Criança hoje, não obrigada! – Raquel Santos

Às vezes dou por mim a pensar… Que tipo de crianças estamos nós a educar?
Ontem andei a fazer umas arrumações e no meio da confusão encontrei uma caixa com sacos no seu interior. Curiosa, olhei e abri os pequenos sacos. Para grande surpresa eram peças de puzzles, mas todos misturados. Contente, sentei-me à secretária a tentar fazê-los. Não foi fácil, porque não sabia que tipo de imagens tinha. Entretanto ouvi uma voz grossa: “ Tu gostas de fazer puzzles?” E porquê que não devia de gostar? Na minha infância passava horas e horas a construir puzzles ou fazer construções de legos, a andar de bicicleta, a brincar na terra, a rebolar na relva etc. Quanta terra eu comi? E apanhar chicletes do chão? E não foi por isso que fiquei mais ou menos doente!
E agora? Olhamos à nossa volta e vemos as ruas vazias, despidas da infância. Os montes cercados por rede que impedem de serem invadidos pela alegria das crianças.
Ouve-se muitas vezes: “ Ai, o meu filho não se pode sujar!”, “ Não podes brincar na terra”… Não podes isto, não podes aquilo. Proteção excessiva, digo eu.
Quantas vezes eu comia terra ou apanhava chicletes do chão e punha-as à boca! E não é por isso que tenho mais ou menos doenças. Porque não deixam a criança aprender livremente, explorando aquilo que o meio lhe oferece?
Depois vejo as crianças serem absorvidas pelos meios tecnológicos. Chegam a casa e vão jogar computador ou playstation ou ainda ver televisão. E o convívio, a relação com os outros?
Um dia destes um menino comentou comigo: “Que fixe estar de férias, agora posso estar o dia todo no pc”… Tanto tempo no computador. Será que não faz doer o rabo? Quando estou muito tempo sentada, fico com os músculos dormentes e dá-me a preguiça. E a estas crianças acontece o mesmo.
Esta sociedade desenvolve crianças com vida sedentária e cérebros irreversíveis e pouco desenvolvidos. Não sei se foi o melhor termo, mas a uns anos atrás (cerca de 10) eu se quisesse alguma coisa, desde a casa da barbie, roupas para a boneca, eu é que as tinhas de fazer. Não havia dinheiro para este tipo de coisas e como eu “precisava”, porque a boneca não podia viver sem casa ou não podia vestir sempre a mesma roupa, pegava nos legos e construía uma casa e nos retalhos e costurava roupas. Obviamente que nem de perto nem de longe tinham a ver com aquilo que queria, mas tentava por mim própria chegar ao objetivo e ficava feliz.
E hoje? Têm tudo e mais alguma coisa. “ Mãe, tens de me comprar uma playstation porque o X também tem”. Quase que obrigam os pais a comprar as coisas, fazendo birras, pressionando a sensibilidade paterna ou materna.
À uns tempos atrás, deparei-me com uma situação: Um menino exigiu à mãe que compra-se um telemóvel, no entanto, a mãe disse que não tinha dinheiro para o comprar. O menino continuou a pressionar a mãe dizendo que muitos meninos já tinham e que gostava muito e tinha de ser aquele, contudo a mãe manteve pulso forte. E sabem o que ele fez? Tirou negativa num teste só para mostrar a sua revolta perante a situação, pondo em risco ter nega no final do ano.

Temos urgentemente pensar no estatuto de criança. São os cidadãos de amanhã.
Criança hoje, não obrigada!

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