De Zero a Dez de Margarida Fonseca Santos

Convivi toda a minha vida com alguém que tem dores todos os dias.

Para mim já não é novidade, a dor que tem de se ter antes das operações, a dor que se tem depois das operações, ou mesmo no dia-a-dia, querer fazer algo para a qual se tem idade de fazer mas não conseguir, ou fazer mas no dia seguinte, não há nenhum comprimido milagroso que faça as pessoas que sofrem sorrir, ou mesmo sair da cama.

Ouvi choros, no entanto há sempre força para rir e isso (para quem está do lado de fora) é a melhor das vitórias.

Este ano chegou-me às mãos o livro de Margarida Fonseca Santos, De Zero a Dez e embora já estivesse dentro da situação a autora conseguiu fornecer-me um manual de instruções para quem vive e convive com este monstro que é a dor.

Um manual de instruções com história.

Este romance esbofeteia-nos com uma realidade presente, que é a discriminação social e a falta de apoio de quem nos é mais próximo, dá a conhecer o que sentem as pessoas que vivem com a dor no seu dia-a-dia e quão grande é para essas pessoas o que a nós nos parece pequeno.

A evolução da personagem é-nos mostrada de uma maneira subtil, tanto que sem nos apercebermos, o nome dos capítulos tem influência na leitura.

A narrativa envolve-nos numa vida desconhecida e desperta-nos os sentimentos, todos, menos pena.

Lentamente começamos a viver a vida da personagem, a torcer para que ela ultrapasse esta limitação tão frustrante que tem. Faz-nos insultar a injustiça, gostar de quem a apoia e revoltar com a sua situação.

Ao entrar na rotina de Leonor (personagem principal), percebemos que, na doença não há vítimas nem pessoas doentes, apenas pessoas que lutam uma batalha diferente na vida, tendo uma incapacidade ou não, ensina-nos a ver a pessoa para lá da doença, essa pessoa que tem uma personalidade, que é boa a fazer coisas, que gosta de ir ao cinema.

Leonor ensina a quem lhes dói e a quem a vê doer.

Na dor, a vida não acaba, apenas uma aventura começa.

Artigo de Joana Felizardo Valente