Dia mundial da criancice

Quando já não for criança é que hei-de ir à Euro Disney e divertir-me como, hoje em dia, fazem todas as crianças que gostam de brincar aos jogos que divertem os adultos.

Um dos mais populares neste momento em que vos escrevo, é o Crossfire, que an1uncia a entrada em combate de um soldado armado até aos dentes, com um FPS recheado de rajadas de metralhadora, zombies e monstros assustadores. Na versão mais recente deste jogo, o jogador na pele do soldado de vos falo, entra em ação movimentando-se com a astúcia de uma raposa, porém, raciocinando como um primata. Distribuindo tiros em todas as direções, tenta acertar em tudo o que se mexe, comportando-se como o homem de há mil anos que saía para ir caçar de arco e flecha e, por haver tantos espécimes, a maior dificuldade que enfrentava era a de saber a qual apontar para levar às costas para casa e poder alimentar a família.

Por entre mostrengos, zombies e seres de proporções descomunais, o planeta onde se desenrola este jogo é povoado de criaturas estranhíssimas que, se habitassem na Terra, constituiriam uma ameaça maior aos seus habitantes do que um atirador incauto armado de uma bazuca. Do jogador, de quem não vemos a cara e que assume a função de caçador de todos os exemplares dessa espécie, apenas sabemos que usa uma arma automática de última geração, como as dos protagonistas dos filmes de ação em que, se houver alguém no final que ganhe, é porque as que usa são ainda mais avançadas, letais e com o dobro do poder de fogo. Em suma, trata-se de uma máquina de guerra perfeita a quem, mesmo que não caiba iniciar as hostilidades, quase sempre se encarrega de pôr-lhes fim, na sequência do rasto de devastação que provoca à sua passagem.

Para atingir o objetivo final do jogo, que é conquistar uma posição no terreno cuja finalidade não se percebe porque chegando lá não há nenhuma praia nem nada por que valha a pena lá ir, o jogador percorre vários níveis de dificuldade, que curiosamente vai diminuindo à medida que o tempo passa porque diminui o número de opositores que aparecem para lhe fazer frente, porque morreram calcinados pelos disparos da metralhadora ou simplesmente porque desertaram e passaram a ser considerados traidores.

Ante o mesmo cenário, que só vai mudando à medida que o jogador avança e vai deixando marcas nas paredes dos edifícios que ficam escancaradas com o tijolo à vista, o jogo desenrola-se num ambiente hostil, fazendo o soldado percorrer um labirinto que o faz desejar encontrar rapidamente uma tabuleta que aponte na direção de um atalho para que possa sair dali antes que as coisas piorem para o seu lado. Numa cidade deserta, em que nem à noite se dorme por falta de silêncio, é tanto o barulho que, cerrando os olhos, não custa ao jogador imaginar a presença de um chaimite que importa ele saber de que lado vem para poder fugir no sentido contrário. E porque nenhuma das partes dá sinais de ceder, não acreditam na instauração de tréguas que tragam ao lugar a paz em que poucos parecem acreditar, aqueles para quem de nada valem os acordos cujos termos são para se violar.

Em suma, pela violência é que se justifica tamanho sucesso deste jogo e ser tão grande o número de downloads que dele fazem. Daí que as pessoas não se admirem do atual estado de coisas, nem se espantem de proliferar a violência, como se não estivessem à espera de que, sobretudo os mais novos, na vida real não imitassem os seus ídolos desses jogos de guerra.

Talvez quando já não for criança é que vá à Euro Disney divertir-me como, hoje em dia, fazem as crianças que brincam com os jogos preferidos dos adultos. Por não poder concretizá-los todos enquanto tenho dez anos, vou acrescentando sonhos aos que já tenho e, pelo facto de ser criança, a dose de confiança necessária para acreditar que um dia ainda todos se tornarão reais.