Café Halloween

Café Halloween. Um restaurante escondido nos arredores lisboetas. Era pouco conhecido nacionalmente, pois era pouca a publicidade encontrada na rua ou nos media a respeito deste espaço. Uns encontravam-no por acaso, outros recebiam recomendações de amigos que lá tinham ido. Embora funcionasse o ano inteiro, era no Carnaval e no Halloween que tinha o seu pico de atividade, sendo conhecido pelos seus menus especiais, pelo seu culto do terror e pelas suas lendas relacionadas, sobretudo, com o Dia das Bruxas. A lenda mais conhecida está relacionada com os clientes que visitam sozinhos o restaurante na Noite das Bruxas. Esta reza que, quem lá entra sozinho, nunca mais sai de lá. Os mais supersticiosos visitam o restaurante em pares ou em grupos. Os mais aventureiros vão sozinhos, isto se os houver, pois nunca ninguém contou a história. Talvez para alimentar a lenda, talvez por terem desaparecido mesmo.

Desde muito novo que alimentava a curiosidade de visitar o Café Halloween na noite de Halloween e, em 2013, decidi marcar uma mesa para mim. Embora, tivesse muita gente interessada em ir comigo, preferi vir à aventura e viver a lenda por mim mesmo.

– Tem a certeza? – Pergunta o funcionário do restaurante a quem fiz a reserva e, ao qual, respondi afirmativamente.

A reserva foi feita em Janeiro e esta antecedência era necessária, uma vez que vinham pessoas de todo o mundo para experimentar os sabores únicos deste restaurante. Este restaurante era mais conhecido fora de Portugal, talvez por aqui as celebrações do Halloween não serem tão grandes. Escolhi o ano de 2013, pela simbologia do número 13, senti que era a data certa. Nesse ano trabalhava para a revista Mesas com Sabor, ainda com pouca força no panorama jornalístico e senti que este poderia ser, também, o salto que a minha carreira e a revista precisavam. Não havia, no mundo, um único artigo sobre este espaço. Sabia que a curiosidade sobre a lenda era enorme, de escala mundial, e escrever um artigo sobre a lenda e desmitifica-la, ou alimentá-la, poderia elevar-me a mim e à revista para níveis impensáveis.

Chegou a data e saí de casa por volta das 18 horas. O bom de ter feito marcação é que não ia ficar horas à porta à espera. Algumas pessoas apenas jantavam já de madrugada e o restaurante não tinha hora de fecho, a partir do momento em que abria às 11 horas da manhã deste dia. Também não sei por quantos dias fechava depois desta maratona, mas não eram poucos com toda a certeza. Quando chego à rua do restaurante, sinto logo o clima de terror no ar, misturado com o ar entusiasmado de quem estava à porta à espera. Ao aproximar-me do restaurante, ouvimos gritos de pânico e terror que pareciam tão reais que algumas pessoas se mostravam assustadas e outras, embora poucas, desistiam de entrar. Nada me iria impedir de entrar naquele restaurante, nem a mais tenebrosa das assombrações.

Entro e tenho o meu lugar à minha espera. As pessoas olham algo surpreendidas quando vêm alguém a entrar sozinho. Reparei nisso na minha entrada e na de mais 3 pessoas solitárias que vieram à aventura. Algumas, que se conhecem na fila, formam grupos e entram assim no restaurante, tentando assim dar a volta à lenda.

Os funcionários do Café Halloween estavam todos vestidos a rigor. Quando me sentei na minha mesa, fui atendido por uma senhora vestida de Múmia, enrolada em papel higiénico com algumas manchas vermelhas, a simular sangue.

– Boa noite, seja bem-vindo ao Café Halloween.

– Boa noite e obrigado. É a primeira vez que cá venho e estou muito curioso com este espaço e com tudo que se diz dele.

– Esperamos corresponder às suas expectativas e acredite que vai poder viver todas as experiências que o nosso restaurante tem para lhe dar – Diz-me ela numa mistura de simpatia e psicopatia, talvez a trabalhar a sua personagem.

– Bonito disfarce, múmia assassina?

– Não, múmia com período – ri-se – Nós, mulheres, não temos folgas nesta altura do mês e o papel higiénico também está caro para o desperdiçar com estas coisas da natureza. Espero que não seja um incómodo para si.

soiree-halloween-nourritures-buffet-cocktail– Não, claro que não – Deixo-a a trabalhar na sua personagem, à qual achei piada. Se sobreviver à lenda, até estava capaz de a convidar para um jantar numa outra altura do ano e do mês. Não consigo ver muitos dos traços do seu rosto, mas pareceu-me ser uma mulher bonita. – Como lhe disse, é a minha primeira vez aqui. Aconselha-me algum prato em especial?

– Aconselho o nosso prato especial que será servido apenas hoje e para pessoas que vierem sozinhas, como é o seu caso.

– Ai sim? Não preciso de saber o que é? Pode ser esse!

– Muito bem, uns Bifes da Mãe Elisa.

– Receita da Mãe Elisa?

– Não, é a carne dela. Ela deu tudo por esta casa e hoje deu o corpo, embora de forma involuntária, mas deve ter sido o choque inicial de ver uma faca apontada a si. Há 25 anos fizemos o arroz da Maria, com carne da avó Maria Sabina. Achei a criatividade deste espaço soberba, mas acredito que pudessem haver muitas pessoas a desistir do prato ou mesmo do jantar, depois de ouvir uma coisa destas. Eu estava cada vez mas curioso. Perguntei o que havia para beber.

– Temos sangria, apenas. Qual é a percentagem de sangue que vai querer?

– Hmmm… 8% – respondo eu, entendendo como percentagem de álcool. – E, já agora, quem doou generosamente o sangue?

– A Mãe Elisa e alguns sem abrigo que andavam a pedir comida por estas bandas. O vinho com o sangue dos sem-abrigo é mais forte, mas eu trago-lhe um copo especial, exclusivamente com o sangue da Mãe Elisa.

– Então e quando não é a patroa a dar a carne, quem é que costumam cozinhar?

– Pessoas como o senhor, que aparecem aqui sozinhas e de quem ninguém vai dar pela ausência antes do final da noite.

Ela afasta-se da mesa num tom maléfico. Não sei que conversa davam os outros empregados aos clientes, seja aos grupos ou aos solitários, mas estavam todos muito divertidos mas suas mesas. Tinha gostado do atendimento que tinha recebido, embora um pouco estranho, mas dentro do espirito da época. A empregada que me tinha atendido consegue ser muito realista naquilo que diz.

O meu pedido demorou cerca de 15 minutos a chegar e, pelo meio, recebi as entradas que consistiam em “olhos de cão”, o que eu considerei serem azeitonas com corante branco. E estas azeitonas tinham um sabor diferente, assim como a carne que comi, talvez fosse do molho, que tinha um tom vermelho sangue. Não estava mau, muito pelo contrário, estava óptimo. Chamei a empregada que me tinha atendido para tentar descobrir o segredo do sabor da carne e do molho e ela insiste na conversa da carne e sangue humanos.

– Alguma vez provou carne humana?

– Não.

– Está com cara de quem está a gostar.

– E estou. Gostava de saber o segredo para tentar fazer em casa.

– Venha cá mais vezes, todos os dias temos carne humana a sair.

Ela pisca-me o olho e afasta-se em direcção a outra mesa. Quando acabo a minha refeição e chamo novamente a empregada para saber o que é a sobremesa.

– Temos Doce da Casa, Sangue de Camelo, Pudim de ovários e salada de órgãos.

– Órgãos humanos?

– Sim, claro, é a nossa especialidade usar a corpo humano nos nossos pratos.

– Porque não abriram negócio junto de uma tribo canibal?

– Porque eles comem carne a toda a hora. Nós queremos dar aos nossos clientes experiências novas.

– Mas eu nunca tinha ouvido dizer que vocês serviam carne humana.

– Não a vendemos como tal, nas outras datas. – Voltou a piscar-me o olho, o que me voltou a fazer acreditar que tudo não se estava a passar de uma fantasia. Não que alguma vez tenha acreditado. Ok, talvez só um bocadinho.

– Vou querer então o sangue de camelo.

– Vem já a caminho.

– De Marrocos?

– Não, este era bem português. Apareceu aqui à porta para cobrar umas contas e abatemo-lo à paulada.

Se tivesse ouvido todas estas coisas noutro dia do ano, já me tinha ido embora. Mas era Halloween e achei normal. Era como se estivesse a ver um filme de terror, mas à mesa.

A sobremesa chega e na tigela vinha uma pasta encarnada que comi e não me soube mal. À semelhança do que tinha acontecido com o jantar, o sabor era de todo novo para mim. Pergunto-me sobre que ingredientes seriam utilizados. Como não sou adepto de café, pedi a conta à empregada. Ela demorou mais que o habitual, relativamente ao tempo que demorou a responder-me aos pedidos durante a noite. Começo a sentir-me zonzo. Ela aparece e eu pago de imediato a conta sem lhe dar muitas conversas e vou em direcção à casa de banho.

Não me lembro de entrar na casa de banho. Não sei o que aconteceu nos minutos seguintes, ou horas, não tenho noção de quanto tempo passou. Abro os olhos e vejo a empregada que me tinha atendido a noite inteira.

– O que se passa? – Pergunto eu, algo assustado. – Onde estou?

– No matadouro.

– Matadouro? Mais alguma brincadeira de Halloween?

– Brincadeira? Não, claro que não. Nunca ouviste dizer que não se brinca com a comida?

“Mais uma brincadeira de Halloween”, penso eu, afinal este restaurante gosta mesmo de viver esta data à grande. Mas porque nunca ninguém falou sobre isto antes?

– Que cheiro é este?

– Consegues sentir o cheiro? Óptimo, assim podes saber qual é o segredo dos nossos sabores antes de tu mesmo seres o próximo sabor.

Não consegui conter o riso.

– Achas piada? Nunca vi ninguém tão feliz antes de morrer. Deves ser um caso especial. Espero que as pessoas gostem da tua carne.

– Depende do perfume que estiver a usar. – Disse eu em tom de gozo.

– Não te preocupes que os nossos temperos abafam esse sabor. Eu não sei se já percebeste, mas vais mesmo morrer. Isto não é uma brincadeira.

– Estou aterrorizado. – Digo eu com tom irónico.

Ela espeta-me uma facada na perna.

– Isto não é uma brincadeira!

Ao sentir a faca a espetar na minha perna e a dor toma conta de mim, enquanto o sangue me escorre perna abaixo, apercebo-me que tudo aquilo que estive a viver nas últimas horas era afinal verdade.

– O que é que se passa aqui?

– Não tenho muito tempo para falar. Estamos aqui a perder muito tempo e precisamos de te ter pronto para as próximas refeições. A carne da Mãe Elisa está a acabar.

Tinha muitas perguntas para fazer naquele momento, mas a dor e o pânico impediam-me de emitir qualquer palavra.

– Não há pessoa que venha cá sozinha e saia daqui viva. Entram aqui de barriga vazia, enchem a vossa barriga e depois enchem a barriga de outra pessoa. As outras pessoas não se queixam, mas é possível que algumas se sintam mal. Os sem-abrigo não são muito saudáveis e eles são a nossa principal fonte de rendimento. Depois apanhamos alguém aqui sozinho, envenenamos a sua sobremesa e trazemo-lo para aqui para serem mortos e passarem a ser o jantar. – Ela faz uma pausa e aproxima-se de uma porta amarela ao fundo da sala onde me encontrava. – Ele está atrasado, deve estar a tratar de outros clientes primeiro. – É o teu dia de sorte, ainda vais poder viver mais uns minutos. Para além que provaste a carne da Mãe Elisa. Todos os anos matamos alguém especial para abrir os jantares desta data. Costumamos provocar acidentes na estrada e raptar os corpos feridos. Mas só de famílias ricas e numerosas. Este ano, como era uma data importante, faz 25 anos que a Avó Maria Sabina se suicidou para dar ao mundo a sua carne e, por isso, decidimos matar a sua filha. Ela ficou furiosa. Espero que não te dê uma dor de barriga. Não é que a saúde te vá fazer falta daqui a umas horas, mas não desejamos mal a nenhum dos nossos clientes.

476e8a48e4d0b337477fdf0f71ce18d6Ela volta a ir à porta, ainda à espera do tal “Ele” que estava atrasado.

– Deve ter acontecido algum imprevisto. Devias ter vindo acompanhado. Não fazemos mal a pessoas que vêm acompanhadas. Iriam dar por falta de alguém e íamos ter problemas. Assim, ninguém dá logo pela vossa falta. Só passados alguns dias é que dão pela vossa falta e a polícia começa à vossa procura e desistem após algumas semanas. Enquanto isso, já vocês são fezes em algum esgoto qualquer. E, bem, como cocó, vocês são um pouco irreconhecíveis.

A maçaneta da porta move-se.

– Ele chegou! Ai adoro, adoro! Ver-vos a ser cortados e arrancadas as tripas e os órgãos. Espero que os tenhas em condições para a nossa salada de órgãos. Tenho pena que não tenhas provado o Coração de Melão, eu adoro essa sobremesa, misturamos coração e melão, mas hoje está frio e o melão não sabe tão bem. Fica para uma próxima.

– Boa noite Sofia, desculpa o atraso, o alemão da mesa 14 borrou-se todo e sujou-me o machado. Tive de o ir lavar. – Diz o homem que entrou pela sala adentro. – Isto vai ser rápido, tenho o pessoal à espera para beber umas cervejas.

– Porque não bebes uma aqui?

– A urina não faz muito o meu género. E para estar a pagar 2 euros por uma mini, vou antes lamber os urinóis que vai dar ao mesmo e é de borla.

– Nojento.

– Claro. Beber urina só é nojento se não for servida em garrafas.

– As nossas garrafas são limpas.

– Pois, pois.. Bem, vamos lá à matança do noss… Onde foi ele?

Enquanto eles os dois falavam, reuni as poucas forças que tinha para fugir. Nem a perna ferida me impediu de tentar dar a corrida da minha vida. O problema é que eu não sabia onde estava nem para onde devia ir. Apenas correr e ver por onde os corredores e as portas me levavam. Não percebi o porquê de não me terem amarrado, talvez esperassem que o veneno me deixasse mais incapacitado ou inconsciente. Era uma questão de tempo até eles virem atrás de mim. Vejo uma porta entreaberta e entro lá para dentro à procura de uma saída ou de um esconderijo. A sala era fechada, sem janelas e tinha um cheiro horrível. Procuro um interruptor e desejei não o ter encontrado. O chão da sala estava coberto de ossos e orgãos humanos. Os restos que não tinham sido cozinhados e que talvez ainda o fossem ser. Saio porta fora e reparo que estou a deixar um rasto de sangue por onde passo e penso que assim não será fácil fugir. Sejam quantas forem as pessoas que estão atrás de mim, têm uma perna a mais que eu, para além de conhecerem melhor o espaço. Não sei até que ponto não se estarão a divertir com a minha fuga. Continuo e encontro outra porta. Esta continha uma janela, muito no topo, da sala que era bem alta. Era fácil entrar por aquela janela e muito difícil sair de lá. Sinto algo no ar. Encontro o interruptor da luz e vejo o ar carregado de moscas varejeiras. No chão pairavam corpos de animais mortos, na maioria cães. Deviam ser atraídos até à janela e depois, de alguma forma, caiam ali para baixo. Se havia uma janela para o exterior, a saída deveria estar próxima. Não iria conseguir subir para ali, teria então de encontrar a saída e pedir ajuda.

Saí da sala e ainda sem sinal de perseguição. Alguma coisa se devia estar a passar. Continuo a percorrer o corredor e a espreitar por todas as portas que ia encontrando. Algumas estavam apenas vazias, outras todas sujas de sangue, outras com restos mortais de pessoas e animais. Todas elas cheiravam muito mal. Vejo então umas escadas e uma aragem fria a vir de lá. Ao cimo uma porta. Estaria ali a minha saída? Puxei das minhas últimas forças e subo-as. A portava estava aberta. Do outro lado esperavam-me a empregada do restaurante e o carniceiro.

– Eu disse-te que ele ia demorar menos de 20 minutos a chegar aqui – Disse o carniceiro.

– Ele tinha um mundo tão grande de fantasia na cabeça dele durante o jantar que pensei que iria andar à procura de uma passagem secreta na primeira sala que encontrasse. Vamos agarrá-lo!

Eu tento voltar para trás para fugir e caio pelas escadas abaixo. Eles os dois correm na minha direção.

– A tua noite acaba aqui – Disse a empregada com uma faca na mão. O carniceiro segurava outra – Agora escolhe, doçura ou travessura?

– ESCOLHE! – Grita o carniceiro perante o meu silêncio. Por muito que eu quisesse responder, nenhum som saía de dentro de mim.

Os meus olhos fecham.

– Ele é uma doçura, escolhemos travessura. – Oiço a voz feminina da empregada a falar ao carniceiro.´

De repente, e antes que pudesse sentir alguma coisa a atravessar o meu corpo, oiço dois estrondos enormes. Dois corpos pesados caem em cima de mim. Tento abrir os olhos e percebo que tenho os corpos da empregada e do carniceiro em cima de mim, cobertos de sangue que lhes saia abundantemente pelos corpos. Pareciam alvejados, talvez o barulho que tivesse ouvido fossem tiros. O que se estava a passar? Era a minha oportunidade para fugir mas faltavam-me forças. Volto a fechar os olhos e pouco segundos depois sinto os dois corpos a serem arrastados de cima de mim. Uma mão áspera toca-me na cara. Eu abro os olhos e vejo um rosto familiar. Um rosto que não via há anos, o meu irmão Ricardo.

– Desculpa mano, desculpa – Ele abraçou-me, enquanto as lágrimas corriam pelos seus olhos.

Não via o meu irmão desde o primeiro Halloween dele como adulto. Nunca mais apareceu em casa. Procurámos durante dias, semanas, meses.. Ele nunca deu sinal de vida. E agora estava ali a salvar-me de ser executado. Mas estava fardado com a roupa do restaurante. Ele trabalhava para eles, ele colaborava em crimes horrendos e secretos. Eu não sabia o que pensar.

– Eu queria tanto poder explicar-te a ti e aos pais o que aconteceu nos últimos anos, mas não tenho tempo, tu precisas de sair daqui, se te queres safar. Eu vou esconder estes dois corpos e tu tens de fugir antes que alguém te veja. Não voltes a meter os pés aqui nesta zona nem neste restaurante. Nem venhas à minha procura.

Mil e uma perguntas correram-me pela cabeça naquele momento. Não sabia o que dizer, nem o que pensar. Não percebi como é que o meu irmão se juntou àquele grupo, àquele restaurante, como foi capaz de tal coisa. Mas salvou-me e tinha razão, eu tinha de sair dali. Com a ajuda dele levantei-me e saí dali. Após descer algumas ruas, escuras e vazias, chamei um táxi e pedi para me deixar à porta do hospital. Entrei pelo hospital adentro e disse ter sido vítima de atropelamento e fuga e que, pelo meio, tinha sido abordado por um grupo de jovens que me esfaqueou e assaltou. Fui assistido e internado e tive alta ao fim de 3 dias. Pedi férias na revista e fui de férias para o Perú. Passei os últimos 3 anos com as imagens daquela noite na minha cabeça. Tornei-me vegetariano, ganhei nojo à carne e raramente não vomito quando como. Hoje, finalmente, tive coragem de relatar o que aconteceu. Escrevo-o porque falando fico sem palavras na boca, os meus ouvidos não querem ouvir o que se passou, mesmo que venha da minha boca. Vou fotocopiar e enviar para todos os meios de comunicação que conhecer. Não sei quantas pessoas para além de si estão a ler, espero que alguma ganhe coragem para fazer alguma coisa. Juntem-se e façam justiça. Entreguem a minha história às autoridades. Mas não venham atrás de mim nem me procurem. Eu já não estarei cá para contar a história. Quando acabar esta história, irei largar o computador e irei segurar a arma e apontá-la à minha boca e deixá-la acabar a minha história por mim