Diz-me como escreves, dir-te-ei quem és

Que és um tipo curioso, se falas do que não sabes, à espera de aprender nalgum comentário que um leitor especializado nessa matéria, corrigindo-te os erros, acabe por te ensinar um pouco do que sabe.

Que comes muito queijo ou és pura e simplesmente esquecido, se escreves mal como falas e nos espaços reservados às vírgulas e restantes sinais de pontuação, deixas em branco como se

Que és do género de quem não tem criatividade, se preenches uma página em branco com citações famosas de autores de quem nunca leste uma obra completa, por não entenderes o seu significado.

Que és distraído, se passas adiante da realidade em que vives e numa autobiografia que escreves, descreves, retiradas do teu melhor amigo, as características que gostarias de ter.

Que és do estilo vaidoso, se, quando assinas, entre o nome próprio e o apelido, deixas espaço para caber o adjetivo que achas que melhor te define.

Que não passas afinal de um gabarolas, se o adjetivo que escolhes não é o adequado e é mais em função de te quereres evidenciar do que pelo desejo de despertares nos outros a vontade sincera de te conhecerem.

Que és um sujeito altruísta, se escreves sem pensar no retorno que vais obter, medido em número de visualizações de leituras no blogue e consequente classificação na tabela mensal das mais lidas.

Que és um mãos-largas, se escreves frases com muitas palavras porque já não cabem dentro de ti, mas um tipo inseguro, se o fazes porque achas que nem se usasses o dobro dos predicados e pronomes conseguirias fazer-te entender pelas outras pessoas, tão bem como gostarias.

Que és um gajo do género sensível, se quando abordas temas polémicos atuas com moderação, como o defesa amarelado de uma equipa de futebol que, na abordagem aos lances em que há bolas divididas, se arrisca a ser expulso ao reincidir nas entradas do género em que se passa a bola não passa o jogador adversário.

Que és narcisista e onde quer que te encontres, te julgas o centro das atenções, se de ti só escreves usando letra de imprensa, porque achas que todas as notícias a teu respeito são tão importantes que merecem vir em destaque como um cabeçalho.

Que és um tipo com baixo nível de autoestima, se a inicial do teu nome vier escrita com letra minúscula e na frase em que dizes que estás apaixonado pela tua professora de Português, não tens dúvidas em considerar que o sujeito vale menos do que as tamancas de saltos que ela usa.

Ou que és do género rezingão, se rezingas por tudo e por nada e, nem com uma caligrafia bonita e bem estruturada, te conformas de não escrever tão bem com ambas as mãos.

Que és do tipo de ter lábia, se quase ninguém lê o que escreves antes de guardares o caderno na gaveta, como o vendedor consciente de que, mais de metade do que diz, nem o ouve menos de um quarto das pessoas interessadas nas bugigangas que traga para vender.

Que és uma pessoa educada, se pedes licença às palavras para ordená-las da forma que entendes para formar uma oração que faça sentido e tenha princípio, meio e fim.

Que infelizmente és uma pessoa vingativa, se, de cada vez que te ofendem, anotas a data e o nome dessa pessoa, para na ocasião que julgares oportuno, friamente lhe pagares na mesma moeda.

Que és como um namorado traído, orgulhoso, se te esqueces de acento numa palavra e não voltas atrás para não dares parte de fraco.

Que és ao melhor estilo um tímido, quando com a mão em concha tapas o que escreves, só porque detestas sentir-te observado.

Que és do tipo puritano, se resistes bem à tentação de escrever.

Que és do tipo picuinhas se sublinhas todas as passagens de um texto, independentemente da sua importância.

Que és do género desleixado, se na adaptação de uma história lhe abandalhas o final.

Que és do tipo macabro, se te dá prazer escrever na penumbra de um quarto quase às escuras, mas um romântico, se gostas de fazê-lo à luz das velas.

Que és um sujeito de mente aberta, se as tuas consoantes não são fechadas.

Que és um fulano desconfiado, se não confias nem segues livremente o teu instinto.

Que te aperaltas bem e és elegante, se a uma história antiga gostarias de dar uma nova roupagem.

Se és do género teimoso, se insistes em não escrever na base do Novo Acordo Ortográfico, porque sabes que ainda assim te vão entender.

Que és do tipo ingénuo, se acreditas que chegou ao destino alguma das cartas que na infância dirigiste ao Pai Natal.

Que és do género folião, se nasceste em Lisboa na noite de Santo António e, à prosa, preferes escrever quadras ao gosto popular.

Que é do género queixoso, se criticas nos termos certos o atual estado das coisas e atribuis devidamente a culpa aos seus responsáveis.

Que és do género submisso, se te agachas à procura da palavra que te falta para terminar uma frase.

Que és ao melhor estilo apaixonado, se somente escreves a tinta vermelha e mostras um ar desligado, como se aunasses ausente com a cabeça literalmente nas nuvens.

Que és um tipo sensato e justo, se a milionário gostarias de retirar umas sílabas que pudesses adicionar a pobre ou necessitado.

Que és, como o tempo de antena do PPM de vinte de setembro, no arranque da campanha eleitoral, enfadonho, se puxas para as crónicas um tema tão desinteressante como a reinvenção da monarquia em território luso.

Após tão longa exposição, compete-me dizer-lhe que revela-se paciente, ou, até ao fim, tamanha crónica não aguentaria, todavia, bem menos perspicaz do que eu esperaria, se porventura achava que nas considerações que fiz, a mim, como autor, não encontraria.