Caos em África: Poder aéreo sobre o Mali – Francisco Duarte

A única defesa apropriada é o ataque.”

J. E. Johnson

 

As forças armadas francesas iniciaram no passado dia 11 de Janeiro uma vasta operação militar no Mali com vista a combater e eliminar as guerrilhas islamitas que operavam no Norte do país desde o ano passado. Estes guerrilheiros haviam afluído aos desertos dessa região após terem fugido da Líbia, onde muitos haviam combatido pelo defunto ditador Kadhafi durante a guerra civil nesse país.

A situação no Mali não era já muito calma, com a organização tuaregue conhecida como Movimento Nacional para a Libertação de Azawad (MNLA) há muito a reclamar a independência do Norte, enquanto combatiam, factual e historicamente, os regimes argelino, líbio e chadiense, por regiões desses países que consideravam suas. As forças armadas malianas estavam muito mal-preparadas para o feito. Uma tentativa dos Estados Unidos de treinar e preparar as guerrilhas ligadas à al-Qaeda que já há muitos anos operavam na região resultou num profundo desastre militar que incluiu um golpe de estado nesse pobre país africano e a morte sob causas indeterminadas de diversos instrutores americanos.

O presidente Diouncounda Touré haveria de regressar ao governo do Mali mediante forte condenação internacional do golpe de estado militar, e prometeu que iria exercer uma guerra sem limites contra as forças que ocupavam o Norte do país. Infelizmente o exército desacreditado, desmotivado e mal–equipado não estava à altura dessas palavras. O MNLA apoiado pela al-Qaeda e outras forças que se haviam estabelecido sob a sua alçada avançaram para o Sul e pelo fim de 2012 ameaçavam mesmo atacar a capital, Bamako, sem grande resistência no seu caminho.

Vendo uma premente ameaça aos seus interesses na região e, inclusive, à segurança da Europa, o presidente francês François Hollande aprovou uma intervenção directa no Mali. As tropas francesas, muitas delas estacionadas no Chade, onde França tem uma base permanente, e na Burkina-Faso, avançaram sem pré-aviso na noite de 11 de Janeiro deste ano, e desde logo causaram pesados estragos nos guerrilheiros.

Desde então o contingente francês recebeu apoio logístico dos aliados e tropas adicionais de diversos países da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (ECOWAS). O contra-ataque tornou-se numa ofensiva total que empurra constantemente os guerrilheiros para trás.

Parte importante destas acções tem sido o destacamento aéreo francês que usa o completo domínio aéreo para lançar ataques devastadores às bases e linhas de abastecimento inimigas e oferecer apoio aéreo próximo às tropas no terreno.

As acções

As primeiras unidades francesas a entrar no território para efectuar uma acção ofensiva foram os helicópteros ligeiros Gazelle, logo na noite de 11. Foi aqui que as tropas gaulesas sofreram a primeira e única baixa reportada até agora. Enviados rapidamente para interceptar uma coluna inimiga que se dirigia para o Sul, os helicópteros estavam equipados apenas com canhões, que os obrigaram a aproximar-se e arriscar contra-fogo inimigo, como sucedeu.

Na mesma noite caças Mirage 2000D apoiados por Mirage F1s de reconhecimento atacaram diversas bases dos guerrilheiros com bombas e mísseis. Esta acção foi devastadora em termos materiais e psicológicos. Enquanto isto sucedia tropas terrestres eram movidas para Bamako e para as cidades na zona de fronteira entre território controlado pelo governo e pelo inimigo de modo a criar um tampão e neutralizar avanços inimigos.

Durante os dias seguintes Mirages continuaram a destruir posições inimigas enquanto as tropas francesas e do ECOWAS aumentavam a sua presença. Os progressos no terreno iniciaram-se no dia 15 e de lá até hoje este foi constante e consistente, apesar de alguns percalços.


As aeronaves

As grandes estrelas, por assim dizer, da Operação Serval têm sido os caças Mirage, correspondentes a duas gerações diferentes de aeronaves monomotor a jacto. Os Mirage F1CR, de asa em flecha são já antigos (entraram em serviço nos anos 70) e usados sobretudo em reconhecimento e apoio aéreo próximo para as tropas aliadas. Estão equipados com dois canhões de 30mm e podem carregar bombas e foguetes. Já os mais modernos Mirage 2000D são pequenos e compactos, de asas em delta, e desenvolvidos para ações de interdição em profundidade em território inimigo. A complexa electrónica requer dois tripulantes e não possuem armamento fixo, mas sim cabides sob as asas e fuselagem para uma grande variedade de armamento sofisticado como mísseis e bombas guiadas por laser, assim como sensores auxiliares para complementar os da aeronave em si.

Estes caças são apoiados por grandes aviões de abastecimento em voo C-135, que lhes permitem fazer as longas incursões destas últimas semanas. Para apoiar a logística necessária a toda a operação existem ainda aviões de transporte C-17 britânicos, canadianos, americanos e dos emiratos árabes. Também estão presentes no terreno C-130s franceses, belgas, espanhóis e dinamarqueses, assim como C-160s franceses e alemães que têm sido usados para o transporte de pessoal para o Mali, assim como para as extensas largadas de pára-quedistas franceses no teatro de operações.

Aeronaves de asas rotativas também têm tido uma ampla presença, como os Gazelle a servirem nos papéis de reconhecimento e ligação para que foram concebidos, deixando as acções de ataque para os modernos helicópteros de combate Tiger franceses entretanto colocados no terreno. Helicópteros de transporte Cougar são utilizados ara transportar tropas e retirar feridos, a par de um A109 belga de evacuação médica.

Mas há mais

O governo francês também tem utilizado a campanha para demonstrar o mais recente produto da forma Dassault, o Rafale, do qual há pelo menos 6 envolvidos nas operações no Mali. Um enorme investimento a nível nacional, o caça tem falhado em receber contratos, apesar das fortes campanhas nesse sentido e do único, embora considerável, sucesso na Índia.

Contudo, as causas últimas da campanha francesa em África serão assunto para uma outra altura.

Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso