Conto: A última oportunidade terráquea – (Esperança)

Por entre milhares de mortes naturais, inúmeras acidentais, alguns suicídios, e outros tantos homicídios fruto da clausura perpétua numa nave com 3 séculos de história, viajou o portal que ligaria o nosso moribundo planeta à futura casa de todos nós.

Três séculos à velocidade das nossas descobertas quânticas, três séculos guiados pela esperança, três séculos de incerteza.

A última crise a bordo tinha reduzido a tripulação a dois adolescentes, um destinado a calcular, outro a curar. Vinte anos tinham passado quando, Tiago e João, finalmente chegaram ao destino.

Destino esse, superior a tudo o que tinham imaginado, quando a certeza das máquinas deu origem à certeza empírica.

Da terra azul esverdeada saiam abundantes árvores, ou pareciam árvores, porque nem aquelas gelatinosas figuras amarelas o seriam, nem eles algum dia tinham colocado a vista numa.

Os rios de água abundantes, o primeiro sinal de que era ali o nosso futuro, mexiam-se como se tivessem vida própria, onde o líquido preto brilhava através daquele creme da mesma cor e suavidade do leite.

Mas o que os fez chorar, foi respirar aquele ar puro, duma natureza não terrestre, mas ainda assim não artificial.

Contra todas as regras daqueles que ousam ser pioneiros, embora eles o tenham sido sem escolha, tudo experimentaram. Banharam-se naquelas cores, comeram aqueles frutos, saltaram, abraçaram-se, sucumbiram ao desejo, esquecendo-se da obrigação.

Essa, esperava-os mais tarde, esse tarde que chegou depressa, era hora de fazerem aquilo que os seus ascendentes, que não ouso catalogar tão entranhados na história estavam, se propuseram- salvar a humanidade da extinção.

Não os podemos censurar, eles nasceram, viveram, perderam e venceram tudo naquele mundo de paredes metálicas.

Mas não havia muito tempo a perder, a missão tinha o mesmo período estimado que a nossa anterior casa nos tinha dado na sua ordem de despejo.

Montaram o portal que uniria passado e futuro, velha e nova Terra, esperança e realidade. O entusiasmo contrastava com a expectativa e ansiedade, que não influenciava a meticulosidade com que tudo era feito.

Enfim, estava tudo ligado para fazer a conexão que nos salvaria.

Por ali, passariam nos próximos dias milhões de refugiados terráqueos, sobreviventes do nosso próprio instinto suicida, que se esperava ter sido deixado para trás.

Faltava apenas carregar num botão, nada mais que isso, três séculos duma viagem histórica, reduzidos a um gesto de abrir um qualquer vidro de automóvel nos nossos dias.

Era agora. Mas não foi. Havia que decidir algo importante antes, uma decisão fácil entre amigos: Qual deles se tornaria no primeiro Deus real e palpável da humanidade? Qual deles ficaria para a história como o salvador? Qual deles carregaria naquele botão?

Por certo, coisa pequena entre amigos. Ou talvez não…

Na próxima semana saberemos.