Dignidade na vida Dignidade na morte

Tudo começou quando tinha 14 anos.

O meu avô foi diagnosticado com cancro nos intestinos, mas foi diagnosticado tarde demais, pois já tinha metástases. Não havia nada a fazer a não ser tratamentos.

Durante uns tempos ele fê-los.

Foi na véspera de Natal de 2004. A minha mãe recebeu uma chamada da irmã a dizer que o meu avô tinha ido de urgência para o hospital, foi aí que comecei a pensar em morte assistida, embora o meu avô nunca tivesse dito uma palavra em relação a isso, e acredito que tal coisa lhe tivesse passado pela cabeça. Era eu que desejava que o seu e o meu sofrimento acabassem.

Depois dessa ida ao hospital declarou-se que o tumor tinha chegado ao cérebro e a única coisa que se podia fazer era assegurar o seu conforto e esperar. A família decidiu que ele iria passar os últimos dias em casa rodeado dos que o amam (sim, nós ainda amamos o meu avô).

Foi num abrir e fechar de olhos que o meu avô piorou, confundia as pessoas, ou seja, o cérebro estava a falhar, tinha dores e é claro que não se conseguia levantar da cama.

Estando ele no Alentejo, as únicas pessoas que podiam cuidar dele eram a minha tia, o meu tio e os meus primos, que ainda vivem lá. Acredito que lhes deve ter doído mais a eles que o viram assim.

Relaciono este acontecimento ao tão controverso assunto da morte assistida, não só por ter pensado nisso, se calhar mais cedo que a maioria, como comecei a pensar que a morte assistida devia ser um direito e legal em Portugal, pois sou da opinião que as pessoas devem ter o poder de controlar a sua vida e a sua morte.

Hoje sei que foi egoísta da minha parte desejar a morte assistida do meu avô. Ele não a queria e sei hoje que o meu interesse era mais direccionado ao fim do meu sofrimento que ao dele.

A decisão de ter uma morte assistida deve sempre provir da pessoa que sofre da doença (um pouco como o suicídio parte de quem quer por fim à sua vida), enquanto esta detém as suas faculdades intelectuais para fazer tal escolha.

Como a morte, este assunto ainda é tabu. Mas vamos aos factos.

Em Portugal a morte assistida é considerada homicídio, o que resulta no “turismo do suicídio” na Suíça, onde entre 2009 e 2012 o número de pessoas que procuram a morte assistida duplicou.

O que me diz que Portugal está a negar a morte digna a quem o deseja e que a nossa legislação em relação a este assunto é pura e simplesmente cristã, que provoca a sua própria morte vai para o inferno. O que nos catapulta para o sentido de moral.

Uma pessoa que provoca a sua própria morte merece ser castigada e é imoral (lá está aquela mentalidade cristã), e quem não consegue cometer suicido por não ter faculdades motoras e procura suicídio assistido é imoral e uma pessoa horrível, sem princípios e puramente egoísta.

Pois bem, quem é que está a ser egoísta. A sociedade, claro.

A nossa sociedade faz o que eu fiz como quando tinha 14 anos, mais preocupada com o seu próprio sofrimento do que com quem sofre de incapacidade ou doença. Este pensamento, não é nada cristão.

Está na altura de o juramento de Hipócrates se adaptar ao século XXI, está na altura de a legislação Portuguesa, e a sociedade conceder o direito de dignidade na hora em que a morte se aproxima, ou quando a dignidade nos é roubada.

Ao reler o que escrevi penso, “Utopias, utopias…”