Bullying social ou relacional: Transversal a todas as idades, a todos os grupos

De uma forma muito simplista pode-se dizer que o “Bullying” refere-se essencialmente ao ato levado a cabo por um sujeito ou grupo de sujeitos, sob outro, ou outros, e que pode assumir a forma de agressão física, verbal, cyber-bullying (via internet, redes sociais on-line, etc), e social.

Hoje não falo das formas de bullying mais comuns e na verdade mais conhecidas, e ainda bem!, da população em geral, associado sobretudo à agressão óbvia, física ou verbal e mesmo o cyber-bullying, mas falo-vos sucintamente de bullying social.

E, mais, saliente-se que esta forma de bullying é muito grave e deixa marcas a longo prazo na auto-estima do sujeito e na vida dele.

Dê-se também importância especial ao facto de que este tipo de bullying não escolhe idades. É muitas vezes grave de sérias dimensões na infância e na adolescência, mas daquilo que tenho pensado e observado, ele pode ser perpetuado em grupos sociais vários, profissionais e familiares inclusive (esta é a minha convicção e só por mim falo), e mesmo em Instituições onde residem idosos em situação de semi-dependência, por ex. os lares de idosos.

Pasme-se pois, porque todas e todos conhecemos os alertas para o bullying nas escolas e mesmo ans Universidades, idades em que é grave e deixa sequelas precisamente porque se tratam de crianças ou adolescentes em formação de personalidade, e são golpes duros dos quais ficam cicatrizes para sempre em muitos casos, mas raramente se fala destas questões em personalidades formadas, adultos ou idosos, pois presume-se que estas pessoas sejam mais capazes de se defender desta situação e “passar à frente”…
Mas o que é facto é que nem sempre é assim. Se um sujeito que foi vítima de bullying escolar pode sair da escola mais tarde e deixar toda aquela “gente” que compactuou com isto, já em famílias onde tal sucede, o corte é mais sensível, mais árduo, e até em alguns casos impossível. Pior: todas as pessoas compreendem que uma pessoa se afaste e corte relações com familiares que exercem sobre o próprio bullying verbal e sobretudo físico, e lembremos que no bullying estamos sempre a falar “entre pares”. Mas se o bullying é social, ninguém entenderá com facilidade, não se percebe claramente que é de bullying que se trata, principalmente em culturas que têm tradição em “cantigas de escárnio e maldizer”, como é o caso da lusitana…Não se percebe o óbvio: fofocar e dizer mal de alguém é sempre errado. Cultural ou não, tradição familiar ou não, está errado. Deve ser evitado.

Num lar de idosos por exemplo, todos entendem “bullying” verbal e físico, mas raramente se dá conta daquele idoso ou idosa que permanece “a um canto”, sem amigas ou amigos, sem que ninguém o convide para um simples acto como ver tv, ir jogar dominó, ou fazer tricot. Esta idosa ou idoso, no entanto, vive muitas vezes numa depressão e isolamento profundo, no meio de uma imensa comunidade que não dá por nada, onde se vê ostracizado e rejeitado diariamente (o que reforça ainda por cima o sentimento de abandono e rejeição que já sente por estar em lar, por não ver muito a família por exemplo, e que é muito frequente…)

Nas empresas, os “grupinhos” de pessoas que se reúnem, olhando “de lado” e “fofocando”, visivelmente, deixando de parte um ou outro, e apenas e sempre os mesmos , ou as mesmas, manifestando uma atitude de agressividade passiva, diria eu, em que o próprio não recebe um “bom dia”, não é convidado para o café da pausa da manhã ou da noite, não é convidado a sentar-se à mesa na cantina ou no bar da empresa, pelo grupo de pares, são “grupinhos” não de gente que se conhece e se dá bem, mas gente que pode ser “agressora” ou cúmplice, ou testemunha de bullying.

Sermos crescidos, adultos, não impede o bullying, apenas lhe dá um contorno diferente porque é esperado que o adulto saiba defender-se e proteger-se de tal acto – isto, no entanto, para além de nem sempre ser verdade, não escamoteia a acção ou acto de bullying em si mesmo. A vítima de bullying pode estar melhor “apetrechada” de defesas, mas não deixa de sentir o ambiente como desagradável, prejudicando o seu dia a dia e as suas emoções.

Se não devemos confundir isto com pessoas que optam por estar mais alheias e sozinhas – que também as há e têm de ser respeitadas nesta forma de estar e de ser – também não se devia deixar passar impune esta forma subtil mas igualmente mordaz de exercer bullying sobre alguém.

Na infância e na adolescência piora um pouco. Nestas idades e nesta forma de bullying, muitas vezes os e as agressoras, frequentemente até são meninas agressoras, são alunas ou alunos populares e exemplares, que conseguem cativar educadores e professores, funcionárias e funcionários, e lideram um grupo de “fiéis seguidoras e/ou seguidores” que lhes dizem que sim a tudo. Pelo caminho ostracizam uma ou outra vítima…

Evoluímos socialmente. Nos anos 80, em Portugal, havia todas as formas de bullying nas escolas, e ninguém queria saber disso. Mas também muitas pessoas dessas gerações enchem as estatísticas mais amargas de toxicodependência por exemplo e depressão na adolescência tardia…Nem todas, nem todos “se safaram”…Algumas pessoas passaram o resto da vida a tentar reparar a sua auto-estima, outras – as que “agrediram” por exemplo ou testemunharam em silêncio – passaram o resto da vida arrependidas e a tentar reparar o mal causado a outros claro está..Outras ficaram pelo caminho…
Na evolução está a mudança, para melhor, esperemos.

Hoje não é aceitável o bullying. E ainda bem que assim é. Previne-se, lida-se com ele, “curam-se as feridas dos dois lados…Mas nem sempre é fácil detectar este tipo de bullying – o social ou relacional.
Esta forma de bullying continua a existir, e deixa mágoas todos os dias – nas crianças e nos adultos, em adolescentes, em idosas e idosos.
Mas o que é o bullying social:
– O bullying social ou relacional refere-se a uma agressão emocional entre as pessoas de um mesmo grupo (grupo de pares), nas relações sociais entre elas.
Reveste-se de muitas formas, mas tende a envolver um grupo de pessoas que é usado como “arma de arremesso contra alguém”, no sentido de ferir emocionalmente essa pessoa, excluí-la, prejudicando-a nos seus relacionamentos e na sua reputação.

É uma forma subtil de assédio psicológico, muito comum e muito letal para quem dele é vítima – nas escolas, universidades, famílias, empresas e até em instituições de albergue a grupos de pessoas com alguma necessidade concreta, como são os grupos geriátricos. Também pode acontecer em bairros, prédios, e zonas comunitárias comuns na verdade…Acontece sempre que um grupo de pares, em determinado contexto, “ostraciza” ou “deixa de parte” uma pessoa, com intenção de agredir, ou mesmo sem essa intenção ser muito consciente mas com igual efeito nocivo e letal para a vida emocional das vítimas.

O agressor ou a agressora, curiosamente, mantém quase sempre a sua popularidade e colhe simpatias e recompensas várias do grupo que por ele é manipulado, contra um ou outro alvo específico, que permanece mais ou menos isolado do grupo e é atingido por ele.

Das ferramentas mais utilizadas no bullying social ou emocional temos a “fofoca”, os boatos, as calúnias e difamações, conversas ao “cantinho e à esquina” para maldizer o Outro; usa-se muito também o “colocar mal o outro em público”, questionar ou manchar a sua reputação, ridicularizar até…

A fofoca e o ostracismo social são frequentemente ignorados ou negligenciados nas escolas, por educadores, professores e funcionários, que não se apercebem do que se passa com muita clareza – não têm a percepção ou consciência disso, ou acham natural (regras de dominância, etc…). O sujeito, a vítima, vai ficando no entanto devastado no seu interior, sente-se humilhado e acima de tudo não amado pelo Outro.

É uma agressividade brutal, que no entanto passa camuflada. Porquê?…Porque muitas vezes são as “meninas lindas” e os “meninos modelo”, excelentes alunos e alunas, líderes por excelência, que tomam o seu grupo de fãs e deixam uma menina ou um menino completamente subjugado emocionalmente por esse grupo, sem defesa…Atenção que não há propriamente actos visíveis de agressão física ou mesmo verbal – não é como nos filmes norte americanos mais populares em que a menina ou o menino é visivelmente mal tratado pelo grupo de “pessoas populares da escola”…É muito mais discreto. Aquela criança ou adolescente não entra nos jogos a não ser por iniciativa de um adulto. Não recebe convites para festas. Vê a sua vida devassada pela fofoca escondida, sob os olhares maliciosos e em silêncio de quem ouve. Mas não +e realmente maltratada fisicamente por ninguém, pelo menos numa primeira fase. Nem recebe insultos ou ameaças verbais, nesta forma de bullying (embora possa evoluir para isso com o tempo e dependendo por vezes da resposta ou fragilidade da própria vítima – mais uma razão para ser ajudada desde logo, e nunca ficar isolada e sem proteção).

No mundo dos crescidos é igual. Maiores as defesas, menos pessoas a compactuarem com isso, também menor consciência de que algumas coisas são de facto formas deste bullying relacional…mas ele acontece.

Nas famílias também – sempre que todos se juntam apenas para fofocar da vida de um deles e ostracizá-lo literalmente – pode ser um dos filhos, um dos pais, uma nora, um genro, uma irmã ou um irmão, enfim “sorteiam” um dos seus membros e alimentam essa entidade com vida própria: “a fofoca” – das piores entidades de que já ouvi falar. Destrói vidas. Se ainda achava que “um bocadinho de fofoca” não tem mal, desiluda-se, ela é corrosiva e letal.

Apraz-me pensar que tudo tem um retorno, e que a seu tempo, as e os que vão destruindo vidas emocionais, vão conseguir perceber e reflectir nas suas próprias acções, mudando esse rumo…
Mas entretanto, houve gente magoada pelo caminho…”bodes expiatórios” onde o grupo liderado por um líder, infligiu dores que permanecem…

Claro está que em cada grupo o bullying social toma contornos diferentes, e as medidas para o impedir são diferenciadas.
– Mas uma coisa é comum em todos os grupos como forma de evitar ou travar o bullying social:
1. Devemos todas e todos fazer sempre um esforço para ser muito mais assertivos e aprender a sê-lo – nem sermos agressivos nem passivos. Ensinar as crianças e adolescentes, bem como as pessoas mais velhas, a fazê-lo é “meio caminho andado”.
2. Em Instituições – escolas, lares, empresas – deve fomentar-se a cultura assertiva entre pares e não fomentar nem alimentar a cultura da competição e da agressividade.
3. O agressor ou agressora deve ser levado a reflectir e aprender a ser assertivo.
4. As testemunhas ou cúmplices no grupo devem parar de alimentar fofocas, “cantigas de maldizer”, boatos, ou afins. Se não houver um grupo a alimentar isto, quem agride directamente deixa de o poder fazer. Devem aprender a ser assertivos e não compactuar com este tipo de coisas.
5. As vítimas devem procurar ajuda psicológica quando com essa capacidade e idade para tal, ou devem fazê-lo os seus pais ou tutores se acharem bem, em seu nome, se sentirem que estão a sofrer com este tipo de actos. Nunca se devem isolar, e devem procurar não só não ter medo, como aprender a ser assertivos, e sê-lo sempre que possam. Devem procurar outros grupos ou pessoas que não compactuem com essas, e nunca por nunca ser, ficarem sozinhas em sofrimento.
6.Pais, educadores, professores, psicólogos, outros funcionários de escolas, lares de idosos, lares de infância e juventude,etc., chefias e RH das empresas, etc., devem estar particularmente atentos e intervir se detectarem este tipo de bullying.
7. Quem se apercebe de bullying, vítima dele ou testemunha, deve intervir ou transmitir a quem possa fazê-lo.
8. Para mim, quem reflicta e se aperceba de que é agressora ou agressor deste tipo de bullying, deve parar de o fazer de imediato, e procurar ajuda psicológica se perceber que não consegue parar de o fazer.
9. Todas e todos devemos alimentar uma sociedade tolerante e respeitadora do Eu e do Outro, desde a primeira infância à quarta idade, passando por todas as faixas etárias no processo que é a vida.
10. Por mais insignificante que possa parecer a fofoca e os boatos, o “mal dizer” é sempre nefasto e nocivo. Corrosivo para todos na verdade. Devemos procurar falar mais de ideias do que de pessoas, elogiar mais e criticar menos, aceitar aqueles que são diferentes e respeitar as suas decisões de vida. Devemos tentar não interferir tanto com a vida alheia, a não ser que achemos que podemos ajudar, e que essa ajuda seja bem recebida.
Devíamos ser mais solidários.
Não alimentar a fofoca e o julgamento de valores é um passo.
11. Se é agressor, aprenda a deixar de o ser. Compreenda que isso não é uma atitude normal e saudável do ponto de vista psicológico. Se o seu filho ou filha é um destes tipos de agressores subtis e se você se aperceber disso aja urgentemente. A vítima precisa de ajuda, mas quem agride também. Muitas vezes quem agride foi vítima anteriormente, ou está pelo menos em sofrimento psicológico e não sabe lidar com essa dor ou com essa raiva…ou seja, não parta do princípio de que isso é natural, ou da personalidade da criança ou do jovem. Pode muito bem não ser. Se de uma criança se tratar, deve também ser ajudada a entender, em primeiro lugar que isso é uma atitude errada (por vezes não percebem isso, e cedem aos tais ímpetos de dominância inatos no homo sapiens sapiens – que somos todos nós -, mas contornáveis pela educação emocional e social!)
12. Se é testemunha e nada faz, deixe de o fazer e faça algo de útil pela vítima, e nunca sucumba ao “líder”…
13. Se é vítima, na escola, na família, na empresa, num lar, num bairro, etc., procure ajuda técnica. Não é você que está errado. Quem o faz passar por isso é que está, embora muitas vezes não se aperceba do mal causado…é um facto.
Nunca permita que o ridicularizem para pertencer a um grupo. Não permita que o magoem ou firam. Não permita nada que atente contra os seus sentimentos ou os dos outros. Afaste-se de grupos onde se sinta mal de alguma forma, onde se sinta infeliz, diminuído ou ferido nos seus sentimentos.
– Treze passos para que o bullying possa ser travado, de uma forma geral (depois em cada grupo de pertença, e de acordo com as características da situação em si, divergem as acções a ser adoptadas e o tipo de intervenção concreta).

Viver e deixar viver. Respeitar e ser respeitado. Tolerar e ser tolerado. Amar e ser amado. Premissas fundamentais para uma vida social de paz.
Quando a sociedade se mobiliza para ser solidária e capaz, evoluímos todos.
O bullying pára quando a sociedade coopera e é chamada a intervir, quando alguns decidem parar, ele pára; e isto é feito nas mais pequenas coisas, mas que tudo podem mudar.
Muito haveria para aprofundar nesta questão…mas hoje, fica apenas esta reflexão.
Não permita que o bullying social ou relacional faça de si bode expiatório, nem permita que isso aconteça a outros à sua frente.

Não alimentar o bullying passa por não rir de piadas que ostracizem, magoem, diminuam ou humilhem alguém; não alimentar a fofoca e a má língua; não deixar que façam de si cúmplice ou vítima, e jamais ser agressor.

Se ainda não tinham posto isto na primeira pessoa, é isto precisamente que esta reflexão pretende…
Podemos ser agressores, testemunhas e vítimas, nalgum lugar, nalgum momento.
Não permita nem mais um dia de bullying.

Criemos uma sociedade fraterna e cooperante, estejamos atentos, sejamos interventivos no bom sentido, assertivos e informados. Saibamos também pedir ajuda quando precisamos dela. Ajuda técnica se preciso for.
Todas e todos juntos, por um Mundo melhor.
Que assim seja.