LeFou é, possivelmente, a personagem da Disney que mais polémica levantou nos últimos tempos. Embora a inclusão de uma personagem gay seja muito bem-vinda, há uma espada de dois gumes. Por um lado a personagem é destacada pela sua diferença, mas isso também serve para incentivar o seu estatuto de comic relief em alguns momentos cómicos. Isto pode ter tanto de produtivo como de distanciador. Não é, certamente, um factor importante na análise do filme mas, o seu destacar apresenta, na sua maioria, e para uma mente sã, uma adição e destaque necessário para toda a comunidade LGBT. Pena não tomar um rumo mais normalizador. As suas acções no filme não são, no entanto, tão flagrantes quando a censura de alguns países leva a querer. Dançar com um homem não é algo completamente distante de uma atitude heterosexual, por vezes num ambiente cómico real, e mesmo que fosse, basta recordar a frase de Ewan McGregor, o actor que interpreta Lumiére, numa entrevista para o filme: Estamos em 2017, por amor de Deus!

A maioria do elenco vive por detrás das personagens animadas, e muitos dos actores e actrizes são bem conhecidos do públicos. Ian McKellen, Ewan McGregor e Emma Thompson têm a sua oportunidade para dizer que foram parte do filme nos minutos finais, quando assumem a forma humana novamente. A sua performance vocal, é como seria de esperar de um grupo de actores veteranos, sublime. 

A Bela e Monstro não é, na sua totalidade, um mau filme, replica a magia do original animado, especialmente, a nível da sua estética. Faz duas ou três modificações ao longo da narrativa, que a tornam mais longa e expandem o original sem o modificar de maneira flagrante, e isso é de louvar, mais uma vez. Reter a música original é um ponto bastante positivo, até porque não seria possível fazer melhor. A magia da banda sonora original reaparece pela mão do próprio compositor original Alan Menken, a peça essencial para o sucesso de outros filmes de animação da Disney. Através de alguns vídeos ilustrativos da versão dobrada em português, parece evidente que se encontra bastante bem elaborada, tendo em conta o material original, o que prova que há um grande trabalho da parte da equipa de dobragem e adaptação das canções.

Com uma lista de infindáveis adaptações para live action na calha, a Disney falhará certamente, aqui e ali, em replicar os originais. A Bela e o Monstro não é um total fracasso, mas luta para se destacar da animação através de uma história que acaba por se debruçar em objectos já por si bastante animados, e que transportam esta fita para um terreno pantanoso onde tudo parece estar devidamente enquadrado, menos os protagonistas. A nostalgia é, no entanto, uma força inabalável, e isso torna muita da experiência num regresso mais ou menos bem-vindo a um clássico da Disney.

5.5

Volto para o próximo mês com mais cinema…