Chris Cornell (1964-2017) – A Humildade e a Raiva do Príncipe do Grunge

Ainda com grande pesar, dei por mim a pensar na melhor maneira de homenagear o Chris Cornell, um dos melhores cantores que alguma vez pôs os pés neste Mundo e um frontman de excelência no universo do rock. Já tinha pensado umas quantas vezes em fazer um artigo biográfico deste vulto musical. Infelizmente foi preciso o pior acontecer para que essa motivação viesse ao de cima.

Confesso que escreveria esta crónica de olhos fechados, fosse em que momento fosse. Porque sou (obviamente) suspeito nesta matéria. Sou um grande fã do Cornell e a sua morte precoce durante este mês abalou-me mais do que as muitas perdas que temos tido nos últimos dois anos (isto não anda nada bem para os músicos em geral). Mas, para os mais desatentos, quem foi Chris Cornell? E como é que foi tão influente no actual panorama musical internacional? Let’s start from the very start.

Christopher John Boyle, mais conhecido como Chris Cornell, nasceu em 1964 e foi um dos pioneiros do movimento grunge na zona de Seattle, nos Estados Unidos. Com uma paixão de pequeno pelo trabalho dos Beatles, a veia do rock cedo pautou a vida de uma criança com grandes problemas de ansiedade que apenas conseguia interagir com os outros através da expressão musical. Ao 12 anos já havia tido problemas com drogas, com acesso fácil a heroína e marijuana. Sozinho, deixou a escola e apenas a música o direccionou para aquele que seria o seu verdadeiro destino.

E qual a sua relação com o grunge? Se é fã deste subgénero musical, saberá concerteza que partilhou a sua carreira com grandes estrelas deste estilo, como Kurt Cobain (Nirvana), Scott Weiland (Stone Temple Pilots), Layne Staley (Alice In Chains) ou Eddie Vedder (Pearl Jam). A estes nomes juntou-se Cornell, como membro fundador dos Soundgarden (1984), uma das bandas mais influentes na era do grunge em terras americanas.

Originalmente o baterista/cantor da banda, Cornell rapidamente ganhou fama pela sua elevada amplitude vocal (que assusta qualquer um), sendo que o primeiro album da banda, Ultramega OK (1988), alcançou uma nomeação para um Grammy logo à cabeça. Os dados estavam lançados… O meu album favorito da banda, Badmotorfinger, surgiu pouco depois em 1991, culminando em singles icónicos como Rusty Cage (que foi tornado ainda mais famoso por Johnny Cash) ou Jesus Christ Pose. Ao mesmo tempo surgiria Temple Of The Dog, um side project de Chris Cornell que, embora de curta duração, ainda tem uma fan base enorme nos dias que correm.

Com uma voz potente e uma técnica muito distinta e sem precedentes, Cornell protagonizou os singles Spoonman e Black Hole Sun, ambos presentes no album mais conhecido da banda, Superunknown. Lançado em 1994, a produção saiu numa altura em que o movimento grunge dominava a universo musical americano.

Os Soundgarden conheceriam o seu primeiro fim em 1997, do qual nasceu Chris Cornell como estrela a solo. Embora tenha tido um início fraco, Cornell lançou o seu primeiro album a solo em 1999, levando a que, dois anos mais tarde, se juntasse aos instrumentalistas dos Rage Against The Machine para formar os tão conhecidos Audioslave. Com esta banda, que conta com o grande Tom Morello (um dos músicos que mais se expressou aquando do falecimento de Cornell), lançou três albums, dos quais surgiram singles famosos como Like A Stone (quem não conhece?), Cochise ou Be Yourself, três músicas que ouvi exaustivamente durante a minha adolescência. A banda terminaria em 2007, voltando a reunir-se 10 anos depois. Pena que por muito pouco tempo…

Cornell retomaria a sua carreira a solo pouco depois de deixar os Audioslave, lançando Carry On e Scream, nos quais prova que, além de uma grande voz, possuía uma sensibilidade musical que transcendia qualquer estilo de música. Com uma química única com a música como ser, multiplicaram-se os concertos pelo globo, com uma passagem por Portugal, no ainda Optimus Alive de 2009, um concerto no qual eu deveria ter estado… É que deveria mesmo. Damn.

O lado solitário de Cornell veio muitas vezes ao de cima, com o lançamento de albums mais intimistas como Higher Truth em 2015 a demonstrarem o seu lyricist side que, aliado ao seu timbre único, davam origem a uma harmonia que não é mesmo para todos. A emoção que colocava em cada canção era mais que evidente e tal pode comprovar-se com “You Know My Name”, a canção de 007 Casino Royale, aquela que para mim é a melhor de todos os filmes de James Bond (aproveito para mostrar o meu pesar pela igualmente triste perda de Roger Moore há poucos dias).

Entre todas estas aventuras, Cornell voltou com os Soundgarden em 2010, com o lançamento de King Animal dois anos depois da reunião. A concepção do sétimo album de estúdio já estaria em curso, parando abruptamente após a trágica morte de Cornell durante o mês de Maio, poucas horas após um concerto dos Soundgarden em Detroit (Rock City, a ironia). Não é justo…

A raiva e a humildade de Chris Cornell. A agressividade melódica que colocou na sua voz durante os anos de Soundgarden e Audioslave. A humildade e a generosidade de uma autêntica rock star que durante toda a sua vida lutou pela liberdade de expressão e pela igualdade a todos os níveis (soundbytes e clichés que não deixam de ser verdades). Deixa como última herança The Promise, um single lançado em Março (para o filme com o mesmo nome) e que tem como tema os genocídios na Arménia, numa mostra do lado mais humanitário de Cornell.

Perde-se uma estrela em todos os sentidos da palavra, a voz de uma geração. O príncipe do grunge, com um legado insubstituível e que deixa um grande vazio nos verdadeiros amantes da música. Descansa em paz Chris e obrigado por me mostrares o que é ser um verdadeiro artista. A tua voz continuará a ecoar no comboio do tempo, porque mais que um cantor, és agora um dos deuses da música. You finally broke your rusty cage, legend.