Comichosices Sociais

Parece-me bem começar este dactilografado desabafo com uma (pseudo) anedota! Sabem o que é o que uma mulher e uma miúda têm em comum? O facto de uma querer sempre ser a outra. Acho que começo a compreender esta graçola. Há uns anos atrás era fantasticamente hilariante andar a passear pela cozinha cá de casa com os sapatos de salto alto da minha mãe, sentia-me crescida; podia não conseguir dar três passos sem bambolear mas sentia-me adulta (sim, apenas por estar 8cm mais alta!) e que bom que era. E sentava-me ao no mastodonte do carro do meu pai a carregar nos pedais e a rodar e retorcer o volante até que este trancava e acabava-se a brincadeira que, por alguns minutos, me permitia aceder ao mundo adulto. Agora? Não, definitivamente não quero crescer, não quero que me chamem ‘mulher’. Não quero mesmo. Quero que me tratem por ‘miúda’, há muito menos responsabilidades sociais se assim o for. Não preciso nem tenho de cumprir regras impostas por uma sociedade hipócrita, falsa e cínica e posso transgredir todas essas etiquetas grupais só porque sim, só porque os outros vão pensar “Ah. Está na idade da parvoíce.” Sim por favor, continuem a pensar isso. Não me importo. Isso não me chateia.

Porque é que quando passo por alguém na rua e cuja única ligação que temos é apanharmos o mesmo transporte público, diariamente, tenho de dizer: “Olá. Como está?” Quero lá saber como essa pessoa está! Nem sei o nome dela; onde vive; se tem filhos; se tem insónias ou um unicórnio da despensa ao pé das cookies de chocolate. Exato! Nem sei se tem despensa ou se é alérgica ao chocolate! O mais caricato nisto (como se fosse possível haver ainda mais tontice integrada neste ato) é que estou a perguntar algo para me ouvir a mim mesma! Mas para isso canto no chuveiro. Porquê? Porque o mundo dessa pessoa que apanha o mesmo transporte público que eu todos dias podia estar a desabar que ela nunca mo diria. É óbvio que a resposta passa por um “Bem. Obrigado. E você?” E eu? Eu? “Eu não. Não estou nada bem. O meu cão foi atropelado, o meu gato comeu uma meia, queimei uma camisa a engomá-la e pior que tudo? Eu até podia dizer que adotei um urso polar que você não saberia se é verdade e porquê? Porque não me conhece.” Se eu já sei que ouvir esta frase que não me aquece nem me arrefece, que a minha resposta vai ser insípida e, muito provavelmente, desprovida de verdade, conjugada com um sorriso muito (pouco) genuíno para quê fazê-lo? Isto são os adultos. Engavetados e parcelados por clichés como se dizer “Olá. Como está?” fizesse de mim melhor pessoa, mais simpática ou agradável.

Outro acontecimento típico é o “Desculpe. Dá-me licença.” Por amor de Deus… não foste dotado com dois olhos na cara para perceber que eu queria passar para o outro lado ou que o autocarro está cheio e tens o raio do único banco livre ao teu lado, com a tua mala e que eu estou com cara de imbecil a olhar para ti, à espera que me deixes sentar? Ainda se tivesses de costas, eu percebia e pediria a tal licença mas não… Estás, literalmente, à minha frente e de frente! Eu tenho uma voz muito bonita mas não precisas de fingir que não me vês só para me ouvires. Será que isto enche o ego a alguém ou são só personagens com saudades de travar algum tipo de comunicação humana? E porque é que vem acompanhado de um desculpe?! Ele é que tem de me pedir desculpa… Raios! Acabei de desperdiçar alguns minutos da minha vida à espera que te apercebas que espero uma reação tua, até porque és um animal racional e deves conseguir aperceber-te do que se passa ao teu lado e isto não acontece; então perco mais uns instantes a verbalizar o que está estampado na minha testa – só preciso que descoles o rabo desse sítio e ainda peço desculpa?! Estou basicamente a pedir desculpa por respirar e existir! Não tenho culpa de nada porque é que tenho de me desculpar? Ah, tenho culpa de querer passar ou de me querer sentar, exato… Culpa por respirar, portanto. Sim, tu. Tu mesmo, qualquer tu que ande por aí a precisar de pedidos de licença!

Mais há mais… oh se há! Tantas e quantas pérolas sociais por aí à solta. Descobri há pouco tempo que fica mal numa ‘mulher’ estar a conversar com um homem e, simplesmente, empurrar uma porta e passar. Devia ter esperado que ele avançasse, puxasse a maçaneta e, só depois, eu passava. Qual é mesmo a diferença? Dois braços, duas mãos, dez dedos… Hum. A porta não me pareceu que fosse feita de chumbo e que precisasse de alguém com mais força que eu para a empurrar. Porque havia de esperar? Se lhe desse uma súbita vontade de procurar formigas, eu ia ter de esperar para que ele fizesse algo que eu sei fazer há largos anos? Volto a frisar que era só abrir uma porta! “Ah fica mal, és uma senhora.” Sim, uma senhora. Ponto. Não sou uma senhora com algum tipo de insuficiência locomotora ou dificuldade motora. E tu és um senhor. E então? Ah, tens barba, abres portas. Entendi a lógica. Continuo a achar que muitos se lembram de ser gentlemans quando lhes parece que a parte traseira da senhora que, se deve submeter aos cavalheirismos, é … digamos, engraçada!

“Bom Dia”; “Boa Tarde”; “Boa Noite” – mas o que é isto? Somos muito altruístas agora e queremos todos desejar, uns aos outros, que uma parte do dia corra bem? Não gosto de ti mas bom dia. Se não gosto de ti, não vou querer que tenhas um bom dia, o que não significa que quero que seja mau, significa apenas que não me interessa se o teu dia vai correr bem, porque ele vai correr exatamente igual ao que era suposto antes de eu proferir este desejo disfarçado de cumprimento! E se gostar muito de alguém, tenho de lhe dizer/pedir (estou indecisa quanto a isto) que tenha uma boa tarde? E se eu quiser que a tarde dessa pessoa seja fantástica? Digo “Fantástica tarde” e alguém me vai, certamente, perguntar o que andei a beber! Este cumprimento é deveras importante e relevante em sociedade, quem não o utiliza é logo rotulado e carimbado de ‘Mal Educado’, como se o curso do dia mudasse consoante o número de vezes que dizemos isto a alguém. Vou seguir esta lógica e pedir-vos algo: não me digam “Boa tarde. Como está?”, ao invés digam “Ganhe o Euromilhões. Como está?” Pode ser que resulte! No vosso pensamento a minha tarde ia ser pior se não a desejassem boa; desejem então que ganhe a lotaria, se resultar tão bem quanto julgam, brevemente serei milionária!

E, por fim, suplico… pessoas que eventualmente se cruzam comigo mais do que uma vez por dia: parem de piscar o olho! A moda do pisca-pisca da Ruth Marlene já tem barbas brancas! Nenhum de vocês se assemelha ao Brad Pitt e, acho, que no vosso íntimo se sentem muito galãs por o fazerem. Não. Não é sexy. Oh como detesto desfazer sonhos! Não, não é fixe pelo simples facto de não me conhecerem. Deixem lá as pulgas sociais e as comichões que acarretam e preocupem-se com o que verdadeiramente interessa: quem efetivamente conhecem e com quem realmente se preocupam.