Desculpem mas é mentira

Montras e vitrines cheias de bons charutos, vinhos caros, alguns postais decorados com desenhos infantis e alegres, tabletes de chocolate em forma de coração e com a palavra PAI estampada e lojas de roupa masculina com promoções – tudo isto destinado a comemorar o dezanove de março. Desde miúda que não tenho hábito de comprar qualquer espécie de lembrança para o meu pai neste dia; parece que lhe estou a oferecer o amor de outra filha por outro pai, a pessoa que pensou, fez, desenhou ou construiu aquele presente que, de meu, tem muito pouco. Sempre preferi fazer um desenho, escrever uma carta, deixar um bilhete, mandar uma mensagem, fazer uma montagem fotográfica ou simplesmente dar um beijo e um abraço e desejar um bom dia do pai; tudo isto, bem ou mal desenhado ou escrito, sou eu, transborda de amor e orgulho. Posso afirmar que, com estes pequenos gestos, coloco naquela cara bolachuda, igual à minha, mas masculina, marcada por algumas rugas e cabelo grisalho o mais bonito e genuíno dos sorrisos. Os olhos brilham, humedecidos pela comoção de, como sempre, me lembrar deste dia.

Mas como é que é possível, mesmo que por instantes, pensares que não me lembraria de ti? Achas que isso iria acontecer de verdade ou é só medo de me veres crescer, ficar adulta e o facto de ter uma vida mais preenchida e dias mais ocupados, com trabalho e responsabilidades afins, esquecer-me-ia de te desejar um feliz dia? Sou uma criança sempre que me fazes cócegas, volto a ser uma garota quando me fazes aquele “Brrrrrrrrrrrrr” na barriga, retrocedo largos anos de vida sempre que, à noite, vais aconchegar-me as mantas e os cobertores até ao pescoço, me pões o cabelo para trás e me beijas a testa. Sabes que muitas vezes não estou a dormir quando o fazes, não sabes? Reconheceria os teus passos mesmo a quilómetros de distância mas prefiro manter-me quieta e em silêncio enquanto os teus olhos de pai protetor que me ama acima de tudo se derretem a ver-me dormitar e se esquecem do quanto a minha cresceu e o meu quarto mudou. E por que é que valorizas esta data? Lembro-me de ti todos os dias, sempre que me olho ao espelho vejo parte de ti lá, sempre que o meu lado mais afincado se revela, uma ínfima voz na minha cabeça diz-me que sou tal e qual como tu.

Este ano, pela primeira vez, vi uma publicidade que apesar de incitar à compra de qualquer coisa demasiado impessoal, na minha opinião, para aquilo a que se destina fez-me parar, ler e sorrir ao constatar tamanha verdade: Dad. A son’s first hero. A daughter’s  first love. É mesmo verdade e isto faz de ti, papá, o meu primeiro amor. Duvido que sejas só o primeiro. És o mais verdadeiro e incondicional. Não há nada que me doa mais que ver a tristeza nos teus olhos quando vou para longe de ti, o teu franzir de nariz que antecipa a tristeza na tua voz mas para quê isso? Estás sempre comigo, eu sou a tua fotocópia e não há espaço para sentir saudades como as que me confessaste a noite passada, todo o espaço que é teu, em mim, é preenchido por sentimento. Tu sentes o que sinto, sem ser preciso dizer. As palavras nunca foram a nossa melhor definição e o mais incrível de tudo é que a nossa cumplicidade não precisa de ser falada para ser vista por todos e vivida por nós. Parece um cliché e peço desculpa a todos os pais que já ouviram esta frase, desculpem mas os vossos filhos mentiram-vos, lamento terem de saber assim mas nenhum de vós é o melhor pai do mundo. Esse é meu. Amote, sem qualquer traço que ouse separar isso.