A Ciência do Nada – Francisco Capelo

Gosto.
Gosto de dizer: não!
E gosto ainda mais do “ainda não”.

Gosto de gostar do talvez, e do tão só ou somente.
E gosto também de nada dizer a quem não me diz nada.
E gosto de desdizer, e do maldizer, e do diz- que- disse.

Pronto: já o disse.

Disse-o agora, digo-o ontem, e di-lo-ei quando o quiser dizer.
É um direito que me assiste: nada dizer.
E digo-o do alto da minha vida pouco comprida e do baú da memória da sabedoria alheia: não digo.

“- Diz !”

Não. Não digo nada do que querem que eu diga.

Que Belém é mais bonito que o Rossio ? – Banal: não o digo.

Que uma carta ou postal precisa de sê-lo? – Bah, seja outro a dizê-lo.

Dali disse certa vez que todo o homem tem o direito à sua própria loucura – e eu acrescento: todo o homem tem direito a nada ser, e a nada dizer.

O nada é tudo, afinal. É uma questão de identidade, de verdade, de serôdia solenidade.

Eu cá só digo o que quero dizer: nada menos, nada mais.

Pois que o nada é a palavra dos imortais.

Daqueles que tudo dizem, sem uma única palavra.
Isso sim, é ser autêntico, e sagaz, e de palavra mordaz, e de “- soltem o incapaz !” num deserto de infinitos passados.

Quando um homem está prestes a morrer, o que lhe dizem ?

“- Qual a sua última vontade ?”

Imaginem agora que esse homem é surdo. Ou mudo.

Mais: imaginem que ele diz: “- Não quero morrer” – quem lhe garante esse desejo, uma vez expresso em palavras ?

O que vale a palavra, então ?

Nesse momento – que é tudo nessa vida – nada. Menos que nada.

E, portanto, sabendo isto, eu digo: a palavra é nada. Retirem as letras n, a, d e a, a essa palavra, e aí têm o futuro do sempre e do talvez:

– Apre, NADA é Deus !!!

 

FranciscoCapeloLogoCrónica de Francisco Capelo
O Suspeito do Costume
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