Bisturi – Viriato Queiroga

“Bisturi”

É a palavra central e decorrente na minha mente. Sim, trata-se de um comum objeto com propriedades particulares, utilidades excecionais. Ou então não.

Depende.

Perguntemo-nos do que depende. Concluímos que a sua dependência é nada mais que a simples interpretação de uma realidade que, como os loucos habitantes das cavernas Platónicas, nada mais fazem do que imaginar a sua própria luz. Como podemos nós saber distinguir o que é a realidade, a ficção, as crenças dos factos, o sonho da ilusão?

Poderíamos atentar diversas metodologias, diversas teorias, pensamentos, correntes, experiências, etc, etc. Porém, qualquer indivíduo inteletualmente honesto, e com os suficientes conhecimentos para tal, diria que tal não passará de uma perceção ligada à forma como processamos a informação. Em suma: ninguém sabe se o que achamos ser a realidade é, de facto, real.

O que sabemos realmente?

Uma vez mais, poderíamos citar a realidade clássica, mas tal seria restritivo, para não dizer incompatível com a felicidade moderna da Lei, na mesma baseada. Toda esta argumentação para uma simples resposta: acredita-se.

Não, este não é um argumento em favor de qualquer credo religioso, enfastiante ideologia. Escrevia George RR Martin: “há um rei, um homem rico e um padre, e um mercenário comum. Cada um dos três homens diz ao mercenário para matar os outros dois Quem vive? Quem morre? Quem tem o poder nesta situação? De onde vem o poder?” in A Song of Ice and Fire. Resposta simples, e pela Ciência Política, Direito, Sociologia (e mais umas quantias “ia’s”) observada: o poder está onde as pessoas acham que ele está.

Quais as implicações?

Tal significa a inexistência de um absolutismo. Apenas valorizações de periódica força, conforme os contextos sociopolíticos.

Simultaneamente, pego no bisturi e começo o meu trabalho: corto, esquartejo, sangro, limpo, e volto a cortar. Num paralelo universo talvez fosse diferente. Talvez a minha profissão significasse a responsabilidade de gerir o que se traduziria numa confortável empresa de venda de riscos tóxicos, para enriquecer com a confiança das pessoas, talvez salvando vidas, num qualquer hospital, talvez cuidando de uma qualquer crónica, teimosamente presa no ecrã de um qualquer computador universitário, ou talvez preferisse correr a cidade, apanhando as folhas outonais. Talvez, talvez, talvez…

O que sei… É que tal não me compete. Ou ambiciono.

Apenas corto. É a minha vida. É o meu preceito.

Nada mais sei.

Pois é no final do dia, quando chego a casa, cheia de gente, vazia de ambiente, que penso: “hoje fiz a diferença”.

Horas depois do final desta retrospetiva, encontra a polícia, num qualquer beco de Lisboa, aquilo que parece ser um eminente banqueiro. Ou costumava ser.

Apesar de tudo… Encontrava-se bem conservado: apenas lhe faltava a língua.

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