O Cancro. O sacana do Cancro. Esse malandro do Cancro, que devasta a vida de toda uma família quando decide comparecer e picar o ponto. Eu, se fosse patrão do Cancro, despedia-o num instante assim que ele chegasse para picar o ponto. “Ah, mas isso é estúpido porque tu não tinhas uma razão válida para despedir o ´gajo´!”, diz mais uma vez o leitor chico-esperto que todas as semanas anda a cuscar as minhas crónicas. Ó amigo, eu teria uma razão válida, sim senhor. Arranjava forma de adiantar o relógio de ponto para que o pelintra do Cancro chegasse sempre atrasado. Assim, já o poderia despedir por “justa causa”. Viu como era fácil? Vá, agora sente-se sossegado a ler o resto da crónica, em vez de passar o tempo todo a interromper-me. Ou então vá brincar com um pirilampo mágico ou algo que brilhe igualmente no escuro – que diz entreter até o mais aborrecido dos aborrecidos.
Numa amena cavaqueira com uma amiga que está emigrada em Inglaterra, descobri a existência de um programa de televisão inglês, de seu nome “My Last Summer”. Com um nome destes, até parece que o programa aborda um diário de uma adolescente inglesa, que foi para uma colónia de férias durante o verão e não conseguiu evitar meter-se em aventuras. Mas não, não se trata disso. Este programa junta 5 pessoas com cancro, em fase terminal. Parece que a ideia é proporcionar algum tipo de alegria aos doentes que, volto a frisar, sofrem de cancro e estão em fase terminal. Ok, eu concedo que a ideia de quem criou este programa, é realizar alguns dos últimos desejos dos doentes, antes que chegue a sua hora de abandonar este mundo, e ir ao encontro de malta indesejada – basta pensar que o Saddam Hussein deve andar por lá, à espera para lhes ler uma pequena história sobre um ditador que exterminou uma data de malta.
Realmente, deve ser fantástico e verdadeiramente motivador observar 5 doentes com cancro, a tentar cumprir uma data de programas ocupacionais durante a emissão do programa. Do género:
– “Vamos todos fazer um jogo?!”
– “Vamos! E que jogo é?”
– “Vamos todos jogar ao Monopólio!”
– “Ah, dispenso… Não consigo levantar-me desta cama…”
– “Eu também, pois não posso afastar-me da minha arrastadeira durante mais de 10 minutos… “
– “Eu também dispenso!”
– “Porquê?”
– “Porque tenho cancro!”
– “Oh, a sério?!”
– “Não, eu estou aqui apenas porque estava farto de estar em casa, sem me poder mexer, sabes.”
– “Lamento, mas eu… eu… eu… também estou fora.”
– “Ai, sim? Então e porquê?!”
– “Porque tenho de ir ao cabeleireiro.”
– “Mas tu não tens cabelo! Ele caiu todo durante a quimioterapia!”
– “O quê?! Não tenho cabelo? Oh, nãoooo!”
Deve ser bastante motivador assistir a este programa, com toda a certeza. Com base neste programa, surgiram-me ideias para outros programas que poderiam ser realizados, com igual poder de motivação. E se fosse um programa, onde se juntavam 5 ex-jogadores de futebol? Que tipo de conversas teriam? Seriam algo do género:
– “Ai, estou tão mal! Eu estou tão mal!”
– “O que foi, pá? Estás doente?!”
– “Eu não aguento mais, pá! Isto é um choque para mim!”
– “Mas o que foi?!”
– “Eh pá, sinto falta da redondinha!”
– “Ah, da tua mãe?!”
– “Não, meu estúpido! Estou a falar do esférico! Da bola! Da redondinha!”
– “Ain, nem me falem nisso… lembram-se quando eu fiz aquela jogada do camandro, que passei por 5 jogadores e… e…”
– “…e falhaste de baliza aberta!”
– “Pois, foi… Eras mesmo vesgo quando estavas frente-a-frente com o guarda-redes! Falhavas sempre!”
– “Falhava, falhava… Por isso é que marquei 2 golos à tua equipa, no final da Liga dos Campeões!”
– “Mas nós ganhámos 3-2, por isso, os teus golos não interessaram para nada!”
– “Pois, mas se tu não me tivesses partido a perna, eu podia muito bem ter marcado mais 2 golos!”
– “Eu nem te toquei!”
– “Não me tocaste?! Tu partiste-me a perna, seu assassino! Seu psicopata!”
– “Eu já te dou o assassino e o psicopata!”
– “O que vais fazer? Partir-lhe a perna, novamente?!”
– “Eu nunca lhe parti a perna!”
– “Ai isso é que partiste, seu assassino de pernas! Mas fica sabendo que, mesmo com a perna partida, eu era muito melhor jogador do que tu!”
– “Pá, vocês dois já paravam com essas picardias. Vamos mas é fazer um joguinho 2 contra 2 com o Armando à baliza!!”
– “Eu não vou à baliza! Ainda me partem a perna!”
– “Pfff… Sempre foste um medricas! Uma vez um medricas em campo, para sempre medricas!”
– “Anda cá que eu digo-te quem é o medricas!”
– “Quem? Tu? Com essas pernas arqueadas e esses joelhos todos arrebentados? Ganha juízo, pá! Estás ultrapassado!”
– “Ai, eu não aguento!”
– “O que foi, pá?!”
– “Tenho saudades da redondinha…”
– “Oh pá, outra vez essa conversa…? Tu estás retirado do futebol, ó velhadas! Não chateies!”
– “Eh pá, calem-se… Estou a rever vídeos de quando jogávamos!”
– “Oh não, apetece-me chorar…”
– “Pfff… Velhos, pá! Bora lá a uma partidinha!”
Ou seja, não seriam conversas interessantes. Passariam o programa todo a queixar-se de já não jogarem e acabariam por se suicidar, com saudades da redondinha. Mas o programa teria audiências, com toda a certeza. Porque, afinal de contas, é isso que conta – o raça das audiências.
Tenho uma outra ideia para um programa idêntico, que envolve colocar 5 leprosos numa casa. Seria algo do género:
– “Ora, cá estamos…”
– “É verdade… Desculpa, como te chamas?”
– “António…”
– “Olá António, eu sou a Maria. Dá cá dois beijinhos…”
– “Ai, desculpa! O meu lábio!”
– “Ai, que nojo! Metade do teu lábio ficou na minha bochecha!”
– “Deixa que eu tiro… Ai, porra… Caiu-me um braço!”
– “Porra, estás a cair de podre, pá!”
– “Nem me digas nada! Esta semana já me caiu o nariz, 4 dedos das mãos, 2 dedos dos pés, e agora o braço!”
– “Está difícil, isso… Eu só perdi o cabelo até agora… Ei, o que é isso no chão… Isso é… hum… o teu pénis?!”
– “Ora bolas, eu sabia que este dia haveria de chegar… “
Seria mais um programa triste, mas com uma elevada taxa de audiências. Pois quem é que não gostaria de ver um leproso a perder o pénis em directo…
Até para a semana, malta catita…
(Preciso urgentemente da medicação! Rápido, antes que me torne numa espécie de zombie apreciador de comida para gato…)
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