Desemprego e Felicidade

Sou licenciada, tenho 31 anos e estou no desemprego. O desemprego e a felicidade podem ser antagónicos, tudo depende da forma como os olhamos. Haveria muito para falar e partilhar como cheguei até ao desemprego mas isso deixarei para outras núpcias, ainda não é a altura certa. Faço parte dos que conseguiram trabalhar na área alguns anos mas por infortúnio ou por outro motivo qualquer estão neste momento no desemprego ou em trabalhos precários, pois é isto que o nosso país tem para oferecer aos que são de cá, aos que estudaram cá e de cá não saíram. Com experiência na área de controlo de qualidade alimentar, desenvolvi em algumas empresas o plano HACCP de “raiz”, dei continuidade de melhoria em outras, enfim desenvolvi todo um conjunto de trabalho que há para fazer nesta área, esta era a minha paixão… Desculpem é a minha paixão, aprender, realizar, desenvolver, controlar, aqui podia trabalhar 10h ou 12h por dia que não estava cansada, estava motivada. Para além da licenciatura, tenho ainda outra formação em técnica auxiliar de reabilitação em fisioterapia, tenho CAP de formação para formadores e uma outra série de pequenas formações na área alimentar. Desenvolvi também experiência na área administrativa mas esta é daquelas que eu faço para ganhar sustento. Noutros tempos isto bastava para ficar deprimida, a chorar horas a fio, perdida… Agora por estranho que pareça sinto-me feliz.

Os anúncios que encontro na internet, sim porque como sou licenciada tenho de fazer 6 procuras de oferta de trabalho por mês, pois para quem não sabe quem não tem licenciatura faz apenas 4… Diferenças que não discuto, ou que só me dão vontade de discutir quando vejo noticias do género, a empresa XPTO oferece postos de trabalho a jovens de nacionalidade XPTS. Mas como ia a dizer os anúncios são um verdadeiro estapafúrdio e atentado, alguns pedem duas licenciaturas ( os meus pais já gastaram pouco dinheiro numa quanto mais em duas, obrigado pais), outros dizem-me que com 31 anos estou velha para trabalhar ( burros pois aos 31 anos temos muito mais capacidades cognitivas e de responsabilidade que aos 21), outros dizem-me que tenho demasiada experiência ou ainda não tenho a experiência certa. Uma verdadeira risota…

A maioria são trabalhos precários em que se trabalha 6 dias por semana e ganha-se 400 euros com contrato ou até sem contrato (Kandonga), outros são estágios profissionais em que não existe qualquer compromisso, enfim neste momento tudo o que imagina é possível e passível de se encontrar. No que toca à kandonga não posso deixar de dizer que o estado é “enrrabado” (palavra feia eu sei mas tem de ser) todos os dias porque quer, pois se colocasse na rua mais profissionais idóneos e competentes para fiscalizar estas situações, nós ganhávamos um posto de trabalho e eles ganhavam muito dinheiro, porque a kandonga é um grande mundo.  Porventura o problema será que isto é uma grande kandonguice? Noutros tempos isto deixava-me deprimida…Agora por estranho que pareça sinto-me feliz.

Há dias no centro de emprego ofereceram-me trabalho na minha área para uma empresa que ia abrir de novo, uma indústria de pescado (comecei logo a torcer o nariz, empresa nova num tempo destes…), 1500 euros mensais (quando a esmola é muita o pobre desconfia), mas respondi, até hoje nem bom dia, nem boa tarde, nem vai à merda… Ao menos que me mandem à merda com delicadeza. Pois é para efeitos de estatísticas também existem os empregos que não passam de ficção. Uma verdadeira risota…

Há dias fui “obrigada” a ir a uma sessão de esclarecimento sobre os direitos e os deveres do desempregado, sim obrigada porque se não comparecer cortam-me o subsidio mas esquecem-se que não me pagam gasóleo para me deslocar e que só me pagam 65% do ordenado que auferia, já para não falar que agora é isto todos os meses, sessão da treta… Nessa sessão, lá no meio a senhora que era uma simpatia e agora não estou a brincar por estranho que pareça era mesmo uma simpatia, diz assim:” Se forem de férias para fora do país uma semana ou até 2 ou 3 dias, têm de informar para ONDE vão…”. Ora eu não me contive e respondi: ” Era só o que me faltava, já não me basta sentir em prisão pois tenho de me ir apresentar de 15 em 15 dias, agora também tenho de contar a minha vida, eu nem ao meu patrão dizia para onde ia de férias. Vou e venho e vocês nem nunca sonham.” Noutros tempos isto deixava-me deprimida…Agora por estranho que pareça sinto-me feliz.

Ontem fui a uma entrevista, um trabalho precário, bla bla bla mas no fim a senhora diz-me assim: “Estou interessada em si, tem muito boa apresentação, gostei da sua presença e do seu discurso, no entanto precisávamos de alguém para fazer noites, vou ficar com os seus dados e voltarei a contactá-la.” Eu não ganhei o trabalho mas ganhei o dia em auto-estima, ainda existem pessoas normais felizmente e que não servem apenas para meter o outro sempre num nível inferior. Assim como ontem, sei que ainda terei de fazer muito mais viagens, gastar muito mais gasóleo, portagens, ficar algumas vezes com o ego em cima outras em baixo, sei que apesar de estar feliz muitas vezes vai surgir aquele sentimento de tantas horas gastas a estudar, sentimentos de inutilidade e de falta de direcção, pois isto está…Uma verdadeira risota…

O meu nome eu não escondo, a minha formação também não, pois isso seria mascarar a minha identidade e viver num mundo de mentira. Sou eu mas sei que como eu existem muito mais assim, não baixarei os braços mas também não vou desesperar, agora tenho tempo para mim, tenho tempo para parar e pensar, tenho tempo para observar o que me rodeia, tenho tempo para um café, tenho tempo para as minhas filhas, tenho tempo para fazer artesanato que tanto gosto, tenho tempo para fazer caminhadas, tenho tempo para dormir, tenho tempo, não preciso de andar a correr e como tenho tempo sou feliz!

E se é para esperar, então vou esperar confiante de que amanhã o sol vai existir para mim. Agora não vou ficar com aquele sentimento de que não valho nada, que não tenho conhecimento suficiente pois isso é o que o mercado de trabalho desperta e quer em nós, mas isso não é o que eu quero para mim e por isso estou no desemprego mas sou feliz!

E quando a vida me diz não eu olho para o sol e digo-lhe: “Senhor renova o meu espírito assim como renovas todos os dias a face da terra.”