Chamas por mim com ardor, primórdios dos tempos findos felizes, paixão desenfreada e amor sem finitude, não fui mais do que aquilo que esperavam de mim – mãe, mulher, esposa, pessoa pouca – nada sobrou, fui sempre sombra, sombra me tornei, raros momentos idealizo que sombra não serei mais. Mais que a contemplação das estrelas, o mar, a vida, tanto que implorei! Contemplamos não mais que a dor, a mágoa, a frustração, tão bem que o fiz que me perdi pelo caminho árduo, o anormal que se transformou na normalidade dos dias. Dias nefastos, dolorosos, ditados pela lengalenga da vida que vai andando, da fonte que está pouco cheia ou quase vazia, que não transborda. Transbordar de amores por mim mesma é o que realmente anseio, o gozo de aproveitar o momento: Cheirar os passos, sentir os ventos, tocar os sabores.
Chamas por mim com desprezo, sem ânsia, sem sentimento, sem vontade, recuemos anos e percebemos que o destino fugiu às pressas, não há redenção para a culpa. Culpa que esmaga, que corroí, que atravessa por dentro e não pede desculpa pela denúncia que a detém. Detive-me é certo, errei, não corras, não ligues, não apareças, o amor acabou e o que restou não é bonito de ser soletrado. Soletrar os nomes das crianças foi e sempre será o único motivo válido para deixar de ser o que somos e espelharmos no outro tudo aquilo que negamos em nós próprios. Própria, eu, quero finalmente ser, indiferente às duras criticas que ao longe já se avistam, serão apenas pequenas poeiras levantadas ao sabor do nada. Nada é o que sinto, nomeias me egoísta, calculista, vingadora, arrogante, leva as tuas palavras e o teu coração para bem longe. Longe é onde estarei sempre que pressentir que chamarás por mim.
Chamas por mim com violência, o meu nome poeticamente declamado em ti é agora uma negritude difícil de dissolver. Dissolves a minha alma aos poucos até não restar mais nada de mim, nem de nós. Por nós subi a chaminé da vida, tão preenchida de fumaça que me intoxiquei de dor e sentimentos absurdos. Absurda é a ideia de que um dia vamos conhecer a Senhora Felicidade e dançar ao som do piano e da voz. A voz faltou-me quando quis gritar…não chorei, pegaste no casaco e no maço de tabaco e nunca mais voltaste.
Uma crónica com uma vertente poética acentuada, bem escrita e interessante quer na forma, quer no conteúdo. As relações são difíceis e nem sempre conseguimos resolvê-los de forma positiva e essa dor nem sempre consegue ser transmitida em palavras pois uma dor que rasga é corrói de uma forma terrível. Aconselho vivamente a leitura deste texto.
Texto fantástico, que na minha opinião, diz muito. O amor não deve doer e o amor próprio é fundamental. Parabéns pelo fantástico trabalho.
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Florbela Espanca,
(não é mas parece)