Caos no Médio Oriente: Turquia vs Síria Pt.2 – Francisco Duarte

Continuação à análise das forças armadas turcas e sírias da semana passada.

M113 vs BMP-1

O transporte das tropas para a linha da frente e apoio de fogo as essas mesmas tropas representam um problema para todos os exércitos desde que a guerra se tornou industrializada. Os chamados veículos blindados de transporte de pessoal foram criados com vista a responder a essa questão, como o M113 presente no Exército Turco. A sua característica forma de caixa é conhecida em todo o mundo, estando inclusive presente no Exército Português, e na Turquia são usados em diversas versões. Já o Exército Sírio usa o BMP-1, originário da antiga União Soviética. Esta máquina mais baixa e angular do que o M113 tem sido vista várias vezes nas filmagens que nos chegam do Médio Oriente, e evidentemente que têm sindo amplamente utilizados para combater a revolta.

O equipamento e pessoal turco tem um longo historial de combate contra as forças curdas do PKK. Esta força de guerrilha corresponde ao chamado exército do Curdistão, uma ampla zona que cobre parte da Turquia, Síria, Irão e Iraque. Considerados o maior povo sem pátria do mundo, os curdos combatem já há mais de vinte anos contra os turcos, forçando-os a amplas operações blindadas e de infantaria, apoiadas pela Força Aérea. Recentemente al-Assad terá criado alianças com forças do PKK na Síria, de modo a que estas controlem o Leste do país, permitindo que as tropas governamentais que restam possam encetar ações em cidades do Oeste, como Damasco ou Alepo.

M60 Patton III vs T-72

Apesar de possuírem modelos mais recentes de fabrico europeu, como o famoso Leopard 2, os turcos ainda recorrem bastante ao já antigo M60 americano. Máquina nascida da Guerra Fria é ainda uma poderosa ferramenta blindada, apesar de começar a mostrar a idade. Já os sírios têm uma frota mais diversificada. O caso é que em disputas blindadas estes últimos têm um historial relativamente pobre. Os carros de combate que as forças sírias atiraram contra os israelitas durante as guerras israelo-árabes foram consistentemente despedaçados pelas armas e táticas superiores que enfrentavam. É de supor que o mesmo acontecerá se tiverem de enfrentar os turcos, igualmente bem equipados e treinados.

Atualmente é impossível saber quantos carros de combate restam, realmente, às forças leais a al-Assad, mas certamente que teriam dificuldades em aguentar uma ofensiva do Exército turco que conta com mais de 1500 unidades só contando com os M60s.

HK G3A7 vs AK-47

As principais espingardas automáticas utilizadas pelos dois países são das mais icónicas do mundo, ambas tendo sido desenhadas no período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial. A G3 ao serviço dos turcos é similar à que é utilizada em Portugal. Foi construída pela empresa alemã HK e é por muitos considerada uma das mais robustas e poderosas armas de fogo da História. A adversária síria é a icónica AK-47, arma de fabrico soviético amplamente utilizada em todo o globo, sobretudo em conflitos do terceiro mundo, e ao serviço de todas as fações da Guerra Civil na Síria. Digo todas porque a situação nesse país se tornou bastante complexa desde o início dos confrontos.

Bashar al-Assad é Alauita, uma fação dentro da vertente Xiita do Islamismo. Enquanto líder, reuniu em seu redor grande parte da lealdade desta comunidade, que corresponde apenas a 12% da população síria. O domínio desta pequena percentagem alienou, ao longo dos anos, a maioria Sunita, e esse foi uma dos grandes motores por detrás da revolta. Contudo, mesmo cada um destas grandes vertentes conhece diversas subdivisões internas, o que torna a situação dentro do país extremamente complexa e faz com que qualquer possível de intervenção externa seja vista com grande desconfiança. Para além disso, o apoio da China e Rússia a al-Assad e a presença não-oficial de tropas iranianas no país torna a possibilidade de escalamento do conflito demasiado real.

Classe Yavuz vs Classe Petya

Por fim existe a questão das marinhas de guerra. Novamente, encontramos diferenças amplas entre ambas as nações, e é evidente que neste parâmetro a Turquia domina com facilidade. A Marinha de Guerra síria esta absolutamente ultrapassada, e mesmo os parcos submarinos que tinha ao seu dispor já não se encontram ao serviço. Possui algo como 44 embarcações de pequeno porte, 10 embarcações de apoio e apenas duas fragatas da classe Petya, navios construídos na União Soviética durante os anos 60 e que hoje se consideram obsoletos. Em comparação, o primeiro-ministro Erdogan conta com 14 submarinos, 50 embarcações de pequeno porte, mais de 100 navios de apoio, e 17 fragatas, inclusive 4 da classe Yavuz, desenvolvidas com componentes turcos a partir do design alemão MAKO. São navios sofisticados e mais uma vez demonstram a superioridade tecnológica da Turquia.

Em todo o caso, seria de esperar que batalhas navais não fossem o ponto forte de uma intervenção militar da Turquia na Síria, mas o poder naval teria capacidade para criar bloqueios às remessas de armamento vindas dos aliados de al-Assad, ou para romper esses mesmos bloqueios. Em todo o caso, a única vez que a marinha síria entrou numa grande batalha foi durante a Guerra do Yom Kippur, em que perderam 5 embarcações sem conseguirem causar baixas aos israelitas.

Conclusões

Evidentemente que as possibilidades de uma intervenção militar a curto prazo serão limitadas. A situação no terreno é demasiado fluida, e a possibilidade de criar uma situação mais amarga entre o bloco da NATO e o bloco oriental, já envolvidos numa Guerra Fria global que poucos querem realmente admitir, restringe realmente as possibilidades. Por outro lado os rebeldes, na sua busca por apoios, ameaçam recorrer a atores que ninguém quereria ver envolvidos no conflito, como a Al-Qaeda. Erdogan e o seu governo mantêm o interesse de se revelarem um dos grandes poderes regionais, e exercícios feitos na fronteira com a Síria parecem indicar um grande grau de prontidão para quaisquer futuras operações.

No fim, resta-nos esperar para ver como este jogo se vai desenrolar. Em termos de equipamento, os turcos possuem certamente a superioridade tecnológica, e talvez mesmo numérica agora que o caos na Síria destruiu muito equipamento às tropas de al-Assad. Ainda assim seria um confronto que custaria muitas vidas à Turquia e poderia despoletar uma mais ampla guerra regional. Estará esse país disposto a aceitar tal preço?


Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso