Cuidado com os lemingues! – Francisco Duarte

Os nossos líderes estão a agir como lemingues.”

Jack Herer

Lemingues são pequenos roedores que vivem nas regiões Árcticas. Herbívoros, embora capazes de apanhar também larvas e insectos (quase nenhum animal é realmente apenas herbívoro ou carnívoro, mesmo veados são conhecidos por apanharem pássaros, mas isso é tema para outra crónica), estes animais foram sendo associados a ideias erróneas durante o passar dos séculos e embora hoje saibamos muito mais sobre o seu comportamento, certas coisas são relativamente desconhecidas. Outras nem por isso.

Decididamente que o maior mito associado com estes animais é aquele que refere o suicídio em massa no final do Verão, como explicação para o súbito declínio populacional. Admito que, para mim, esta noção nunca fez grande sentido. Não é comum um animal suicidar-se, muito menos um mamífero. Por outro lado porque é que haveriam de o fazer de todo? Afinal, a chegada do Inverno trataria de exterminar qualquer população a mais e, acima de tudo, que tipo de mecanismo cognitivo sobreviveria à morte dos seus próprios portadores?

Teria de haver uma vantagem de qualquer tipo para o mecanismo existir, e, novamente, não recordo qualquer comportamento em que mamíferos que implique o seu sacrifício por algo fora do seu grupo familiar, excepto os seres humanos claro (de uma certa maneira somos os únicos que realmente se “suicidam” me massa de tempos a tempos).

Portanto, assim sendo, o que realmente sucederia aos lemingues?

Dinâmicas populacionais

Convém ter em mente que o lemingue é o mamífero que mais depressa se reproduz. E por uma larga margem! Produzem ninhadas entre 16 a 28 após a concepção, e as mães cuidam das crias durante 16 dias antes de estas se aventurarem no mundo. Após duas semanas as fêmeas já estão capazes de reproduzir, os machos demoram sete semanas.

E o processo pode-se repetir, e não pára durante o inverno pois os lemingues não hibernam.

Evidentemente que isto tem motivos e consequências.

Porque os lemingues desenvolveriam tais hábitos é relativamente evidente. São o herbívoro mais comum do Árctico e, também, o fundo da cadeia alimentar. Diga-se que são como as sardinhas, nas zonas onde vivem todos os predadores se alimentam destes animais. E é de facto assim… Todos.

Raposas comem lemingues. Corujas comem lemingues. Corvos comem lemingues. Até os lobos se os apanharem.

Mais ainda. O Inverno, de facto, traz uma boa taxa de mortandade sobre estes roedores. Apesar de terem pelo à prova de água, que os ajuda a manterem-se quentes, mesmo assim o frio causa muitas baixas.

Portanto para sobreviverem a tamanha depredação os lemingues tiveram de desenvolver hábitos de reprodução absolutamente loucos. Contudo isto teve outra consequência. Os lemingues tornaram-se um pouco bons demais. O que leva a um aumento da densidade populacional, mesmo para níveis em que o ambiente deixa de suportar tal densidade populacional.

Migração e futuro

Como outros animais os lemingues migram para evitar disputas entre os da mesma espécie (um exemplo curioso deste facto é a migração dos coelhos na Austrália, que as tentativas humanas de impedir através de muralhas e outros meios – para evitar que destruam as colheitas – transforma num dos maiores desastres animais a nível mundial). Também são bons nadadores, e não é incomum tentarem atravessar grandes cursos de água. É aqui que muitos de facto morrem. Não é um suicídio, de facto, mas antes uma falha de avaliação do tamanho do curso de água e posterior afogamento.

No entanto este não é o evento devastador que controla a população destes animais. Não, a predação continua a ser a maior responsável. E há mais. Aparentemente o Inverno, por muito que possa prejudicar os animais, também os ajuda de sobremaneira.

Aparentemente os lemingues abrigam-se sob os mantos de neve para se reproduzirem, e isto ajuda-os a aumentar os números para as caçadas de Verão. Faz parte do ciclo biológico dos animais que, inclusive, é traduzível através de fórmulas matemáticas.

Infelizmente parece que o aquecimento global pode estar a afectar esta realidade. Se os mantos de neves se tornarem mais pequenos e menos duradouros, os lemingues não serão capazes de restabelecer os números antes que os predadores os ataquem. Assim sendo originar-se-ia um evento cataclísmico no Circulo Polar, com repercussões impossíveis de imaginar.

Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso