Carta de um fã para o seu ídolo – Até sempre Eusébio (1942 – 2014)

Eram dez e meia da manhã. Acordei, levantei-me, abri os estores e deixei o sol romper pelo meu quarto adentro. Contemplei através do vidro o lindo dia que estava e agradeci por poder viver mais um dia com saúde, na companhia daqueles que mais amo. De seguida pego no telemóvel e vou rapidamente ao Facebook. O primeiro post que me aparece diante dos olhos é do Artur Moraes, jogador do clube do que qual sou fervoroso adepto desde que me conheço, “O Glorioso”, o Sport Lisboa e Benfica. A fotografia mostrava o próprio Artur ao lado do eterno Eusébio, segurando ambos uma camisola do Benfica. Por cima dizia “Pra sempre será nosso King!!!”. Estranhei o post mas estava longe de imaginar o choque que se avizinhava. Liguei então a televisão, fiz uma passagem rápida por alguns canais e parei quando vi em letras garrafais: “Morreu Eusébio”.

Fiquei em completo estado de choque. De maxilar caído, braços ao longo do corpo, mente completamente bloqueada. Era incapaz de pensar ou reagir. Agarrei-me a uma cadeira que estava bem próxima de mim e sentei-me. Se não o tivesse feito teria caído para o lado, sem exagero, acreditem. O dia que mais temia havia chegado. Mas não, não era possível. Como poderia o Deus Eusébio ter falecido? Tinha de ser mentira! Mudei de canal em busca de um desmentido. Infelizmente só encontrei a confirmação da notícia. Era verdade. O meu maior ídolo tinha partido. O Rei tinha falecido e eu, seu súbdito, senti-me sem chão. Sem norte. Sem forças.

E é exactamente por isso que te escrevo esta carta meu, nosso, REI. Para te homenagear da forma que sei: escrevendo e transmitindo o que sinto. Sou benfiquista desde que me conheço, tudo graças aos meus familiares mais chegados que já o eram antes de mim. De todos eles um sempre teve um dos papeis principais. O meu avô materno vibrava com o Benfica como ninguém. Via todos os jogos sentado no seu sofá. Ficava mais enérgico e nervoso do que em qualquer outra situação. Acompanhava as jogadas com os olhos e com as pernas, mexendo-as de forma frenética e impaciente. E eu, pequeno e franzino, sentado a seu lado, de olhos vidrados na caixinha mágica tentava acompanhar os jogadores de vermelho que sabia serem do Benfica. Não sabia as regras do futebol. Não sabia o nome dos jogadores. Sabia que vestiam de vermelho e que era o melhor clube do mundo. E sentia-o no meu pequeno coração. E para mim isso chegava-me.

Em conversa com o meu avô perguntei-lhe um dia: “Quem foi o maior jogador de sempre do Benfica?”. Pensei que fosse uma pergunta difícil, afinal eram muitos anos de história e muitos jogadores a considerar. Surpreendi-me com a rapidez da resposta e com a forma simples como ele encarou a pergunta. “Isso é fácil. O maior foi, é, e será sempre o Eusébio!” Essa foi, muito provavelmente, a primeira vez que ouvi o teu nome. A partir daí passei a admirar-te. A venerar-te a ti e ao teu portentoso pé direito que tantas alegrias nos deu a nós, benfiquistas.

Nasceste pobre, num pequeno bairro de Moçambique. Foste escolhido pelos deuses para seres maior, para seres eterno. Gingavas dentro das quatro linhas como só os melhores bailarinos sabiam fazer nos maiores palcos do mundo. Fazias o que querias de todos: da bola, dos companheiros de equipa e dos adversários. A potência dos teus remates parecia querer queimar as luvas dos guarda-redes e furar as redes das balizas adversárias. O jogo é que corria atrás de ti e não o contrário, porque sempre estiveste à frente do teu tempo.

Venceste os preconceitos. O racismo. O colonialismo. Não deixaste que a pouca escolaridade que tinhas servisse de pretexto para que te rebaixassem. A tua força de vontade, energia, garra e talento levaram-te mais longe e tornaram-te mais forte. Apesar de estares sozinho em Portugal não tiveste medo, não desististe, não viraste a cara à luta. Aprendeste a amar este clube, deste-lhe tudo o que podias e usaste a camisola do Benfica com orgulho e gratidão pela oportunidade que te estavam a dar. E nós, benfiquistas, agradecíamos a ti, pela verdadeira bênção que era ter-te connosco, ao nosso lado, a marcar por nós e não contra nós.

Fizeste crescer o clube que te recebeu. Por ele entraste em campo, jogaste, correste e marcaste golos que vão, para sempre, ficar na história, nos livros de recordes e nos corações dos adeptos. Jogaste contra verdadeiras lendas do futebol mundial e sem te aperceberes tornaste-te uma delas. Humilde como eras querias apenas duas coisas: jogar à bola e marcar golos pelo teu clube ou pela tua selecção. Selecção que era tua. Que era de todos nós. Essa foi outra camisola que vestiste com orgulho e devoção. Ao lado de outros grandes jogadores apresentas-te Portugal ao mundo. Mostraste que este pequeno país da ponta da Europa também forma bons jogadores. Que aqui também há talento. Que aqui joga-se, e bem, futebol. Apresentaste-te ao mundo e marcaste lugar entre as maiores lendas de sempre.

O texto já vai longo mas antes de finalizar tenho de partilhar uma história que me é muito querida. Estávamos em 2005, tinha eu quinze anos de vida. Estava de férias no Algarve com alguns familiares. Todos vimos na televisão o eterno Glorioso, paixão comum a toda a família, enquanto jantávamos. O jogo tinha decorrido ali bem próximo de nós, no Estádio do Algarve. Decorrido o jantar e vencido o encontro partimos para as movimentadas ruas de Albufeira. Numa das ruas, vimos mais confusão do que era normal. Quando percebemos o motivo ficámos todos sem reacção. Ali, a poucos metros de nós, estava a lenda, o Rei, o maior símbolo do Benfica: Eusébio. Fazia-se acompanhar da sua mulher e dava autógrafos a mais de uma dezena de adeptos. Enquanto eu olhava, espantado, os meus familiares procuravam um pedaço de papel onde o Rei pudesse dar-me o seu autógrafo. Encontrado o papel, e feito o natural compasso de espera, consegui chegar perto da lenda. Apesar de nervoso estendi-lhe a mão e sorri-lhe. Do alto do seu pedestal correspondeu ao meu pedido, apertou-me a mão e retribuiu o sorriso. A sua mulher mostrou-se cansada com tanto alarido e tanta confusão. Chamou-o e disse-lhe: “Eusébio, deixa as pessoas, vamos jantar!”. E ele, muito sereno e calmo apenas lhe respondeu: “Só sairei daqui quando todas as pessoas tiverem autógrafos. Esta é a minha obrigação. Vai e janta sem mim, mais cedo ou mais tarde juntar-me-ei a ti.” E continuou pacificamente a falar com os adeptos, e a dar-lhes autógrafos.

Este é o retracto perfeito de quem foste: mais do que uma lenda do futebol, foste um homem humilde e generoso, sabendo sempre corresponder aos adeptos que te adoravam e que adorar-te-ão para todo o sempre.

Lembro-me de ficar em completo êxtase com tudo aquilo. Tinha visto o meu ídolo. Tinha trocado com ele um aperto de mão e um sorriso. Tinha um autógrafo seu. Fechei os olhos, apontei a cabeça para o céu e pensei: “obrigado por este momento. Obrigado por ter tido a oportunidade de tocar e falar com o meu ídolo”. Se tivesse morrido naquele momento teria morrido feliz. Tudo teria valido a pena.

Obrigado por tudo. Pelo autógrafo. Pelo sorriso. Pelo aperto de mão. Pelos jogos. Pelos golos. Pelos títulos. Pelo exemplo.

Ao longo destes dias acompanhei o mais que pude as emissões especiais em que foste rei e senhor. Chorei mais com a tua morte do que com qualquer outra de que me recordo. Porque eras, e serás para sempre, o meu maior ídolo. Aquele que é, para mim, o superior exemplo do desportivismo, da humildade, do talento em estado puro. Os benquistas, e todos os portugueses estão-te gratos por tudo o que nos destes.

Agora que partiste para o eterno descanso voltaste a poder fazer o mais amavas: jogar futebol. E como alguém já disse pela internet aposto que no céu, há derby. De um lado Bento, Eusébio, Águas, Cavém e Torres. Do outro os 5 violinos e o gigante Damas. O relato ficará certamente a cargo de Jorge Perestrelo e os comentários serão de Artur Agostinho. Como já tantos outros disseram, em 1966, choraste por Portugal. Agora foi a vez de Portugal chorar por ti. Da minha parte faço apenas uma promessa: nunca te esquecer e passar para os mais novos a tua história e o teu exemplo.

Até Sempre Eusébio.
Obrigado por tudo.

Artigo de Bruno Neves
Importado do +opinião – https://maisopiniao.com/carta-de-um-fa-para-o-seu-idolo-ate-sempre-eusebio-1942-2014-bruno-neves/