A culpa será sempre das mães – Parte 1: Publicidade deprimente

Era meia-noite e uns minutos,  lá estava eu, sentada na retrete da casa de banho a chorar compulsivamente. Os meus filhos já dormiam, as luzes da casa completamente desligadas. Chovia imenso, trovejava ainda mais. Da janela ainda aberta conseguia ouvir os automóveis a passar velozmente na rua molhada, ouvia as pessoas a conversar enquanto se abrigavam e aguardavam pelo autocarro. Mas nada disso me interessava naquele momento, eu sentia as minhas faces a arder de tantas lágrimas, de facto estas eram tantas que fiquei com os pulsos molhados de as tentar limpar, os meus olhos inchavam a cada lágrima que caía.

Não fiquem admirados por chorar sentada na retrete da casa de banho, certamente as leitoras que são mães compreenderão melhor que ninguém o meu estado. A minha casa já se habituou à chanfrada da nova inquilina, já chorei a tomar banho, no sofá da sala, enquanto cozinhava, no chão da entrada, na secretária enquanto escrevo, na minha cama, no quarto dos meus filhos, nas escadas…também é habitual eu falar para as paredes da minha casa…precisava de ver um programa televisivo que me distraísse, mas não tenho televisão, talvez ir ao facebook ou ler uns emails, mas não tenho internet. Ler um livro era uma opção mas não estava com astral para ler o livro As cinquenta sombras de Grey que já estou a ler há meses, ligar a alguém estava fora de questão (aprendi desde muito nova a desenrascar-me sozinha seja em que circunstancia for). Naquela noite, já madrugada, não havia nada para me tirar o sufoco, então eu e a culpa ficamos ali noite fora a torturarmo-nos uma à outra…

Nesse dia de tarde, desloquei-me ao hospital para uma consulta de rotina do pirralho mais novo. Ele, que está na fase dos quatro anos, na fase horrível do quero posso e mando se não faço uma birra e deixo a minha mãe vermelha como um pimento e a snifar de raiva em frente a este pessoal todo. E assim fez…uma birra colossal porque queria jogar um jogo no meu telemóvel e eu não deixei (pois é leitores, esta geração faz birras por tabletes e telemóveis e não por barbies e carros como há trinta anos atrás). Eu, que tinha dormido quatro horas na noite anterior, que tinha saído do trabalho a correr, buscar os putos na escola a correr, apanhar o metro a correr, sem almoçar, estava completamente exausta. O insolente continuava a fazer a birra dele, os pacientes todos a olhar para nós os dois, creio que até vi uma mãe a abanar a cabeça, eu sem lhe passar cartão e a sentir a minha paciência a esgotar em segundos, até que uma tipa chegou à beira dele e deu-lhe dois chocolates pequenos…a birra parou. O que me apetecia naquele minuto? Estrangular a fulana sem dó nem piedade e perguntar-lhe se ela sabia a gravidade da sua ação, sua estupida!

Quando cheguei a casa só me ocorreu um pensamento: vou sair porta fora, deixo-os aqui sozinhos, não quero saber, vou sair porta fora e dar uma quequa com o primeiro gajo que me aparecer e esquecer que o dia de amanhã existe. Não quero saber de horas para jantar, horas para tomarem banho, dormir, contar histórias, ajudar nos trabalhos de casa, roupa para vestirem, brinquedos para arrumar, consultas de medico, dentista, roupa para comprar, material escolar, livros escolares…entrego a pasta de mãe a outra pessoa e vou viver uma vida plena de liberdade e isenta de horários e lagrimas! Yes, i can! Não, não posso…obviamente que não fiz justiça aos meus pensamentos.

A publicidade com que as mães se deparam diariamente é altamente deprimente. Ainda não vi nem li, nenhum anúncio que mostrasse a realidade diária de uma mãe, trabalhadora ou não. É só anúncios em que as mães aparecem lindas, cabelo arranjado, unhas cuidadas, cara divinal, uma roupa cinco estrelas, a abraçar os seus filhos e a sorrir-lhes amavelmente só porque os putos estão a comer um boião Nestlé ou a usar fraldas Dodot. Meus caros publicistas, não fazem a mínima ideia do que a cliente quer assistir, eu mesma faço um anúncio totalmente gratuito mas totalmente real: não sei o que é obrar na casa de banho sem companhia, não consigo ir tomar um café sem ter que repetir, no mínimo, dez vezes para estarem quietos. Quando me olho ao espelho à noite não me reconheço, de manhã até me assusto. O cabelo parece palha, as unhas estão roídas, os dentes por lavar, os olhos borratados da maquilhagem que ficou por tirar na noite anterior, os pés doem, a cabeça também. Não há tempo para passar o creme anti celulite, não há tempo para um bom banho, arranjar as unhas está fora de questão, escolher a roupa que vamos usar nem pensar, quando conseguimos cinco minutos para ler um livro ouvimos o ecoar dos gritinhos, risadas e beliscões, quando conseguimos cinco minutos para ver televisão, só nos resta assistir ao episódio O Ruca foi ao penico ou o episódio Caiu as calças ao homem-aranha.

E as entrevistas com as celebridades mamãs? Fantástico! São vidas perfeitas, nas suas mansões, tem casamentos de sonho, maridos espetaculares, quatro ou cinco filhos que se dão todos bem e se portam ainda melhor. As celebridades aparecem nas fotos frescas que nem alfaces, tiveram o bebé há duas semanas e já estão em plena forma, sem olheiras nem irritação visível. A foto de família toda pomposa com a seguinte legenda: Cuidar de cinco filhos sozinha deixa-me realizada apesar de muito trabalho. Oh, tão emocionante! Querida, experimenta viver num T2 com um quarto do teu vencimento, sem empregadas para limparem os cocó dos teus filhos, e sem empregadas para te arrumarem a casa, levantares-te às seis da manhã para ires trabalhar, chegares ao fim da tarde exausta e ainda teres uma catrefada de tarefas para cumprires até de madrugada, e viveres numa sociedade que não te valoriza pelo teu esforço diário, dava-te o fanico meu bem!

“Eu sei que não é fácil…desistires do teu coração…ninguém é perfeito.”

(Música: Adele One and Only)

Continua