Carlos Cruz e a Polémica do Euro 2004

Parou tudo! Porquê? Porque Carlos Cruz está de regresso! Ahhh…esperem…esqueçam…afinal ele apenas esteve alguns dias em liberdade e aproveitou para lançar mais um livro (desta vez uma autobiografia intitulada “Uma Vida”). E então não é que o Carlos Cruz está envolvido em mais uma polémica? E não, não é um desenvolvimento do Processo Casa Pia. Desta vez tudo gira em torno de…futebol. Sim, leram bem: futebol! Ou melhor, mais concretamente, em torno do Euro 2004, de um “jovem” José Sócrates e um poderoso Gilberto Madaíl. Mas que história é esta que mete futebol, o Euro 2004, José Sócrates e Gilberto Madaíl? Todos os detalhes, assim como a respectiva análise, estão aqui: na mais recente edição do “Desnecessariamente Complicado”!

Ficaram confusos não foi? Calma, eu explico-vos tudo! Quase no final do seu novo livro Carlos Cruz dedica um capítulo inteiro à suposta corrupção que marcou a vinda do Euro 2004 para Portugal. E atenção, o que está em causa são subornos ao mais alto nível! Alegadamente Gilberto Madaíl (na altura Presidente da Federação Portuguesa de Futebol) e José Sócrates (à época Ministro-Adjunto de António Guterres) compraram vários votos assegurando assim a vinda para Portugal da maior competição europeia de selecções.

Mas estas acusações não se ficam pela rama! Carlos Cruz relata inclusivamente episódios em que Gilberto Madaíl entregou envelopes com dinheiro a um presidente de outra federação nacional, para que esse votasse em Portugal e influenciasse outros dirigentes a fazerem o mesmo. Citando “Uma Vida”: “Alguém teve a ideia de oferecer as férias ao senhor e à respectiva família. À saída da reunião, Madaíl, discretamente, entregou-lhe o envelope, mas o senhor ficou verdadeiramente feliz foi com o segundo envelope que recebeu. Penso que foram 12.500 ou 15.000 dólares”.

Pensam que acabou? Nada disso, ainda agora começámos! O ex-apresentador televisivo relata inclusivamente uma conversa em que confrontou Sócrates com as palavras de um “presidente de uma multinacional”, que prometia o voto do país onde estava sediada a empresa e ainda influenciar várias federações do leste da Europa a favor de Portugal. Tudo a troco de “uma vivenda no Algarve no valor de 100 mil dólares”, coisa pouca portanto. Ainda de acordo com o livro, Sócrates terá respondido: “Ó Carlos Cruz, não podemos perder isto por uma questão de dinheiro! Era o que faltava!”. Exactamente, era mesmo o que faltava.

Posto isto é certinho que o comum leitor, que não tinha até agora sido confrontado com esta “polémica”, ficou completamente baralhado. Vamos então por partes. Primeiro: “qual é a ligação entre Carlos Cruz e o Euro 2004?” A esta distância a maior parte dos cidadãos nacionais apenas recordam desta competição o desânimo provocado pela final perdida para a Grécia, mas por mais estranho que pareça existe mesmo uma explicação plausível. É que o apresentador presidiu à Comissão Executiva da Candidatura portuguesa à organização do torneio. Ou seja, parte da responsabilidade da UEFA ter escolhido Portugal é de Carlos Cruz e de tudo o que fez e disse.

Segundo: “estas acusações são gravíssimas! Para quando uma investigação séria e imparcial a tudo isto?” Sinceramente? Para o dia de São Nunca À Tarde. Porquê? Porque os factos em causa reportam a 1999, ou seja há quase dezassete anos. Logo, como certamente já percebeu, mesmo que tudo isto seja verdade judicialmente falando já nada pode ser feito.

Terceiro: “ok, os tribunais nada podem fazer, mas e a UEFA?” Está a seguir o raciocínio mais lógico e faz muito bem caro leitor! A este respeito a UEFA disse: “Temos conhecimento destas alegações e iremos analisá-las se forem fornecidas provas. Não temos mais comentários a fazer nesta fase.” Ou seja? Dificilmente este caso dará seja o que for. Porque a chave desta resposta da UEFA está precisamente em “se forem fornecidas provas”. Ora a única prova que nos foi dada foi a palavra do próprio Carlos Cruz. Obviamente que tenho noção de que podem existir provas que não foram mencionadas no livro (por precaução ou jogada estratégica, por exemplo), mas nada aponta nesse sentido. Por isso, resumindo: também não é por aqui o caminho deste caso.

Quarto: “qual foi a reacção de Sócrates e Madaíl?”. Foi a óbvia: espanto e indignação. Ambos desmentiram a ex-estrela da RTP1, negando assim as declarações que lhes foram atribuídas, e anunciaram estar a considerar a hipótese de processar Carlos Cruz por difamação e ataque ao bom nome. E todos sabemos que aquilo que falta na vida de Carlos Cruz e José Sócrates é mais um processo polémico em tribunal não é verdade?

Quinto: “se não existem provas concretas e inequívocas de nada e se já passou demasiado tempo para o caso ser investigado pelos tribunais….que raio de sentido faz tudo isto neste momento?”. Agora é que o leitor tocou na ferida. Essa é, na minha opinião, a verdadeira questão subjacente a todo este caso. E como existem sempre dois lados da barricada vamos falar de ambos.

Num extremo da opinião temos “Os que Acreditam em Carlos Cruz”. Este grupo de pessoas caracteriza-se, naturalmente, pelo facto de terem uma fé inabalável no ex-apresentador da RTP. Caramba, se o Processo Casa Pia não os demoveu e fez mudar de opinião nada o fará, certo? Para estas pessoas é tão plausível que Madaíl e Sócrates tenham comprado votos quanto é irrascível sequer imaginar Carlos Cruz na mesma divisão que um menor de idade. Concluindo: Carlos Cruz é visto como um paladino da verdade e da justiça e o único com coragem suficiente para denunciar um esquema de tão grandes dimensões.

Obviamente que no extremo oposto se localizam “Os Indivíduos Que Passaram a Odiar Carlos Cruz”. Para estas pessoas o apresentador tornou-se num ódio de estimação. Eram seus fãs, e seguiam com atenção todo e qualquer programa que apresentasse no canal público, tendo por isso ficado especialmente magoados com o Processo Casa Pia. Concluindo: estas acusações são vistas como ridículas, infundadas e apenas uma jogada de marketing e aproveitamento político.

“E no meio disto tudo o que pensas tu Bruno?”. Querem que seja sincero? É impossível não ver o sentido de oportunidade desta polémica. Se tudo isto realmente aconteceu porque raio não falou Carlos Cruz mais cedo? Foi preciso esperar dezassete anos para revelar estas suspeições e declarações? É que a partir do momento em que nada disse na altura dos acontecimentos quando pensava Carlos Cruz revelar estes alegados subornos? Houve alguma razão especial para ser agora ou simplesmente “calhou”? Acreditando nas suas alegações, e se a sua intenção era de facto a melhor, o que deveria ter feito era denunciar tudo na hora, mesmo que isso significasse a desclassificação de Portugal na corrida pelo Euro 2004 (e consequências políticas e disciplinares para os restantes envolvidos, claro está). E não me venham com o argumento “ah, ele só não falou por medo” que nisso eu não acredito. Carlos Cruz era um dos homens mais poderosos deste país, certamente que conseguiria aliados suficientemente poderosos a ponto de o defenderem de quem quer que seja.

Estou certo de que todos reconhecerão a importância desta polémica na limpeza da imagem de Carlos Cruz. De repente o apresentador já não é “pedófilo”, o facto de ter voltado para a prisão não é sequer um assunto e o Processo Casa Pia nem sequer é mencionado. De repente, quase que como por magia, a imagem que é “vendida” pela imprensa nacional é a do justiceiro destemido e não a do alegado pedófilo. De repente, as atenções giram todas apenas em torno do “corrupto” José Sócrates e do vil Madaíl.

E atenção, com tudo isto não estou a desculpar a alegada corrupção! Se ela realmente existiu os autores deviam de ser culpados e sofrer as necessárias consequências! O problema aqui é que…não só não há forma de provar se realmente são culpados ou não como…mesmo que houvesse isso de nada interessava dado que….passaram dezassete anos!

Ou seja? Esta polémica seguramente que não dará em nada; Carlos Cruz não só não consegue limpar completamente a sua imagem (algo impossível depois do Processo Casa Pia) como ainda a consegue piorar por ser visto como oportunista; Os haters de José Sócrates ganham mais um processo para lhe atirar à cara e no qual querem acreditar mas…do qual não têm quaisquer provas; Gilberto Madaíl teve os seus quinze segundos de fama…depois das muitas horas que teve por sua conta durante anos a fio, regressando ao de leve à actualidade e, por fim, o futebol nacional e europeu vai continuar a ver cair a sua reputação neste poço sem fundo que é a máfia futebolística.

Mas por entre esta gigantesca confusão sabem o que mais me custa? Que as crianças e os adolescente de hoje não tenham conhecido o “verdadeiro” Carlos Cruz. Qual? O do “E o Resto São Cantigas”, dos anos 80, por exemplo. Ou o do programa radiofónico “Pão com Manteiga” que inspirou milhares de pessoas a rir e a fazer rir os outros. Ou ainda o do mítico “1, 2, 3” do qual apresentou as três primeiras edições (todas nos anos 80). Isso sim transtorna-me e deixa-me triste. Porque acima de tudo Portugal precisa de verdadeiras referências como era Carlos Cruz.

Para terminar: sou um orgulhoso filho do excelente ano de 1990, contudo confesso que em certos aspectos tenho inveja por não ter crescido nos anos 80. E, em parte, a responsabilidade é precisamente de Carlos Cruz. Assim como também é do talento, da arte e dos inesquecíveis programas, séries e telenovelas de nomes do gabarido de Júlio Isidro, Herman José, Raúl Solnado, Nicolau Breyner, Fialho Gouveia, Fernando Mendes, Sousa Veloso, Vasco Granja e tantos outros para os quais, infelizmente, escasseia tempo e espaço nesta crónica. E já que não podemos apagar as polémicas do presente ao menos que tenhamos a oportunidade de mostrar aos mais novos o quão fascinante foi o passado do Senhor Televisão.

Boa semana.
Boas leituras.