Carta aberta aos Diretores do Correio da Manhã

Caros, Diretor Octávio Ribeiro, Diretores-adjuntos Armando Esteves Pereira, Carlos Rodrigues, Eduardo Dâmaso e José Carlos Castro e Chefe de Redação Paulo João Santos.

Decidi escrever esta carta aberta em nome da verdade e do jornalismo e em nome da dignidade que deve estar presente em todas as capas de jornais deste país, bem como a carteira profissional e o código deontológico de todos os jornalistas. Poderia e deveria começar por enumerar a quantidade de manchetes, capas e peças que o vosso jornal tem feito nos últimos anos que, na minha opinião, violam todos os pontos acima, mas essa análise cairia no desnecessário, ridículo e inútil visto serem tantas e de forma tão repetida e continuada.

Deparamo-nos neste momento, em Portugal, com o ato mais irónico, patético, triste e desesperado de autodefesa de um órgão de comunicação social que, desde que a minha curta memória me permite recuar no tempo, há memória. O que o Correio da Manhã faz não é jornalismo. Jornalismo não é a devassa constante da vida privada das pessoas, jornalismo não é criar programas televisivos e espaços de opinião com base em analisar, avaliar e esmiuçar premissas jurídicas vazias de conteúdo e de provas. E sim, o Correio da Manhã, como qualquer outro órgão de comunicação social tem o dever de fazer cumprir um dos direitos mais importantes que abrange qualquer cidadão em Portugal, o direito à informação, ou seja, a ser informado. O problema é que o direito a informar deve ter em conta o que é digno de ser informado, e como tudo, tem limites.

O problema do Correio da Manhã é que os direitos servem muitas vezes e em certa medida para delimitar outros direitos que, se não dependessem uns dos outros, se anulariam na sua totalidade jurídica. E como todos os outros o direito à informação tem fronteiras. Fronteiras essas que não devem ser violadas e que os senhores violam e vandalizam todos os dias. Fronteiras que os senhores não conhecem, pelo menos quero acreditar que é por desconhecimento. Caso não o seja, mais grave se torna, pois estaríamos no campo da intencionalidade e possivelmente do dolo.

Eu, enquanto cidadão que dou a minha opinião sobre diversos assuntos, seja pessoalmente ou publicamente, em forma de crónica de opinião, tenho vergonha de dizer que folheio o vosso jornal. Pessoalmente, é um ato de coragem diária em que, a meu ver, se torna difícil violar intelectualmente alguns dos valores que considero serem parte da minha personalidade. Um jornal que declare publicamente que está em guerra com um cidadão, para mim deixa de ser um jornal, passa a ser uma caça ao homem em formato literário, uma perseguição disfarçada de informação, uma ameaça a todos os cidadãos deste país que por motivos profissionais ou de opinião estão expostos à vossa vontade ou intenção de ataque e devassa.

Os senhores caem no ridículo quando afirmam que vos são retirados direitos, como o de informar. Esquecem-se é que o mesmo jornal que representam constantemente se imiscui na justiça. Por um lado consideram que juízes, nas suas decisões, fazem favores e favorecem propositadamente quem vocês atacam, quando não defendem o mesmo ponto de vista que o Correio da Manhã, como o caso do Juiz Rui Rangel. Por outro transformam em super heróis juízes que decretam e decidem aquilo com o que os senhores se identificam e acham bem, como o Juiz Carlos Alexandre. Este vosso hobbie intelectualmente repelente é degradante. Criticam, sem qualquer tipo de censura magistrados, criando pressão mediática sobre os mesmos quando as decisões vão contra as vossas pretensões, diabolizando aqueles que vos fazem cumprir a lei.

Acerca do vosso ódio de estimação com o cidadão José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, a quem denominaram de “preso 44”, tal e qual uma adolescente histérica a gritar aos sete ventos uma nova catchphrase, à imagem de todo o “jornalismo” que produzem acerca do mesmo cidadão, onde tudo serve de arma de arremesso, incluindo a própria situação de liberdade ou falta dela. Isto só mostra o desespero em que se encontram quando urge arranjar formas de atacar o cidadão em questão. O que acho é tão simples quanto isto, os vossos códigos deontológicos ficam manchados pelas injúrias e suspeitas infundadas que partilham e publicitam. Como é possível violar-se constantemente os segredos de justiça, e um jornalista, ou vários, diariamente aplaudirem essas fugas de informação, espelhando-as nos órgãos de comunicação social? Como é possível não ter vergonha de colaborar para a podridão do segredo de justiça? Espero que os senhores nunca sejam vítimas dessas infâmias via comunicação social, no que à vossa vida privada diz respeito em sede judicial.

Quanto à revolta que tem ecoado, de forma grotesca, sobre o impedimento que o Tribunal da Comarca de Lisboa decretou acerca das notícias de carácter difamatório, que os senhores têm permitido, não se esqueçam que têm defendido que um cidadão seja condenado, julgado, acusado e, indiretamente, difamado com base nos mesmos códigos e constituição pelos quais vos foi atribuída essa ordem. Ordem essa decretada por uma Juíza tão competente e letrada como aquele que vocês apelidam de Super Juiz.

Coerência jornalística é quase tão importante como dignidade e verdade jornalística.

O que tenho aprendido nos últimos dias é que os senhores querem duas justiças, uma para vós e outra para quem vos ataca, defendendo-se legitimamente de vocês. Ora isto é tão absurdo como evidente. E já agora, Je Suis Correio da Manhã? Patético. Eu nunca concordei com a linha editorial do Charlie Hebdo portanto, essa tentativa falhada de marketing nem me incomoda na comparação, pois acho que não é elogiosa mas sim injuriosa, mas, Je Suis Correio da Manhã?

O Correio da Manhã faz ainda outra coisa espantosa, que não é mais nem menos do que tentar atirar o barro à parede, quando diz que muitos dos factos que constituíram o início da investigação do processo Marquês, tinham como base as investigações e notícias do Correio da Manhã, como as fotos de Paris, e as notícias sobre a vida privada de um cidadão português, violando assim os direitos mais básicos de personalidade do mesmo. Bom, eu gostava que tivessem razão, pois isso só traria garantias quanto à inocuidade de todo este processo, tal como as razões que ramificam o seu fundamento e objetivo.

Resumindo e concluindo, façam jornalismo. E não digam que vos estão a tentar silenciar com uma ‘mordaça’. É só ridículo, visto que o que sai do despacho é algo tão simples quanto a proibição de publicar “despachos e promoções do Ministério Público, documentos, despachos, decisões das autoridades judiciárias competentes e transcrições ou o teor de conversas alvo de intercepções telefónicas”, ou seja, cingirem-se a fazerem aquilo que vos compete, jornalismo e cumprirem a lei, ou se preferirem jornalismo legítimo e lícito.