The C Factor

Presumo que a maioria dos leitores esteja a pensar que me equivoquei na escrita do título, porque na realidade queria reportar-me àquele badalado programa de TV “The X Factor” que já estreou em muitos países há algum tempo atrás e continua a liderar audiências. Mas não, não me enganei. Hoje quero falar-vos de um outro que já se implantou em Portugal há muito tempo atrás e está muito presente no quotidiano dos portugueses, o Factor Cunha.

De acordo com o dicionário de português o termo cunha, entre outros significados de âmbito funcional e/ou utilitário, está relacionado com uma “pessoa influente que pede em favor de outra com empenho” ou “empenho ou recomendação de pessoa importante ou influente”. Depois desta breve explicitação credível acerca de um termo tão vulgarmente usado em Portugal parece-me lógico afirmar: quem nunca se cruzou com um(a) “cunhado(a)” – perdoem-me o neologismo – que atire a primeira pedra. Pois é, quantos de vocês já experimentaram o sabor de serem educadamente dispensados, mesmo tendo excelentes competências profissionais, uma vez que o lugar já pertencia a alguém que tinha sido recomendado por a tal “pessoa influente”? A resposta é quase automática: a esmagadora maioria.

O “The C Factor” trata-se de um reality show sem precedentes no nosso país, sendo apenas equiparável à Casa dos Segredos, ou seja, o que importa é ficar em primeiro lugar, não se olhando a meios para atingir os fins. Depois de se estar confortavelmente sentado no pelouro, realizando as mais lucrativas presenças por tempo indeterminado, o fim também é óbvio: cruzar os braços e aguardar que mais um dia de “trabalho” termine. Este ciclo vicioso, a cunho-dependência, não deixa de ser desgastante, porque não fazer nada também cansa… Ó se cansa! A título de exemplo, façamos uma breve incursão ao mundo das autarquias. Tema sensível este, eu sei. De facto a publicitação de concursos públicos em Diário da República é mais ou menos frequente, dando-nos a falsa sensação de que há bastante trabalho por realizar. A documentação exigida para formalizar a tão almejada candidatura é diversa, mas ainda assim conseguimos reuni-la e envia-la por correio, pagando, claro, uma taxa por excesso de peso… Tanta é a papelada. Esperamos e esperamos, mas a resposta nunca chega ao remetente. Porquê? Ora, esta é fácil, então não estamos a abordar o “The C Factor”? As autarquias portuguesas constituem um segmento onde este reality show se assume com maior preponderância e o mais ridículo de tudo está na sua descarada visibilidade, assim como ousadia. De facto, “pessoas influentes” não faltam nestas instituições… Competentes e/ou trabalhadoras? Bem, isso já é outra questão. Mas estão lá, sabe-se lá como, uma vez que os processos de recrutamento primam pela transparência e imparcialidade. Quantos de vocês já tiveram de se deslocar à autarquia do vosso município e deparam-se com a divisão administrativa temporariamente fechada quando devia cumprir o horário de funcionamento? Quantos de vocês, nas mesmas circunstâncias, deparam-se com o(a) técnico(a) a telefonar aos amigos em pleno horário de trabalho para contar as experiências vividas durante o seu fim-de-semana no “Allgarve” enquanto a fila se vai acentuando? Quantos de vocês se julgam espertos e decidem tentar o sistema de e-mail para evitar filas e não recebem uma única resposta? Para esta última tenho uma resposta… a culpa é das frieiras que se formam com o frio e impedem qualquer um de escrever. Independentemente de se sofrer ou não de frieiras, o Factor Cunha ganhou uma triste dimensão, parecendo ser, em muitos casos, a única forma de se conseguir trabalhar… As competências profissionais são banalizadas, porque “o avô, o tio, o primo ou o papagaio trabalha lá…”, logo, por inerência, “este também tem de trabalhar”. Dar oportunidade a um zé ninguém? Hum… Mas quem o recomendou? Enviou CV por iniciativa própria. Mas isso existe? Temos cá disso?

Viva o “The C Factor” que, pelo andar da carruagem, não parece ter fim à vista, logo o melhor é convivermos pacificamente!