Crónica da morte anunciada de Gabriel García Márquez

Fui hoje sacudido pela notícia vinda a lume num intercalar da Antena 1 de que, acometido de uma grave infeção pulmonar, Gabriel García Márquez , foi internado de urgência num famoso hospital da Cidade capital do México, país que o próprio escolheu para viver desde muito antes de ter comunicado ao mundo a decisão irrevogável de que precocemente ia abandonar a carreira de escritor.

A juntar à ausência de décadas do contacto com o jornalista acutilante que usava a linguagem do povo, viu-se mais recentemente este privado também do escritor que lhe dava voz.

Sem ter na última dezena de anos publicado qualquer livro, Gabriel García Márquez apresentou-nos como as mais recentes personagens com que povoou o nosso imaginário, um sem-número de putas de quem só nos lembramos que eram tristes porque o autor não quis através do título da obra fazer jus ao prazer de que na sua companhia desfrutava o protagonista da história.

Em “Memória das minhas putas tristes”, Gabriel García Márquez mostrou-nos que, volvidos mais de vinte anos desde o reconhecimento mundial através do galardão Nobel, pelo extraordinário contributo para a divulgação, graças ao estilo de ficção conhecido por Realismo Mágico, e compreensão dos fenómenos culturais daquele recanto do globo, ainda era capaz de surpreender-nos com uma obra na qual descreve uma população rural em comparação com a qual os habitantes das sociedades ocidentais estavam menos preparados não só para enfrentar o problema da fome mas também o de saberem lidar com personagens centenárias ou misteriosos alquimistas detentores de pergaminhos capazes de revelar os segredos da vida no planeta.

Dito isto, pelo afastamento precoce do político, escritor, jornalista e mediador de conflitos que foi Gabriel García Márquez, concluo termos tido na última década tantas saudades editoriais desse incomparável autor que vem neste momento à memória a falta que sentiríamos do mais brilhante escritor latino-americano de todos os tempos se ele não tivesse nascido numa pequeníssima localidade colombiana chamada Aracataca, fez no passado dia 6 de Março precisamente oitenta e sete anos.