Derby: “Os 11 jogadores” vergaram “uma equipa”.

Polémica. É desta forma que se pode classificar todo o pré-jogo entre Benfica e Sporting. Entre trocas de acusações; processos em tribunal; árbitros “comprados”; jantares milionários e podres descobertos, as semanas antes do clássico tiveram de tudo. No entanto, nada faria antever o que as 63 mil pessoas teriam de assistir ao vivo: um enorme balde de água fria despejado pelo Sporting em cima do seu vizinho Benfica. 3-0. Uma vitória quase histórica que vem isolar o clube de alvalade na liderança do campeonato.

De um lado, um treinador que baseia o seu discurso – e não só – em frases feitas. Do outro, um treinador com um ego tão grande quanto a sua conta bancária. De um lado, a acusação de que o Sporting não é uma equipa, mas sim “um conjunto de 11 jogadores”. Do outro, a bicada de que o trabalho que está feito no Benfica, é da autoria de Jesus. Frases quentes que anteviam um derby escaldante. Assim foi. As equipas apresentadas não ofereceram grandes surpresas, com ambos os técnicos a apostar na estabilidade. A entrada no estádio foi ruidosa; assobios para Jesus e Bruno Carvalho; gritos de incentivo e tarjas para os da casa. Nada de novo. Se a isto aliarmos o que foi, segundo os comentadores da BTV, o MELHOR voo de sempre da águia, então temos os ingredientes certos para começar.

Os primeiros minutos de jogo foram algo atabalhoados. Entre as muitas cartolinas atiradas para o campo, lá se conseguiu ver um lance de perigo, que acabou por ser o do golo. Aos 9 minutos o Sporting surpreendia tudo e todos com o seu cinismo e colocava-se em vantagem na primeira vez que se acercou da baliza de Júlio César. A partir daqui o nervosismo inicial dos encarnados, ganhou outra proporção. A bola queimava. O Benfica não conseguia desenhar uma jogada, tornando todas as suas acções repetitivas e perdendo muitas bolas no processo de construção. Não havia uma linha que ligasse o jogo ou mesmo um pendor ofensivo que fosse visível. Tudo o que era feito, era feito em esforço. Do outro lado, estava uma equipa matreira e muito evoluída tacticamente. Os “viscondes” foram irrepreensíveis na coesão e organização defensiva, aliando isso a uma forma apoiada e certeira nas transições ofensivas. Havia uma ligação e uma objectividade tremenda. Tudo isto redundou num 2º golo do jogo. Slimani, aos 21 minutos, sem tirar os pés do chão, cabeçava de forma indefensável para a baliza encarnada. Mais um golo, mais um erro de marcação e uma falha clamorosa da defesa. Os laterais dos homens da casa andavam completamente perdidos em campo. Não construíam, tremiam por todos os lados na hora de defender e ainda aliavam tudo isso a falhas de atenção gritantes. O descalabro viria a tornar-se maior quando, aos 36 minutos, Bryan Ruiz fez o 3-0 e o resultado final. Até ao fim da 1ª parte o Benfica não causou qualquer perigo, tendo a turma de Alvalade o jogo perfeitamente controlado e manietado a nível táctico. O segundo tempo não trouxe nada de novo: mais Sporting, que passou a pressionar mais alto; um Benfica desesperado por um golo e sem conseguir sair a jogar; um Jorge Jesus com o ego quase em Marte e um Rui Vitória que não fazia a mínima ideia do que fazer, então, optava por colocar avançados e médios ofensivos – que nada acrescentaram, diga-se. O resultado foi gerido e talvez até pudesse ter sido dilatado, não fosse Luisão ter a mira um bocadinho mais curta do que seria suposto. Isso e Júlio César ter salvo em cima da linha. Uma vitória esclarecedora de uma equipa competente e muito inteligente em todos os capítulos do jogo. Quanto às águias, apresentaram uma equipa descaracterizada, sem chama, nervosa, descrente e que deve ter deixado os seus adeptos mais do que envergonhados.

Este clássico foi talvez um dos mais mediáticos dos últimos anos. Não porque a Liga Portuguesa se decida a 8ª jornada; não porque o futebol tenha sido ao nível do melhor do mundo; não porque os adeptos tenham sido todos amigos e tenha havido fair-play, mas sim por todas as condicionantes que o envolveram. O futebol português caiu num vazio ético tão grande, que só as desmedidas acusações, falácias e insultos baratos, o alimentam. Os discursos incendiários de Presidentes que ainda acham que são membros da claque; a figura odiosa de um cego fanático como Pedro Guerra e todas as notícias em torno de jantares; árbitros; FutebolLeaks; contratações por preços mais reduzidos; lutas por jogadores; dinheiro sujo de investidores; roubos informáticos; sms enviados; indemnizações ridículas exigidas e estudos fantasma, roçam o deprimente. Tudo isto encheu telejornais, diários desportivos e o facebook. Tudo isto contaminou um jogo que poderia ter sido um duelo interessante entre duas equipas de tarimba mundial. Tudo isto toldou – ainda mais – a visão dos adeptos facciosos. Quem sai a perder é o futebol. Sem a menor sombra de dúvidas. O que se retira daqui, em termos desportivos, é que Jorge Jesus é mil vezes mais treinador do que Rui Vitória. Nada de novo. O timoneiro encarnado prefere refugiar-se em frases retiradas de livros de auto-ajuda, ao invés de se focar em saber pressionar; em não lateralizar tanto o seu futebol; em evitar a descoordenação defensiva; em apostar num meio-campo mais coeso. São aspectos do jogo que passam ao lado do ex-técnico vimaranense. E não deviam. Quanto a Jesus, ter dado 3-0 em casa da equipa que treinou durante 6 anos e da qual afirma ainda se reger pelos seus métodos, é a cereja no topo do bolo. Agora ninguém conseguirá “calar” o técnico verde e branco. Continuará o seu bate-boca inócuo e as suas provocações encobertas, como sempre o fez. Porém, agora terá um resultado de 3-0 a seu favor e duas vitórias em dois jogos com o Benfica. É obra. O Sporting tem agora um cérebro, alguém que se sabe explanar as suas ideias em campo e trazer resultados com isso. A equipa da Luz, não. O principal culpado é, sem sombra de dúvidas, Rui Vitória. Ou Luís Filipe Vieira, que o pôs lá.

O futebol não está morto. Contudo, para lá caminha. Um país que atravessa uma das maiores crises políticas dos últimos anos, consegue ainda juntar a tudo isso, um mundo desportivo miserável composto por crápulas, difamadores e vendidos. O jogo já não interessa. O que interessa é a provocação e o insulto fácil. O que interessa é o preço da cesta de pão no restaurante onde os árbitros vão comer. Isso é que é o principal. A bola a rolar? Mas isso interessa a quem? O que faz falta é alimentar ódios e cegueiras com programas de televisão incendiários, tudo o resto é secundário. Para a história fica a vitória da eficácia, da componente táctica e da perspicácia. Para a história fica o tiro que saiu pela culatra a Rui Vitória. Parece que “os onze jogadores”, acabaram por se superiorizar à “equipa”. Pensar antes de se falar nunca foi tão essencial.