Christopher Lee (1922-2015)

Há vidas maiores do que a vida e a grande prova disso encontra-se no actor que hoje deixou o nosso plano terreno para certamente se juntar ao grande panteão de lendas da representação duma escola de actores e de uma época que aos poucos se desvanece. Teve uma vida digna de lenda quer pelas suas representações no grande ecrã como pela sua vida fora dele, através da participação na Segunda Guerra Mundial e também por outros projectos artísticos que se afastaram da sua vertente como actor. Neste artigo em jeito de homenagem vamos percorrer os sucessos e as personagens de um dos maiores e mais imortais actores de todos os tempos. Senhoras e senhores, Christopher Lee…

Nascido em 1922, a história do actor confunde-se com o mundo artístico e literário da época estudando na sua meninice em academias conceituadas quer em Londres como na Suiça onde fez os seus primeiros papeis de teatro. As sua ligações familiares e a vertente aristocrática da sua família levam-no a conhecer Ian Flemming, o autor consagrado dos livros de James Bond e seu primo por afinidade, da mesma forma que conhece os dois responsáveis pelo assassínio de Rasputine nas vésperas da Revolução Russa, anterior ao seu nascimento. Estas duas particularidades são bastantes interessantes uma vez que Lee será mais tarde a personagem principal em Rasputine, o Monge Louco (1966) e vilão de James Bond em 007 – O Homem da Pistola Dourada (1978). Não é no entanto uma das únicas coincidências da sua vida que se relacionam com a sua carreira no cinema. 

Horrível a matemática e moderadamente aceitável na prática de desportos estudou literatura e línguas com grande destaque para o grego e o latim. Com os anos acabaria por ser tornar um poliglota de pleno direito conhecendo nove línguas diferentes e muitas delas fluentemente. O seu carácter rebelde levou no entanto a várias medidas de correcção por parte das escolas onde foi aluno sendo muitas vezes alvo de violência. Acaba por fazer pequenos trabalhos e viajar para França até ao começo da Segunda Guerra Mundial. 

Durante o Segundo Conflito Mundial, Lee começa por juntar-se às forças Finlandesas, mais tarde tenta ser piloto mas um problema de visão impede-o de se tornar piloto. Seguidamente a guerra obriga Lee a viajar pelo Mediterrâneo onde participa em várias operações militares com a RAF sobrevivendo a um bombardeamento aéreo e à queda de um avião.  Como se a guerra não fosse já de si bastante perigosa o futuro actor usa o seu tempo de folga do exercito em Itália para subir ao Monte Vesúvio, que entraria em erupção três dias depois! Os seus conhecimentos em russo, francês e alemão ajudaram Christopher Lee a ser convidado para perseguir nazis condenados por crimes de guerra. Acaba por sair da RAF em 1946, um ano depois da guerra acabar.

A sua carreira começa precisamente em 1947! Depois de rejeitar uma oportunidade para leccionar línguas clássicas por achar que o seu latim não era suficientemente bom é aconselhado a tentar uma carreira de actor. Não foi no entanto fácil, maioritariamente devido aos avanços e recuos dos intervenientes que alegavam que Lee era demasiado alto para ser actor – Lee tinha 1,95m de altura.  Faz a sua primeira aparência em Corridor of Mirrors (1948) num papel secundário. No anos seguintes aparece nalguns filmes, alguns sem qualquer tipo de credito enquanto que noutros faz papeis secundários onde a sua capacidade em línguas e esgrima lhe são úteis para convencer produtores e realizadores.

dracula-prince-of-darkness-dvd-review-the-film-pilgrim-christopher-lee-1É com os anos 50 que Christopher Lee começa o seu grande e duradouro caminho para o estrelato.  Começa a trabalhar para uma das produtoras de filmes mais icónicas de todos os tempos, a Hammer. Através desta companhia estreia-se com A Máscara de Frankenstein (1957) ao lado de Peter Cushing que se tornaria seu grande amigo e participaria com ele em mais de 20 produções. É no entanto com Dracula (1958) que Lee assume o seu papel mais icónico, que seria alvo de sequelas até à exaustão durante anos, sendo a sua ultima aparência como vampiro sedento de sangue em Drácula Tem Sede de Sangue (1973).

Entre Drácula e outros filmes de terror de várias companhias e ainda através da sua parceira com a Hammer há espaço para Sherlock Holmes, quer fazendo de Sir Henry Baskerville em O Cão dos Baskervilles (1959), como do próprio Sherlock em Sherlock Holmes e o Colar da Morte (1962), ou como Mycroft Holmes em A Vida Intima de Sherlock Homes (197o).

O actor tenta distanciar-se da etiqueta de vilão nas décadas seguintes tentando afastar-se de Drácula acabando por interpretar papeis mais diversos na década de 70. Dos seus papeis mais icónicos destacam-se Lord Summerisle de The Wicker Man (1973) – ou em português O Sacrifício. Esta personagem foi considerada pelo próprio o seu maior orgulho enquanto actor. Ainda nesse ano participa em Os Quatro Mosqueteiros no papel de Conde de Rochefort onde se lesiona num joelho, ferida esta que alegava sentir décadas depois. Segue-se outro dos grandes papeis de Lee, Francisco Scaramanga, o assassino experiente e vilão de 007 – O Homem da Pistola Dourada (1974). Qualquer um destes papeis icónicos demonstra a genialidade de Lee, que uma vez disse que todos os actores já teriam participado em bons e maus filmes mas que o importante era representar bem em ambas as situações. 

Em 1977 vai viver para os Estados Unidos onde participa em várias comédias nomeadamente 1941 – Ano Louco em Hollywood (1979) e The Return of Captain Invincible (1983). Regressa em 1989 como Conde de Rochefort em O Regresso dos Mosqueteiros e também a Sherlock Holmes, no papel principal em Incident at Victoria Falls e Sherlock Holmes and the Leading Lady ambos de 1991.

Nos anos 90 interpreta vários papeis através dos mais variados filmes para televisão, mas com a viragem do século uma nova geração começa a conhecer o seu legado através de duas das maiores sagas do cinema. Em primeiro lugar, tenta participar no casting para Gandalf numa trilogia anunciada sobre a obra de Tolkien, O Senhor dos Anéis (2001-2003). Lee conheceu Tolkien durante a sua carreira de actor, sendo grande fã da obra e assíduo leitor da trilogia. O papel acaba por ficar para Ian McKellen, mais novo e mais preparado para as cenas a cavalo e de batalha. Lee acaba por ficar com o papel de Saruman, uma personagem que beneficiou da sua voz e presença ameaçadora. Voltaria ao papel na recente trilogia de The Hobbit (2012-2014). Participaria ainda em Star Wars nos filmes O Ataque dos Clones (2002) e a Vingança dos Sith (2005) na personagem de Count Dooku seguindo os passos do seu amigo e falecido Peter Cushing que tinha interpretado Grande Moff Tarkin em A Nova Esperança (1977).

LOTR Fellowship of the Ring 337

Um dos actores favoritos de Tim Burton acaba por ter papeis secundários em muitas dos seus filmes até ao fim da suavida, com destaque para A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (1999), Charlie e a Fábrica de Chocolate (2005) A Noiva Cadáver (2005) Sweeney Todd: O Terrível Barbeiro de Fleet Street (2007), Alice no País das Maravilhas (2010) e o mais recente Sombras da Escuridão (2012). Nos seus últimos trabalhos contam-se além da trilogia de The Hobbit,  Comboio Nocturno para Lisboa (2013) e The Girl from Nagasaki (2013).

Embora debilitado pela idade as suas personagens sempre beneficiaram do conhecimento adquirido durante mais de 50 anos de representação. No intervalo das rodagens a sua excelente memória e a sua facilidade em contar histórias admiravam os seus colegas de trabalho. Também a sua experiência foi sempre respeitada e útil a si próprio aproveitando as suas vivências com a guerra para enriquecer alguns dos seus papeis. Nunca ganhou um óscar, embora tenha ganho inúmeros prémios nas mais variadas categorias, mas isso não lhe tira o génio ou o respeito dos seus semelhantes.

Além da sua carreira cinematográfica há ainda uma outra vertente que se distância do cinema. Considerado por muitos o cantor de heavy metal mais velho do mundo Christopher Lee participou vocalmente em álbuns das mais variadas bandas, como a italiana Rhapsody of Fire, e até, como artista a solo com álbuns temáticos sobre Carlos Magno e algumas colectâneas de Natal. Uma voz grave e inconfundível que lhe facilitou um registo mais ligado à ópera.

Relacionado com Portugal, podemos ver a sua entrevista juntamente com a mulher no programa Parabéns (1992) de Herman José onde fala sobre a sua carreira, a sua capacidade linguística e sobre o seu breve contacto com Salazar.

Christopher Lee deixa um vazio cinematográfico mas também um legado fabuloso e extenso que embora esteja ligado a papeis icónicos parece ter sido reduzido nos últimos anos ao seu contributo para Star Wars e O Senhor dos Anéis. Papeis com o seu grau de importância certamente, que introduziram o actor a novas gerações, mas que são apenas uma parcela quase insignificante numa carreira maior do que a vida e de um talento que se desenvolveu nas mais variadas vertentes artísticas. Um actor insubstituível que não morre completamente, está presente em mais de cinquenta anos de história do cinema, num contributo que ultrapassa décadas, géneros e estilos com papeis que por vezes ultrapassam as obras e os filmes numa qualidade de representação sempre presente. O cinema não volta a ser o mesmo mas resta ter fé no legado que nos deixa e na inspiração e criatividade que influenciará gerações futuras.

Até sempre Sir Christopher Lee…