Carnaval: O “Natal” do Governo!

Carnaval: a época do ano em que toda a gente à nossa volta parece ter distúrbios de personalidade. E se isto é válido para todo o país (e até para todo o mundo) muito mais o é no caso dos concelhos com tradição carnavalesca. Acho que é impossível ser de Torres Vedras e não gostar do Carnaval, por exemplo (deve de haver uma lei municipal sobre isso, de certeza). Mas eu, pessoalmente, não sou o maior fã do Carnaval, confesso. Diversos episódios na minha infância e adolescência fizeram com que nunca gostasse particularmente destes dias. Esta semana o “Desnecessariamente Complicado” rende-se e fala, finalmente, do Carnaval!

Mas antes disso: sabem quem é que gosta mesmo muito desta época do ano? O Governo! Não acreditam? Então pensem comigo. Embevecidos pelo espírito carnavalesco o povo quer mascarar-se, logo isso vai despoletar o quê? Um investimento na economia portuguesa (já para não falar na quantidade de turistas que nos visitam nesta altura do ano). Como no Carnaval “ninguém leva a mal” esta torna-se a época ideal para o Governo discutir e aplicar medidas controversas, assim se por acaso o processo correr mal podem sempre dizer: “Calma, estávamos a brincar! Mas vocês acham mesmo que íamos aplicar uma taxa aos sacos de plástico? Ahah Vocês são piores do que nós!”.

Com tantos médicos, polícias, bombeiros, enfermeiros (e tantas outras máscaras baseadas em profissões) pelas ruas a última coisa de que a comunicação social e o povo se pode queixar é dos cortes na saúde, forças de segurança e afins: “Como assim aplicámos cortes na saúde se as ruas estão cheias de médicos e enfermeiros?”. Sair á rua pode ser uma experiência traumática e dolorosa para qualquer político (seja ele de que partido for). Por isso é que todos eles, praticamente sem excepção, têm seguranças pessoais. Mas no Carnaval podem dispensá-los, bastando que se mascarem para estar seguros. Com uma máscara de palhaço ninguém saberá que quem ali está, na realidade, é o Primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, por exemplo.

Por último, com tantas meninas em trajes menores (apesar do frio) e homens vestidos de senhoras de meia-idade nas ruas acham mesmo que a comunicação social vai dar atenção ao que realmente se passa no país? Claro que não! As atenções recaem todas no Fundão e em Loulé ou em qualquer outra cidade nacional que tenha um corso carnavalesco! Todos estes motivos fazem com que o Carnaval seja o Natal dos políticos em Portugal e do Governo em especial (seja o actual ou qualquer outro, os argumentos são válidos para qualquer cor partidária).

Mudando um pouco assunto (sem na realidade sair do mesmo tema), passei por demasiados episódios traumáticos na minha infância e adolescência para hoje ser um folião louco pelo Carnaval. Antes de mais: nasci, e ainda hoje vivo, num local sem nenhuma tradição carnavalesca. Sim, existem comemorações (nomeadamente das escolas). Mas nada que se possa comparar a Torres Vedras, Mealhada ou Ovar. Isso explica, em parte, a ausência de paixão por esta época. Os anos 90 explicam a outra parte.

Recuemos até à primeira metade dos anos 90. Eu era petiz e, portanto, nada decidia a respeito da minha máscara. Aliás, eu nem sequer decidia se me mascarava ou não: mascarava-me e pronto! Os adultos diziam que eu tinha de vestir um fato ridículo, por isso eu vestia. Em pequenos somos paus mandados dos adultos, é o que é! Ora dinheiro para comprar uma máscara super espectacular não havia (e ainda hoje não há para o caso de terem ficado com essa dúvida, infelizmente ainda não sou rico) como tal arranjaram-me algo simples e barato. Qual foi a solução encontrada? Mascarar-me de menina. Como devem imaginar eu não achei graça nenhuma à ideia. Mas a minha madrinha achou, como tal nada havia a fazer para evitar a humilhação. Um vestidinho e alguma maquilhagem depois estava uma “linda” menina. Todos se riam imenso quando olhavam para mim. Todos achavam piada. Todos menos eu, obviamente. Lembro-me nitidamente de ao sair para a rua assim vestido ter pensado: “Bolas, depois disto nunca poderei ter uma carreira séria…”. E, de certa forma, tinha razão. Mas sabem qual é a única parte boa de tudo isto? Eu digo-vos: ter acontecido nos anos 90! Porquê? Porque isso quer dizer que as máquinas fotográficas eram poucas e os telemóveis e as redes sociais eram produto da nossa imaginação. Ou seja….não existem fotografias deste dia! O que é extremamente positivo para a minha dignidade obviamente.

O segundo episódio que vos quero relatar aconteceu alguns anos depois. Estava eu no sexto ano de escolaridade e, nesse ano, decidi mascarar-me. Mas não queria nada caseiro, queria uma máscara a sério! E, com muito esforço, lá consegui convencer os meus progenitores a alugarem um fato para aqueles dias de intenso festim (tão intenso quanto são os festins de um miúdo que está no sexto ano)! E no dia em que havia uma festa de Carnaval na escola (organizada pela Associação de Estudantes) eu decidi que era a altura ideal para mostrar a minha máscara de Zorro. Fui ter à sala de aulas onde normalmente tínhamos aulas, tal como havíamos todos combinado no dia anterior. A máscara tinha uma curta venda, (de plástico), a tapar os olhos e eu estava tão convencido do poder e da espectacularidade da minha máscara de Zorro que julgava, sinceramente, que ninguém me reconheceria. Tinha, portanto, elevadas expectativas! Que foram deitadas completamente por terra assim que cheguei perto da sala. Todos me reconheceram! Não foi preciso falar, fazer sinais ou dar a entender o que quer que seja. Bastou-lhes olhar para mim. A venda não tinha resultado como eu esperava. Fiquei desolado. Aquele Carnaval tinha acabado de perder toda a piada.

O terceiro, e último, episódio que quero partilhar convosco teve lugar apenas dois anos depois do anterior. Já frequentava o oitavo ano e tinha passado da “Escola Básica” para a “Escola Secundária”. O que queria dizer, evidentemente, que estava a curtos passos de ser um adulto (na verdade estava bastante longe, mas a minha mente na altura achava o contrário)! Optei por não me mascarar: não achava piada nenhuma em particular ao Carnaval e tinha medo daquelas máscaras macabras e assustadoras que alguns levavam para a escola (ainda hoje tenho medo quanto mais na altura!).

Mas por vezes quanto mais tentamos fugir de certos obstáculos mais o destino os coloca à nossa frente. E eu percebi isso da pior maneira. Num dos intervalos das aulas eu estava no recreio com os meus colegas. Estávamos parados, a conversar (não faço ideia qual o tema mas provavelmente era futebol, como sempre) quando eu pressinto alguém chegar perto de mim, vindo de trás. Era um dos alunos do 12º ano (conhecia-o de vista por ser repetente). Com mais de um metro e noventa de altura e muitos quilos a acompanhar (não estou a julgar o seu peso, é apenas um facto que ajuda a acentuar a diferença entre eu e ele) ele deixava-me francamente desconfortável (que é o mesmo que dizer “tinha medo de levar uma chapada dele e ir parar a Madrid”). Veio calmamente até mim, encostou-se a mim, e perguntou-me num tom soturno: “Gostas do Carnaval?”.

Ora aqui eu tinha um dilema: qual a resposta “certa” a uma pergunta destas? Se respondesse “sim” ele podia não gostar do Carnaval e castigar-me por isso. Se respondesse “não” ele podia ser um adepto fervoroso do Carnaval e castigar-me por isso também. Bolas, estava numa situação tramada! Decidi arriscar e dizer “sim”. Afinal de contas são mais as pessoas que gostam do Carnaval do que aquelas que não gostam. E o que é que acontece a seguir? O gigante mete a mão no bolso, saca de uma lata e enquanto aplica um spray extremamente mal cheiroso no meu casaco diz: “Toma lá para aprenderes a achar menos piada ao Carnaval!”. Ou seja, tinha dado a resposta errada! Quer dizer eu não me mascarei por não gostar do Carnaval, com medo das consequências digo que gosto para tentar agradar ao gigante e ainda por cima sou castigado por isso!

Bolas, às vezes o melhor é mesmo não sair da cama! Escusado será dizer que fui alvo de gozo por tudo e todos durante imenso tempo! Por sua vez o casaco teve de ir directamente para a lavandaria para perder aquele mau cheiro constante.

Estes três episódios fizeram com que a minha relação com o Carnaval nunca fosse muito pacífica. Quanto mais fui crescendo menos piada fui achando à época e a tudo o que a ela está associada. Até este ano: dois mil e quinze ficará para a história como a primeira vez que, sendo adulto, me mascarei por vontade própria! Neste caso acompanhei a minha namorada e alguns familiares e amigos dela às festividades carnavalescas aqui nas redondezas. Os homens foram mascarados de João Ratão enquanto as senhoras iam de Carochinhas. Casais perfeitos, portanto.

No fundo foi um ciclo que se fechou. Digamos que o destino se encarregou de me levar a fazer as pazes com o Carnaval. Não passei a ser o maior dos foliões, contudo se for na companhia certa não digo que não a um pezinho de dança (mesmo sendo eu um péssimo dançarino, mas isso, no fundo, não interessa para nada nesta época!).

Para si, caro leitor, desejo que tenha passado um óptimo Carnaval. Espero que tenha aproveitado estes dias para se distrair e para espairecer a cabeça de todos os problemas do dia-a-dia, afinal de contas tão cedo não terá outra oportunidade!

Boa semana.
Boas leituras.
E…bom Carnaval, seus foliões!