Crítica da Razão Política

De maneira a que a mensagem que pretendo passar seja bem compreendida, permitam-me que estabeleça um ponto prévio às linhas que se seguem: Todos os sistemas de organização das sociedades tem as suas falhas e limitações. Posto isto, continuemos.

Como deixei entender na minha última crónica, uma das principais características da Filosofia é a crítica. É a busca por inconsistências que possam existir em princípios científicos ou da vida quotidiana, sendo que a Filosofia só aceita estes mesmos princípios como válidos quando, em resultado de um inquérito crítico, não surge qualquer razão para os rejeitar. Ainda assim, a crítica filosófica não é destrutiva por natureza, é apenas a arte de duvidar de tudo o que parece duvidoso, um teste final que todo o conhecimento deverá superar.

No entanto, o Liberalismo e a sua matriz económica, o Capitalismo, possuem no seu actual modo de funcionamento características e instrumentos que fazem com que toda e qualquer crítica filosófica que lhe seja dirigida (ou até mesmo às suas variantes), seja abafada pelo ruído do sistema e desacreditada pelos gurus da verdade liberal.

O método propagandista do actual sistema foi simultaneamente maximizado e sublimado, atingindo patamares anteriormente considerados utópicos, e fazendo com que sejam ignoradas várias falhas lógicas do argumento liberal.

A principal excepção no que respeita o vazio de críticas que desde então rodeou o Republicanismo Liberal, é o Marxismo. Esta excepção crítica desafiou o sistema que tem dominado a modernidade ocidental, e de entre todas as fórmulas que apareceram como alternativas ao capitalismo industrial inglês, o Marxismo é a única versão que se baseia numa teoria cientifica da história humana, tendo afectado o mundo geo-político durante mais de 150 anos.

A crítica levada a cabo por Karl Marx tem, acima de tudo, o mérito de apontar várias das irracionalidades existentes no capitalismo. Na sua obra ‘O Capital’, por exemplo, Marx afirma que o facto de o capitalismo substituir o conceito de valor de uso, que é determinado pelas qualidades físicas e de utilidade de uma mercadoria, pelo conceito de valor de troca, que contrariamente se baseia numa relação quantitativa, é uma dessas mesmas irracionalidades.

Além disso, segundo a teoria Marxista, a ideia de concorrência é contraproducente visto que ao invés de tentar enveredar pela via da cooperação e de aproximar as pessoas de modo a que cooperem e criem aquilo de que necessitam enquanto grupo, opta por um caminho que desperdiça potencial, já que ao competirem entre si, alguns recursos são necessariamente desaproveitados. Simplificando muito, para Marx o capitalismo transforma uns em ricos e outros em pobres, é contraproducente, irracional e alienante.

Mas o objectivo destas linhas não é o de prestar tributo à teoria Marxista, mas antes realçar um dos males impostos pela grande máquina Liberal e Neo-Liberal. O mal a que me refiro, reside na inexistência de exercícios semelhantes ao de Marx, no sentido de porem a nu as fragilidades, inconsistências e incapacidades do actual modelo, e que ao mesmo tempo tentem fornecer uma solução alternativa. Em vez do Marxismo, poderia facilmente ter referido Proudhon ou Bakhounin, dois pólos opostos do Anarquismo, que a imagem seria exactamente a mesma.

O facto é que não existe actualmente na maioria das sociedades ocidentais uma verdadeira Crítica da Razão Política, e pior, algumas das maiores críticas económicas e filosóficas que se fizeram ao actual modelo foram completamente deixadas ao abandono. A névoa que rodeia o Liberalismo e o Neo-Liberalismo faz com que nenhuma das problemáticas que referi atrás sejam tidas em séria consideração, o que acaba por levar a um certo conformismo relativamente às condições gerais do mundo em que vivemos. Tudo se pensa dentro dos mesmos moldes, e a criatividade que o Liberalismo supostamente trouxe a outros quadrantes, não se verifica no actual Pensamento Político.

Parece-me até, que foi criado pelas ferramentas do actual  sistema no inconsciente das pessoas, um preconceito com uma conotação negativa acerca das teorias que referi atrás, isto apesar dos óbvios méritos que as mesmas encerram. O fim da história de que falou Fukuyama parece efectivamente estar a chegar, e o facto de não existir um espaço alargado de discussão pública, quer no meio académico, como nos principais meios de comunicação social, espaço esse onde possa surgir uma Crítica da Razão Política, apenas torna este final ainda mais inexorável. Um triste final, na minha opinião.