Caos no Pacífico: China vs Japão pt.2 – Francisco Duarte

Continuação da análise às forças armadas chinesas e japonesas da semana passada.

Tipo 95 SPAAA vs Tipo 87 Guntank

Uma das grandes questões de toda a questão é sobre como ambas os países serão capazes de defender não apenas o arquipélago assim que assumam controlo do mesmo, mas também como poderão proteger as suas capacidades de fazer guerra. No que diz respeito ao cenário de um conflito sobre o domínio de Senkaku os japoneses teriam de se basear bastante na importante base aérea de Okinawa para suportarem não apenas o indispensável apoio aéreo assim como as linhas de abastecimento. As restantes bases importantes ficam simplesmente demasiado distantes. Para defenderem esta posição dos invitáveis assaltos da RPC teriam de utilizar os avançados sistemas de defesa aérea que têm ao seu dispor, como a arma antiaérea móvel Tipo 87, um chassis de carro de combate Tipo 74 sobre o qual se colocou uma torre armada com armas gémeas de 35mm.

A RPC não teria de responder a uma ameaça do mesmo nível à sua capacidade de fazer guerra. Ainda assim, portos militares e bases situadas junto da costa, sobretudo nas zonas mais próximas de Okinawa ou do arquipélago principal do Japão, estariam sob ameaça de ataques retaliatórios. As armas de defesa antiaérea chinesas, como o Tipo 95, aparentam ser surpreendentemente avançadas e seriam uma ameaça a respeitar. Ainda assim, como tudo o que é relativo às forças armadas da RPC, o seu real potencial é desconhecido.

WZ551 vs Tipo 96

Num cenário de combate insular e de possível assaltos aéreos a bases militares, o combate terrestre não será de grande importância na disputa por Senkaku. Carros de combate não veriam grande utilidade. Contudo, veículos anfíbios poderiam ter alguma utilidade. Carros blindados de assalto como o WZ551 amplamente utilizado pela RPC ou o Tipo 96 japonês (desenvolvido a partir do LAV-25 americano), poderiam transportar tropas desde navios de assalto para as costas, ou permanecer nas ilhas como apoio blindado para as forças de fuzileiros navais. Mais ainda, poderiam apoiar golpes de bate-e-foge contra posições inimigas, como bases navais e guarnições insulares.

Para o WZ551, inclusive, foram recentemente reveladas versões com diversas formas de armamento pesado, que se inserem num programa atualmente em curso para renovação do Exército Popular. A posição política da RPC atual é algo periclitante. Está-se a dar uma transição na liderança do partido, prevendo-se que Hu Jintao seja substituído em Novembro, provavelmente por Xi Jinping. Esta pressentida mudança geracional na cabeça do governo cria uma certa instabilidade, e a ideia de que o novo líder venha trazer uma maior abertura da China ao mundo cria uma necessidade de se estabelecer a nação como forte. Mais ainda, o Exército Popular tem procurado estabelecer uma influência cada vez maior no Partido Comunista que governa o país, e o que esta nova liderança poderá significar para as aspirações políticas militares é algo desconhecido.

QBZ-95 vs Tipo 89 Buddy

A principal espingarda automática chinesa já foi a AK-47, ou as cópias desenvolvidas pelo estado de índole comunista. Contudo recentemente foi revelada uma arma de configuração bullpop (o carregador fica atrás do mecanismo do gatilho e não à frente dele) muito similar a diversos modelos em uso no Ocidente. A QBZ-95, como ficou conhecido, tem uma aparência sofisticada, usa o calibre 5,8mm chinês, e está disponível em grandes números. Já o Japão preferiu seguir uma forma mais convencional com a sua arma Tipo 89, conhecida pelas tropas como Buddy. Esta arma usa o calibre 5,56mm da NATO, o que permite o uso de reservas d e munições da maior parte dos países aliados do Japão.

As motivações das tropas que iriam usar estas armas num conflito entre estes países têm algo de similar, na sua natureza, ao mesmo tempo que se sentem aspetos algo distintos. As posições de força mantidas por ambos os estados remetem-nos para as disputas internas que sucedem nos organismos de poder, e que serão, muito provavelmente, o motor por detrás do braço de ferro. Mesmo no Japão o Partido Democrata de Yoshihino Noda, atualmente no poder, tem sido alvo de críticas e instabilidade interna, inclusive tendo-se registado recentemente o suicídio do Ministro das Finanças, Tadahiro Matsushita. Posições de força em disputas territoriais são conhecidas por ajudarem a exacerbar o nacionalismo e a ajudar criar uma imagem forte num governo que já teve melhores dias. Podemos ver paralelos com a questão política chinesa, e apesar das posições agressivas, fica a questão se um conflito armado terá realmente possibilidades de suceder, uma vez que tal agressividade serve sobretudo para incentivar o nacionalismo e garantir que as forças no poder mantêm legitimidade.

Tipo 052C vs Classe Takanami

Tanto a RPC como o Japão possuem poderosas forças navais. E seriam estas quem faria a maior parte do combate em caso de conflito direto pelas ilhas de Senkaku.

A Marinha de Autodefesa Japonesa é a segunda maior de toda a região, apenas suplantada pela da RPC. No geral possui cerca de 64 navios, incluindo trinta e seis fragatas, como as da Classe Takanami, e 16 submarinos. É uma força perfeitamente capaz de projetar poder e causar estragos em qualquer inimigo. No entanto, apesar de todo o seu potencial, está limitada pelo modo como pode ser usada. Pois veja-se que, legalmente, o Japão está proibido de possuir uma força ofensiva, apenas forças armadas defensivas, segundo o Artigo 9 da sua constituição. Isto implica que, legalmente e pelas suas próprias leis, o Japão não pode atacar outro país, nem colocar tropas armadas fora do território nacional. Também traz a curiosa implicação de que estes sistemas de armamento que têm sido discutidos neste texto são operados por uma força que, para todos os efeitos e propósitos, é considerada uma extensão das forças da polícia! No entanto, o modo como o Artigo 9 é interpretado (e veja-se que o Japão está incrivelmente bem armado) tem trazido inúmeros debates internos. Se há aqueles que defendem que estas leis deveriam ser tidas à letra, e que o Japão devia abdicar de qualquer tipo de forças armadas, também existem aqueles que acham que o Artigo 9 deveria ser alterado para permitir ataques preventivos de índole defensiva. Alguns desejariam ir mais além e abdicar do artigo de todo, mas não são tão numerosos. O caso é que as vozes que exigem mudanças para que o Japão possa melhor defender os seus interesses se tonam mais vívidas. Entretanto, a legalidade da situação impede esta nação de atacar primeiro.

Já a China não tem os mesmos problemas e possuindo uma marinha que conta com cerca de 515 navios de combate, inclusive fragatas e submarinos, torna-se numa força agressiva e realmente a ter em conta. Evidentemente que tamanha frota não seria utilizada num só lugar, uma vez que seria necessário espalhá-la para defender outras regiões (e, também, país algum faria uso de tal quantidade de navios sem ser em caso de guerra total, ou a economia não o suportaria).

Conclusões

Em termos gerais, a disputa por Senkaku é, acima de tudo, o braço de ferro com fortes implicações nas políticas internas. As forças no poder destes dois países necessitam de se legitimar aos olhos das suas populações, e ultrapassar assim instabilidades e desconfianças. Terá sido também esse o motivo que empurrou Taiwan para o debate, em demonstrações de insatisfação para com a posição japonesa. A ilha tem tido a sua própria dose de instabilidade política e a busca de ideais nacionalistas, imitando os dois poderosos vizinhos, parece ser um modo de conter esses problemas.

Não podemos, contudo, ignorar que tanto a RPC como o Japão têm vindo a fazer revindicações territoriais em toda a região que criam situações desconfortáveis com vizinhos e aliados. Mesmo o estado nipónico, para lá do debate com Taiwan, mantém também uma disputa com a Coreia do Sul acerca das ilhas Tsushima e dos rochedos Liancourt. Assim sendo, acaba por manter tensões com os seus dois maiores aliados nas disputas com a RPC, situação que já foi declarada como sendo insustentável e desaconselhada.

Por fim, a questão de uma guerra em si é, como usualmente até chegar a vias de facto, pouco provável. Se bem que nada impeça uma escalada das tensões, o facto é que os governos envolvidos sabem porque estão a fazer as suas jogadas. Qualquer rebentar da violência ocorrerá apenas quando todas as outras opções se esgotarem.


Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso