A Bipolaridade da política portuguesa

Durante a semana que passou, e depois da pesada derrota da direita nas eleições para o Parlamento Europeu, muitos foram os acontecimentos políticos que de alguma maneira questionaram a actual legitimidade democrática do governo.  Primeiro veio a moção de censura ao governo pela CDU, anunciada ainda durante a declaração de João Ferreira no final da noite de eleições para o Parlamento Europeu. Posteriormente,  PS e BE subscrevem a proposta (embora não as razões apresentadas pela CDU) e a mesma é votada na Assembleia da República, sendo chumbada pelos votos contra de PSD e PP. Ou seja, a oposição votou em bloco a favor da moção de censura mas no final do dia ficou tudo na mesma. Nada de novo portanto.

Como se tal não bastasse para o governo, os ingratos e ideologicamente tendenciosos Juízes do Tribunal Constitucional chumbam três dos quatro artigos do Orçamento do Estado para 2014 em análise, entre eles os cortes dos salários dos funcionários públicos acima dos 675 euros. Portas diz que não se consegue fazer nada num Estado imobilista, rígido  e inamovível, e afirma que o Tribunal Constitucional está a condenar Portugal a uma escravidão fiscal. Passos diz que assim não dá e pede uma clarificação técnica de algumas partes do Acórdão do Tribunal Constitucional. E até mesmo Maria Luis Albuquerque sai a terreiro para avisar do tremendo impacto que o chumbo do TC terá nas contas do país. Não fosse o facto de vivermos num Estado onde existe separação de poderes, e diria que o governo está a tentar influenciar as decisões do Tribunal Constitucional. Mas, como diria José Sócrates, ‘porreiro’ mesmo era apresentarem um orçamento que não viole a Constituição.

Tal como era expectável, o Tribunal Constitucional fez imediatamente saber através de fonte não oficial que não iria responder ao pedido de clarificação do governo,pois a sua acção esgotara-se com a prolação do Acórdão.  Será que chega para terminar este enredo? É melhor esperar pelos próximos episódios.

No entanto, nem tudo são espinhos para o Governo. Segundo os mais recentes dados do Eurostat , o desemprego em Portugal registou a segunda maior queda homóloga da UE durante o último ano, e nem mesmo a imediata reacção do PCP, alertando para eventuais manobras do governo para esconder a realidade, impediu o sentimento de sucesso por parte da máquina de propaganda do governo. Além disso, a auto-sabotagem em curso no seio do PS, é sempre motivo para um sorriso na face de quem nos governa.

Apesar de não me opor à discussão sobre a necessidade de primárias nos sistemas eleitorais dos partidos, a decisão de António Seguro em recorrer a este expediente parece-me desprovida de grande fundamentação, além de constituir uma óbvia fuga para a frente. António Costa, que havia sido um constante fantasma durante grande parte do percurso de Seguro como Secretário-Geral, tornou-se finalmente assombração obrigando a manobra de desespero. Mas porquê o desespero? Bom, o desespero deve-se a uma sede de poder que assola grande parte da classe política em Portugal, em especial a nova geração. E leia-se, com clareza, que a sede de governar é totalmente legítima e até salutar. Mas sempre tendo em conta que o que importa são as pessoas. Porque se assim não for, passa-se a ser parte do problema.

De facto, parece-me óbvio que o Governo perdeu alguma da sua legitimidade. Actualmente, PSD e PP não tem a mesma representatividade na sociedade que aquela que apresentam na Assembleia da República. Digo isto baseando-me nos milhões que se manifestaram nas ruas contra a política escolhida pelo actual governo, e não no resultado para as eleições do Parlamento Europeu. O povo já pediu várias vezes a dissolução deste governo. Mas Passos, como Seguro, agarra-se ao poder. Como diria Brecht, se calhar é melhor dissolver o povo.

É neste pântano que a bipolaridade da política portuguesa prospera. Se por um lado o governo parece não ter legitimidade para exercer as suas funções, por outro o maior partido da oposição afunda-se em tramas e quezílias internas que apenas servem para lhes retirar possibilidades nas próximas eleições. Uma enorme montanha russa onde jogadas, truques e influências, tem grande peso sobre quem acaba o dia por cima. E no meio disto tudo, o Zé Povinho.