C de Cookie

Há, algum, muito, depende, é relativo, tempo atrás, percorríamos 2008, um namorado, o João, o primeiro, incentivou-me a escrever, estruturando o discurso em frases feitas, lugares comuns, clichés, chavões, muletas linguísticas, apesar de não me rever, aceitei, o tema devia dar-me pano para mangas, centrei-me nos animais domésticos, e na sua relevância, para quem os estima, para quem, à minha imagem, não os vê como um objeto, um adorno, um acessório, uma vaidade, uma espécie de alter-ego, mas como uma deliciosa companhia, e complemento, de quatro patas, a quem muito devemos, hoje, fazes anos, oito, parabéns, amora! Este, texto, é para ti, como se dele precisasses, ou como se eu necessitasse de datas para me lembrar de ti,

no dia em que te conheci, martelaram-me, literalmente, diante de mim, o telemóvel, na altura, um nokia 2310, oferecido por uma amiga, contudo, o mundo prosseguia, pula, e avança, vão-se os anéis, ficam os dedos, há mar e mar, há ir, e voltar, há mais marés que marinheiros, bastava haver interesse e a comunicação manter-se-ia, minutos antes, acontecia o habitual, a rotina lá de casa, desde os meus catorze anos, eu arrumar a cozinha, depois do jantar, todavia, minutos antes, o imprevisto, também, ocorria, virem apressar-me, aguardava-me uma surpresa,

lavei as mãos, fechei a torneira, dirige-me à porta e deparei-me contigo, tão, frágil, pequena, e ingénua, que dava dó, só de pensar, como é que alguém vos pode abandonar, pura, e simplesmente, sem dó, nem piedade, em férias, em dificuldades, em que circunstâncias for, vos pode esquecer, ou olvidar que vocês, na qualidade de seres vivos, também, sentem, e experienciam, tão bem, ou melhor, do que nós, ditos, na gíria, só, na teoria, humanos, animais, racionais, à partida, o que é a dor, a carência, a rejeição, a abnegação, o frio, a fome, o medo e o afeto, tão, frágil, pequena, e ingénua, que só dava vontade de te pegar ao colo, tudo, o que é pequeno tem graça, dizem, e foi exatamente isso que fiz, sem mais delongas, assim que te aconcheguei, junto do meu peito, e te afaguei, enfiaste o focinho pela abertura do meu casaco de fato de treino, entendi-o como um Fica comigo, não me largues, só preciso, só quero, mimo, de resto, deixa comigo, portar-me-ei bem, prometo, -te, beijei-te a nuca, começaste a lamber-me e permaneceste enroscada, entretanto, perguntaram-me, Queres ficar com ela?, Pronta, e afirmativamente, respondi, sem hesitar, não havia, quaisquer, dúvidas, há muito que te queria, ainda que a resposta fosse, sempre, a mesma, esta, Tu estudas e eu trabalho, só voltamos de noite, vivemos num prédio, temos vizinhos, depois, virá o pêlo, o ruído, não tempos tempo para lhe dedicar, não dá, Ana, um dia, sempre um dia, sempre presa, por ter cão, ou por não ter,

e o dia acabou, mesmo, final, e felizmente, por chegar, no entanto, tardou, nesse intervalo, estabeleci contacto com outros felpudos, o Toddy, o Óscar, a Daisy, o Boris e a Mimy, quem não tem cão, caça com gato, o Toddy, o senhor cão, que vivia cá fora, o único que sempre receei, talvez pela ausência de proximidade, e, consequentemente, de relação, o Óscar, um gato excecional, maioritariamente preto, de manchas brancas, e cinzentas, olhos verdes, adepto de sesta, nas calçadeiras, ou sob os guarda-fatos, a Daisy, amorosa, uma rafeira, castanha, que nos cedia, de imediato, a pata, à entrada, senão a acariciássemos, roçava-nos a cabeça, a suplicar, a duplicar, o pedido, o Boris, um verdadeiro husky, olho de cada cor, um azul, outro castanho, resgatado, em, boa, hora, pela minha madrinha, da clínica onde, ainda, trabalha, dormia, sempre, fresco, no chão, debaixo da, nossa, cama, a Mimy, diminutivo de Mimosa, a gata, malhada, laranja, cinza, e branca, encontrada durante uma viagem, desperta, de automóvel,

foi, inclusive, ela, a minha madrinha que me incutiu o gosto pelos, demais, bichos e quem me demonstrou como é possível, e salutar, a sua convivência, educados, higiénicos, sociáveis, dóceis, e felizes, desparasitámo-los, uma vez por mês, levámo-los, regularmente, ao veterinário, a par do respetivo boletim, passeámo-los, todos os dias, lavámo-los, de quinze em quinze dias, atribuímos-lhes um nome, breve, curto, alimentá-los, consoante a idade, gosto e peso, e mimámo-los sem medida,

inicialmente, vivias na marquise, envolta em mantas, e brinquedos, que, com o passar dos dias, foram desaparecendo, por obra do espírito santo, ou porque, inevitavelmente, os ias roendo, por esses, iguais, momentos, espreitava-te, pelo postigo da cozinha, e confirmava, se respiravas, se comias, se dormias, se te mexias, no fundo, se estavas bem,

daí à aquisição da casota, foi um ápice, aí, estreaste o pátio, por pouco tempo, em dias frios, agrestes, ou de maior fraqueza física, tua, regressavas a casa, como o dia da castração, no qual chorei, que nem desalmada, pois, de tão mole, e pedrada estares, não prestaste, nenhuma, atenção aos biscoitos,

para que interagisses, mais, e melhor, connosco, tivemos de te nomear, aqui, a dúvida residiu na eleição de um particular, especial, como tu, da listagem já sobejamente destacada, Pantufa, Lassie, Eddie, Farrusco, Faísca, Beethoven, Bobby, Black, D’artagnan, Dolly, Gastão, Fiffi, Ozzi, olhando-te, a mãe resolveu chamar-te por um que começa por C, óbvio, C de Cão, C de Cadela, C de Cookie, de bolacha tão doce que és,

cão é cão, porém, é para ser tratado como nós, com respeito, responsabilidade, dignidade, conforto, e amor, para isso, existem os Direitos dos Animais e obras, por exemplo, Cão como Nós, de Manuel Alegre, Marley e Eu, de Jonh Grogan, e Cães como Nós, um dos artigos da jornalista, e apresentadora, Rita Ferro Rodrigues, publicados no seu Parapeito,

tu que chegaste,

tu que chegaste, para ficar,

tu que, te, aconhegas, te,

tu que, te, aconchegas, te, para durar,

tu que aprecias colo,

tu que nos felicitas,

tu que nos lambes,

tu que nos conheces,

tu que nos apaixonas,

tu que nos unes,

tu que ladras por medo, cão que ladra não morde,

tu que gostas de dormir, estar, viver, connosco,

tu que foges de agitação, barulho, transportes, lixeiros, foguetes, discussões, aspiradores,

tu que gostas, incrivelmente, de comer, quem sai aos seus não degenera,

tu que não cobras,

tu que só dás,

tu que estás,

sempre,

tu,

sempre,

tu,

tu serás, sempre, a minha Cookie, de quem eu vou gostar, proteger, cuidar, amar, sempre, por muito que me digam que ladras, que assustas, que não habitamos num jardim zoológico, porque os cães ladram e a caravana passa,