Contos: Não perguntaste, mas eu quis contar-te!

Não perguntaste como foi o meu dia mas eu quis contar-te.

Sim eu sei, o meu dia não é interessante, não passa de uma rotina desinteressante, sempre a mesma coisa, é tão previsível que até a mim me cansa. Na verdade, nem foi assim tão diferente dos outros dias mas foi o meu dia. E eu gosto de partilhá-lo contigo. Não perguntaste, mas eu quis contar-te! No meio de todo o vazio que encontrei hoje, eu senti que o meu coração estava cheio de amor por ti. Não cheio daquela maneira de estar farto, de estar enjoado mas cheio a transbordar de carinho, calor, emoções, sabores, paixões, de tudo aquilo que completa o amor. Já te disse que o amor é um conjunto de outros sentimentos bons e que esses são os seus alicerces? Ah! então é isso, o meu coração estava assim. Não perguntaste, mas eu quis contar-te! Durante o meu dia, no meio daquele vazio, desejei estar contigo, desejei fingir que estava louca e deixar aquele vazio para me preencher em ti. Não tive coragem! Pois já te disse que faço parte de uma rotina desinteressante, talvez também eu seja desinteressante. Desejei para aí umas dez vezes, ganhar coragem e fugir, fugir para os teus braços, apertar-te contra o meu peito, beijar-te… Desejei mas não tive coragem, fui fraca. Já te disse que o meu dia é desinteressante mas mesmo assim continuo a alimentar aquele vazio, continuo a seguir a minha rotina, continuo a fazer parte do previsível que até me canso. Não perguntaste, mas eu quis contar-te! No meio de uma tarefa vazia, lembrei-me. Lembrei-me de quando remava contra a maré. Remava contra ela só para ter cinco minutos da tua companhia, Lembras-te? Senti vontade de largar aquela tarefa que não me preenche e remar, remar só para te encontrar mesmo que fosse apenas por um minuto. Mas não larguei e continuei a realizá-la por mais vazia que fosse. Lembrei-me para aí umas dez vezes, mas nem mexi um braço para tentar agarrar o remo sequer. Não perguntaste, mas eu quis contar-te! Envolta num momento previsível que me estava a cansar, questionei-me, o que tinha mudado? Se tudo está vazio no meu dia quando não estou contigo, porque continuo no vazio? Porque não deixo tudo e vou ter contigo? Porque não remo contra a maré? Porque não finjo ser louca e fujo, nem que seja para te encontrar cinco minutos? Não era isto que fazíamos? O que mudou?! Não perguntaste, mas eu quis contar-te! Em nós nada mudou, à nossa volta tudo. Os espaços, as rotinas, as pessoas, os objectos, os anos, tudo. Parece que quanto mais caminhamos mas prisioneiros ficamos, mais vazios vão chegando…

…Não perguntaste, mas eu quis contar-te…

…Tudo mudou menos o meu amor por ti.

Ah, lembrei-me de te dizer que se algum dia me esquecer de te perguntar, escreve-me. Não perguntaste, mas eu quis contar-te!