Ser da Síria é que está a dar…

“Às vezes penso que tive muita sorte por ter nascido onde nasci. Outras penso que se tivesse nascido na síria tinha ficado sem mãos por escrever este texto…”

Quem me conhece sabe que sou um tipo pacato, que raramente se mete em problemas e que tem por hábito deixar os assuntos quentes da actualidade longe das suas crónicas. Mas quem realmente me conhece sabe que sou um mentiroso! Mas atenção, não no mau sentido… Sou um mentiroso brincalhão. Um daqueles mentirosos que transforma a verdade em prol de uma boa história. Digamos que sou uma espécie de mentiroso… Ups, peço desculpa, uma espécie de escritor do “Correio da Manhã”. (Sim, eu sei que intitular-me uma espécie de escritor do “Correio da Manhã” não abona muito a meu favor mas é assim que me sinto hoje: um adulterador de verdades!)

 

Antes de mais, permita-me que lhe faça uma pergunta: o termo correcto, a utilizar, quando nos queremos referir à malta que está a invadir a Europa será migrante, ou refugiado?! É que mesmo após uma longa pesquisa na Internet não me consegui decidir.

Segundo a Internet migrante refere-se a toda e qualquer pessoa que muda o seu lugar de residência para outro por um tempo indeterminado. Em geral, o migrante tenta buscar um novo lugar de convivência onde as possibilidades de trabalho e sociais sejam mais satisfatórios do que lugar onde vivia anteriormente. Também é possível que esta situação aconteça por motivos familiares ou por questões de namoro, casamento, entre outros…” – in conceitos.com.

 Já “refugiado, é toda a pessoa que, em razão de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo.” – by Wikipédia

Ora portanto, à primeira vista, eu diria que eles são refugiados. Até porque não me parece que tenham vindo para cá em busca de maridos para as suas filhas ou de um novo emprego mais vantajoso. (Se bem que aquele tipo que foi pontapeado pela jornalista vai para o Getafe treinar uma equipa de futebol… Talvez tenha sido a forma como disse à jornalista que não estava a chutar bem que despertou a atenção da malta do CENAFE.). Mas, se pensarmos bem, o facto de fugirem de um país onde a sua religião e costumes sociais eram bem aceites para virem para uma Europa que repudia a maior parte das suas regras não me parece ser a escolha mais inteligente, não é verdade? Será que o motivo deles é outro?! Pois, não sei. O que eu sei é que para simplificar este meu artigo irei passar a tratá-los por “coise”. Sendo que não devemos encarar este adjectivo como depreciativo. “Coise” é simplesmente… “coise”!

Imagem que documenta o exacto momento em que uma jornalista pontapeou um refugiado

Ser-se “coise” é ter sorte! Pelo menos em Portugal. Já na Hungria ou na Áustria a coisa é capaz de não ser bem assim. Em Portugal um “coise” tem um T4 em Palmela à disposição. Eu sou português e quando quis arranjar uma casa de férias na Arrábida pediram-me €400 por semana.

Ser-se “coise” é vantajoso! Mal eles cheguem ao país o Estado Português irá atribuir-lhes um Rendimento Social. Eu fui pai recentemente e nem o abono de família consegui que me atribuíssem. (O que é que depreendemos daqui? É bem mais lucrativo mudar de país do que fazer bebés!)

Ser-se “coise” é ter muitos amigos! Ainda os “coise” não chegaram cá e já existem grupos e páginas no Facebook a organizarem peditórios de casas, roupas, comida e dinheiro para eles. Eu precisei de 10 cêntimos para pagar a conta no Pingo Doce e tive de deixar lá um tomate. (Atenção foi mesmo um tomate que deixei lá. Não se ponha com pensamentos ordinários.)

 

Eu sei que posso estar a ser injusto. Os “coise” também têm direito a uma vida condigna, sem medos, com trabalho, e a poderem viver num país sem guerras. Claro que sim! Tenho a certeza absoluta que Portugal é o lugar certo para eles habitarem. E que facilmente se enquadrarão no nosso modo de vida, tornando-se “um de nós” num ápice…

Os seus familiares abrirão lojas de reparação de telemóveis; as suas esposas irão espreitar os saldos da Women Secret enquanto fazem tempo para irem à cabeleireira; as suas filhas poderão frequentar a faculdade, tirar a carta de condução e escolher o marido que mais lhes aprouver; e os seus filhos poderão imbuir-se (ou embebedarem-se) da nossa cultura. Quem sabe se até não decidem enveredar pelo Catolicismo. Ao fim ao cabo eles vêm para Portugal para isso mesmo, para serem livres de fazer o que lhes der na real gana, não é verdade?! (Até porque se pensarmos bem, a religião Católica deve fazer muito melhor aos joelhos e à coluna do que o Islamismo. Aquela história do baixa e levanta, baixa e levanta, baixa e levanta, 3 ou 4 vezes ao dia, é coisa para dar cabo das dobradiças a qualquer um.)

Acha que continuo a ser injusto? Injustas são as redes sociais: o Facebook, o Twitter, o Instagram… Páginas e posts que aumentam em larga escala o ódio que os europeus nutrem por eles. Pobres pessoas incapazes de se defender. É que mesmo aqueles “coise” que trouxeram os seus Samsungs S6 e iPhones topo de gama não têm como responder aos comentários xenófobos nas redes sociais. É que toda a gente sabe que os dados móveis em roaming são caríssimos e os postos fronteiriços raramente disponibilizam a password do Wi-fi.

 

Para terminar quero apenas dizer que repudio veementemente quem ofende os “coise”, só porque  foram filmados a recusar uma meia dúzia de garrafas de água, ou porque se queixaram das suas novas acomodações, ou até porque ficaram retidos na Hungria quando o que queriam mesmo ir para a Alemanha. Ao fim ao cabo estamos ou não estamos na Europa – terra da liberdade e das oportunidades? Uma pessoa mal chega cá devia ter acesso ao livro de reclamações em todo o lado. Compreendo que seja chato pagar 10 ou 20 mil euros a um mafioso, fazer 4mil quilómetros, atravessar 6 países e depois dizerem-nos que não podemos entrar. (Se a mim já me irrita quando tenho que andar 15m a pé, para ir ao supermercado, e quando chego lá deparo-me com ele fechado imagino a eles.)

Malta que vem de fora, aqui fica um conselho: porque não experimentam ir até Estados Unidos, quem sabe se não terão um pouco mais de sorte lá pelas terras do Tio Sam! (É certo que essa viagem deve sair um pouco mais cara do que vir para a Europa, mas se pedirem ajuda ao Estado Português ele certamente comparticipará parte das vossas despesas…)

“Às vezes penso que tive sorte por ter nascido onde nasci. Outras penso que se tivesse nascido na Síria, a renda da minha casa aqui era bem mais barata!”