A crítica nas Entrelinhas 1#

Começa-se, como aliás é habitual, pelo princípio. Uma cordial saudação, seguido de um acenar virtual seja este o seu caso, de ser lido, ou um outro igual, mas real, carnal, de verdade ou mundano, como lhe quiser chamar, se caso for estar a discursar para um auditório cheio, ou meio cheio, ou meio vazio que também serve desde que se lhe cumpram os requisitos, ou se a seu gosto ficar, como uma qualquer sobremesa, ou entrada, mais sal menos sal e uma azeitona no topo do bolo que a cereja me causa azia.

Depois, ou a seguir, se quiser variar pode usar o primeiro e de seguida o segundo, tendo o ‘’de seguida’’ para usar como terceiro, uma breve tossidela de quem quer começar mas ninguém se cala, porque ninguém quer ouvir ou pensa ele que não, porque nada tem a dizer, pelo menos de jeito ou jeito para falar. Talvez nem o saiba fazer, é capaz de ser mudo, ou gago, ou as duas coisas juntas se for possível acontecer, quem sabe, uma espécie de gaguez de silêncio. Tosse outra vez, qual pancadinha de Molière para avisar que ousa discursar, se para isso o público lhe der autorização, que é ele quem manda, como manda o povo na música, ou na rua quando nela se junta, visto de cima parece pintado por Georges Seurat e o seu divisionismo, ou pontilhismo, escolha você.

Agora sim, pode fluir, como corre um rio, neste não dou escolha, tem de ser mesmo um rio, porque ribeiro é pequeno demais, ribeira é mercado, riacho é pobre, mar poético e oceano ladrão. Rio está perfeito, porque corre como flui o que tiver para dizer, sem corridas, para que todos o olhem mas não reparem nas gotas de suor na testa, estas que não correm mas escorrem, como lágrimas de uma qualquer madalena, ou mulher da vida traída, sem prestígio público nem público prestigiado. Está nervoso porque nada sabe, ou simplesmente se acha no direito de nada saber, conjecturando um dever de sabedoria, típico de quem pensa muito em saber pouco.

Continua o espectáculo. Continua a trama de um desalentado mariola que muitos tramou, com talento para muitos mais tramar. Filho de uma dona que só se for a Branca, que de branco só tem o cheque, nem os dentes, porque não os lava. Porco. E segue discursando para um bando de répteis à solta, que se fossem fado eram pardais, ou araras coxas, que gritar só de histerismo porque mancas já o são, todos os dias, feriados incluídos, sexta-feira santa e domingo de ramos também, pois que precisam de poleiro.

Quase a chegar ao fim levanta a voz. Isso! Mais um bocadinho para que sintas as entranhas a tremer. É isso mesmo, típico provérbio do capitalismo – ‘’primeiro estranha-se, depois entranha-se!’’ –, também acontece com Whisky, ele sabe, era bêbedo, se calhar ainda o é. Levanta a mão, faz sinal de mudança de direcção à esquerda, qual polícia sinaleiro, e solta o bicho, o monstro, o hipócrita raquítico que em ti habita, mais meia dúzia de frases feitas, uns anglicanismos à mistura para dourar a trampa da tua retórica, que é a minha e a de todos, e chegarás ao clímax do oportunismo, do clientelismo macabro e puf… não confundas com marcas de cereais, são marcas da ignomínia, do vexame ou vergonhaça que é o teu mundo perro de perro ou perro de cão.

Acaba aqui, isso sei eu, saída triunfante, pedestal corrupto e ar de chalaça. Para rimar tem a nossa desgraça, quase poesia interventiva de coisa nenhuma, porque já não há nada onde intervir nem intervenção para haver. Que acaba aqui, também eles sabem!