O campismo está a perder os seus valores…

Desde que me conheço, e que me lembro de olhar para entre as pernas e constatar que tinha algo diferente do que a minha irmã tinha, que faço campismo. Existem várias formas de se acampar e diferentes gostos pela prática do campismo. Há quem goste do sossego de um parque de campismo, com todas as comodidades mínimas possíveis que um parque de campismo pode oferecer, e há quem prefira o risco e a aventura do campismo selvagem. Apesar de já ter experimentado vários tipos de campismo, confesso que, aos 34 anos de idade — e pai de uma petiz de 14 meses —, prefiro o sossego de um parque de campismo. Mas não posso deixar de aconselhar os mais jovens a experimentar o campismo selvagem — pois é uma bela de uma oportunidade para experienciar e descobrir coisas que, até à data, só era possível visualizar em filmes (vá, também não é necessário focarem-se apenas no que acontece no filme Broke Back Montain, pois há variadíssimas situações que podem acontecer quando se pratica o campismo selvagem. Façam o favor de serem um pouco mais criativos…).

Todos os anos as minhas férias são passadas num parque de campismo a sul do país. Normalmente, as pessoas preferem alugar uma casa no Algarve e pagar resmas de dinheiro por uma casa minúscula onde todos têm praticamente de dormir em cima uns dos outros, mas eu como estou habituado a fazer campismo, férias que são férias sem o barulho hipnotizante dos pássaros pela manhã, não são consideradas férias. Mas eu sou eu e, como tal, compreendo que as pessoas prefiram outras opções.

Um dos segredos do bem-estar do campismo é o tão badalado “companheirismo” entre campistas. Algo que, a meu ver, é o exemplo de bondade e entreajuda que o ser humano é tão bem capaz de empregar — quando assim quer, obviamente. Mas, lamentavelmente, isso está a desaparecer aos poucos…

Se nos anos passados eu comecei a desconfiar deste facto, este ano tive a perfeita e final constatação que era a mais pura realidade. Lembro-me de fazer campismo, e quase todos os dias as pessoas juntarem-se para um churrasco. Se num dia era no alvéolo da família Fernandes, no outro dia a família Almeida estava a organizar o churrasco no seu cantinho. As pessoas comiam, bebiam, confraternizavam e eram, a meu ver, muito mais felizes. Se alguém precisasse de alguma coisa que se tinha esquecido de comprar, bastava ir pedir ao “companheiro” que de bom agrado fazia questão de facultar. Hoje em dia, infelizmente, isso já não acontece. As pessoas deixaram de ser prestáveis. Optam por se manterem nos seus alvéolos, evitando qualquer tipo de contacto com os seus vizinhos “companheiros”. Tornaram-se “caseiros”, não conseguindo desprender-se das suas rotinas quando estão nas suas habitações e não num parque de campismo. E até a mesquinhice abunda agora em altas doses industriais. Até o simples cumprimentar passou a ser escasso. As pessoas evitam sequer olhar para os outros quando se cruzam num parque de campismo, para assim evitar ter de dizer um simples “olá, tudo bem?”.

Antigamente, e especialmente no mês de Agosto, as pessoas tinham de ficar à espera nas filas para tomar banho. Ora isso, por si só, já é algo desagradável, mas as pessoas conviviam mesmo assim. Falavam, riam, trocavam ideias, tudo com um alto teor de “companheirismo” presente no sangue. Agora não. Agora as pessoas ficam ali, nas filas, calados, a olhar para os lados e para o tecto e a lançar olhares reprovadores para tudo o que se mexe — até assisti a um pássaro, que tinha o seu ninho num dos cantos do tecto da casa-de-banho, fugir de vergonha, tal era o ar de desprezo e intimador que um campista lançou na sua direcção.

Mas, felizmente, nem todos são assim. Aliás, os únicos que não funcionam assim são aqueles de quem menos se espera que sejam uns verdadeiros “companheiros” num parque de campismo. Falo, claramente, dos estrangeiros. Sejam ingleses, alemães, espanhóis ou de outra nacionalidade qualquer que não a portuguesa, fazem questão de falar, de dizer um “olá, tudo bem?”, num português de provocar gargalhadas estridentes. De mostrar que eles, claramente de forma honesta, estão embutidos do espírito de “companheirismo”. De tal forma que, num dos dias em que estive de férias num parque de campismo, fui convidado para uma churrascada no alvéolo de uns ingleses. Feliz e contente lá fui, esperando uma bela tarde de convívio com os verdadeiros “companheiros” do parque. Chegado lá, levei não com carne grelhada, mas sim com ovos mexidos com bacon e meias-de-leite.

Enfim, como “companheiros” não estão perfeitos, mas mesmo assim conseguem bater os portugueses aos pontos…

Isto é que é uma Vida de Cão, hein…